Hobby desperta um encantamento, não é? Quem descobre o prazer de uma atividade passatempo que o preenche, descobre na verdade mais prazer pela vida. Não é sobre ganhar dinheiro, transformar em negócio. É sobre satisfação, felicidade, distração, lazer, relaxamento, desligar do mundo ao redor e sonhar acordado.




 
Desde 2020, quando o mundo passou a ser atormentado pela pandemia da COVID-19, e em sua fase mais grave as pessoas foram obrigadas a se isolar socialmente, o hobby ganhou ainda mais espaço como instrumento para cuidar da saúde mental e buscar o bem-estar em meio às transformações do dia a dia pelas quais todos passam.

As vacinas chegaram, o medo arrefeceu, a Ômicron assusta e o surgimento de novas cepas é um fantasma constante. Por isso, o hobby que muitos descobriram no momento mais crítico da pandemia segue como companhia nesta fase menos caótica . Seja o bordado, a pintura, a tecelagem, a costura, o livro, as quitandas, o desenho... São inúmeras as possibilidades que jamais se despedem e dão qualidade ao tempo.




 
Edna Fátima Aquino Perpétuo Rapini, de 57 anos, administradora de empresa, bancária, que se aposentou em 2019, imaginava viver o novo ciclo da vida de uma forma e veio a pandemia.

“Sempre gostei de trabalhos manuais. Mas com filho, casa, pais idosos, trabalho, não tinha tempo, só desejo e vontade. Quando criança, nas férias, na casa da tia e didinha Maria, como era muito levada, para me aquietar ela me dava linha e agulha, já que bordava e fazia crochê. Aprendi os primeiros pontos, cresci, veio a vida, o trabalho, a missão de ganhar dinheiro, o estudo e meu sonho ficou adormecido. Com a pandemia e a aposentadoria, decidi colocá-lo em prática.”
  
Cortar panos, segurar a agulha com delicadeza, mergulhar no mundo das linhas, esse tem sido o universo de Edna: “O sonho despertado, sem eu saber, lá com 9, 10 anos é agora minha companhia. Dizem que ao aprender um ponto, você faz mil. É o que tenho feito. Quando estou bordando, às vezes, o marido pergunta algo e nem escuto, não respondo, estou contando os pontos. O bordado não é só um passatempo, ele me acalma, não me deixa pensar em nada ruim, não há espaço na mente para besteiras, nem para falar mal dos ou- tros. Eu me desligo e entro no meu mundo colorido”.
 
Edna destaca que, além dela, o hobby da mãe Elza, de 81, é a cozinha, onde a distração e o prazer estão nas quitandas, doces, canjica, mingau... “Ela adora cozinhar e oferecer às pessoas.” Feliz do seu pai, Juvenal, de 89, degustador das guloseimas. “Eu também sou boa para comer, não sou chegada na cozinha.” Já o irmão, ela conta que também descobriu um hobby nesta pandemia: “O Eustáquio é professor de matemática, além de me estimular com o meu hobby – todo lugar em que vai me traz uma linha, passou a fazer pé de moleque e cocada, que virou o seu passatempo. Passou até a aceitar encomenda e criou um nome: ‘Doce Perpétuo’”.





BELEZA, COLORIDO E TÉCNICA DO PATCHWORK


Kátia Ribeiro

(foto: Túlio Santos/em/d.a press)
Já a técnica de unir recortes de tecidos diferentes de forma harmônica é a paixão de Kátia Ribeiro, de 57, contadora e bancária aposentada há dois anos. O patchwork é o atual projeto de vida em tempos mais tranquilos, depois de lidar por anos com a efervescência do mercado financeiro. A rotina de antes só permitia as caminhadas ecológicas para desestressar, seja pela Pico da Bandeira, Serra da Canastra e Serra do Cipó, quando também nasceu a paixão pela fotografia da natureza.
 
Mas, desde 2020, a pandemia freou esses seus prazeres. “A caminhada agora é curta, sem tanta companhia; a fotografia, que meu irmão diz que ‘parece uma pintura’, aguarda uma vida com mais liberdade sem esta pandemia e as viagens, que também adoro, para montar meus álbuns impressos, onde escrevo uma legenda para todas as fotos. Esses hobbies estão em ritmo de espera. Mas logo após a saída do banco, comecei a fazer cursos de costura, comprei uma máquina, me encantei com o patchwork. Sempre sonhei em costurar roupa de cama, colchas, almofadas, acho muito bonito e, agora, não consigo parar”, diz.
 
