Jornal Estado de Minas

homenagem

Carreira e maternidade podem andar juntas


 
A inserção da mulher no mercado de trabalho ainda é uma conquista atual. Desde os primórdios da humanidade, a mulher é vista como uma extensão da casa e do marido, tendo que colocar a família, principalmente os filhos, e o lar em primeiro lugar. Atualmente, essa ideia vem mudando. São inúmeras as mulheres que passaram a conciliar a maternidade com o sonho de construir uma carreira profissional, mas será que isso é possível?

“A entrada no mercado de trabalho foi uma conquista muito importante para nossa dignidade e autonomia. O problema é que o mundo do trabalho, apesar de muitas coisas já terem mudado, ainda continua sendo um espaço cruel e excludente para as mães”, explica Carolina Dantas, psicóloga sistêmica e coautora do livro “Meu adolescente: Memórias, diálogos, conexões”.





Quem precisa ou deseja trabalhar e ser mãe, encontra muitas barreiras e vivencia muitos desafios, como jornada dupla ou tripla, sobrecarga de tarefas e, consequentemente, encara a culpa e a angústia por ter que se ausentar tanto, além de cobranças e julgamentos por suas escolhas. Estudo realizado pela revista Crescer entrevistou 2.887 mulheres, das quais 94% relataram ter dificuldade para conciliar maternidade e carreira, seja por preconceitos ou por falta de políticas trabalhistas.
 
 
 
“Tive medo de não conseguir continuar trabalhando por causa do desconforto da barriga, medo de parar durante a licença e perder minha renda, já que sou autônoma, muitas dúvidas sobre o que fazer nos primeiros meses, como faria para amamentar, se escolheria babá ou creche. Tudo isso passa na cabeça de uma mãe que precisa ou deseja continuar no mercado de trabalho”, destaca Carolina Dantas.

Mas, apesar de ser mais difícil, é sim possível conciliar maternidade e carreira. Uma alternativa para o sentimento de culpa, por exemplo, muito discutida entre profissionais da psicologia, diz respeito a ter “tempo de qualidade” com seu filho. Isso significa que não importa a quantidade de horas que uma mãe passe ao lado de seu filho, e, sim, o quanto ela estará conectada com ele nos momentos em que estiverem juntos. Essa técnica vai ajudar a estabelecer conexão e vínculo entre mãe e filho mais fortes e sem demandar muito tempo.   

Vale lembrar que conciliar essas duas tarefas vai se tornando mais “fácil” com o passar do tempo. O trabalho de uma mãe de criança é diferente do trabalho das mães de adolescentes. Além dos anos de prática, à medida que o filho vai crescendo, ele vai ganhando mais autonomia e buscando, também, seu lugar no mundo. 





Segundo a psicóloga, existe uma coisa que privilegia mães de adolescentes, porque os jovens têm mais autonomia e não dependem tanto dessa presença materna constante, nem de ter um adulto fazendo tudo por ele ou cuidando dele o dia todo.

“É o caminho esperado.  Portanto, quanto maiores e mais independentes os filhos vão se tornando, mais liberdade e tempo livre terão as mães, e assim, consequentemente, poderão se dedicar à sua vida pessoal e profissional com menos pressão ou preocupações que tanto assolam as mães de crianças. Isso vai depender da idade e da maturação cognitiva e emocional e do nível de independência desses filhos”, conclui a especialista.


"Quanto maiores e mais independentes os filhos vão se tornando, mais liberdade e tempo livre terão as mães, e assim poderão se dedicar à sua vida pessoal e profissional”
Carolina Dantas, psicóloga



A incomparável força das mães

No caso da artista Graziela Andrade, professora da Escola de Belas Artes e pesquisadora da UFMG, conciliar trabalho e ma- ternidade foi mais que uma vontade, foi uma necessidade. De- pois de 4 anos afastada de suas funções como pesquisadora para cuidar da filha com para- lisia cerebral – como consequência de um parto malsucedido –, ela percebeu uma nova forma de conciliar seus projetos com o tratamento da filha.





“Quando Helena nasceu, eu e minha família vivemos um trauma indescritível, e eu entendi que nunca mais conseguiria me dedicar às pesquisas. Há pouco tempo, percebi que, como mãe de uma criança especial, eu nunca parei de pesquisar, eu apenas havia mudado meus interesses de conhecimento”, conta Graziela.

Foi investigando novas abordagens para as questões moto- ras de sua filha e a partir das experiências que ambas adquiriram ao longo de diversos procedimentos terapêuticos que a mãe-pesquisadora percebeu o caminho em potencial para o desenvolvimento da filha por meio da dança, ao qual ela se dedica. De acordo com Graziela, a filha faz todos os tratamentos tradicionais e que são importantes para ela em termos de manutenção física.

“Mas o aprendizado em si, no caso dela, me parecia acontecer quando havia uma proposta baseada em sua consciência, em seu engajamento. Foi em suas lições de Feldenkrais que eu realmente notei algo novo acontecendo em seu corpo. Então, co- mecei a buscar o que mais estava sendo desenvolvido em ou- tros países, para além das pes- quisas médicas que eu já mape- ava”, conta a mãe.





CONSCIÊNCIA CORPORAL 