Depois de cursos de matemática financeira e tudo mais que pensar de especialização na área, Kátia lembra da reação espantada do ex-chefe quando soube da sua nova ocupação.



“A primeira peça que fiz mandei foto para ele, que mora em São Paulo. E saiba que patchwork é matemática pura, tudo é calculado, como encaixar cada bloco, combinação de cores, é muito legal. E tudo começou com a indicação de um ateliê por uma amiga, e não largo mais. Tenho aula uma vez por semana, é presencial, com todos os cuidados, apenas três pessoas mais a professora, e amo cada descoberta. É minha terapia.”
 
Ela destaca que esse é um encontro gostoso, em que elas brincam, conversam. “Ficamos triste porque perdemos uma amiga querida para a COVID-19, ela e o marido, mas temos de seguir. Sou ligada no 220 volts e o patchwork tem várias técnicas de costura, não é repetitivo, um aprendizado constante, o que põe minha mente em funcionamento e me desacelera ao mesmo tempo.”

Kátia conta que costura o dia todo, não consegue ficar parada. Além do patchwork, faz tricô, sapatinhos e roupinhas para crianças carentes: “Fico dentro de casa fazendo uma coisa e outra, sempre invento algo. E me tornei enlouquecida por panos, e tenho grande ciúmes deles. Também passei a fazer bolsas, dou de presente depois de postar no meu Instagram com minha marca (@krpatchwork); estou até vendendo. O patchwork é uma companhia, consigo ficar tranquila dentro de casa fazendo o que gosto. Digo que, depois de anos com a carga pesada do trabalho dentro de uma instituição financeira, o patchwork é meu bilhete premiado”.




ANTROPOLOGIA E ARQUEOLOGIA

Thales Vianna Coutinho, psicólogo clínico e professor de psicologia da Estácio BH, avisa que o hobby tem uma função terapêutica, mas não significa que seja uma terapia, que é algo estruturado, específico e com demonstração de eficácia comprovada

(foto: Arquivo Pessoal)
Thales Vianna Coutinho, psicólogo clínico e professor de psicologia da Estácio BH, explica que a antropologia, a arqueologia e a história demonstram que os homens da caverna, apesar de suas características peculiares, não eram necessariamente diferentes de nós. Então, mesmo não conhecendo nenhum estudo que tenha investigado o fenômeno do hobby entre os antigos, é possível inferir que eles tinham também.
 
“Há, sim, várias pesquisas sobre a produção artística de- les. Resta saber, porém, se essa produção era profissional (havia alguma forma de escambo) ou se era por lazer mesmo, o que caracteriza mais o hobby em si. O hobby tem um papel fundamental na vida das pessoas, inclusive para a saúde mental. Afinal, nada mais é do que uma atividade feita por prazer, sem necessariamente visar ao lucro. A pessoa até pode vender, mas, a princípio, não é o objetivo final. A ideia de fazer algo pelo próprio prazer é gratificante e relaxante, o que reverbera numa melhor qualidade de vida.”
 
O psicólogo assegura que o hobby pode ser considerado um investimento experiencial, em que a pessoa investe seus recursos (tempo, e até mesmo dinheiro) em algo que renderá uma experiência positiva. Segundo ele, já está bem estabelecido na literatura científica que investir em “experiências” é uma das melhores maneiras de converter gasto (tempo e dinheiro) em felicidade autêntica. Além disso, obviamente, também é uma maneira de extravasar o estresse. Não substitui a psicoterapia, mas ajuda.
 
Thales Vianna explica que o hobby pode ter uma função terapêutica, mas não significa que seja uma terapia. Terapia é algo estruturado, específico e com uma demonstração de eficácia comprovada. Algo como “função terapêutica” é tudo aquilo que sabemos que faz bem, mas por meio de evidências anedóticas (relatos das pessoas), não necessariamente experimentais (pesquisa científica).



O hobby entra nessa categoria. Ele é bom, promove a socialização, alivia o estresse, ajuda a passar o tempo, estimula a felicidade, mas não é a mesma coisa que uma psicoterapia. Ou seja, ele pode fazer você ficar mais desinibido, mas não tem propriedade para livrar o indivíduo da depressão ou da ansiedade.

Para o psicólogo, outro ganho do hobby é que ele contribui com a saúde mental no sentido de se sentir criativo, se estimular, se sentir desafiado, com vontade de mudança, de buscar algo novo e aprender, até porque o hobby é sempre algo que se escolhe fazer sem compromisso.

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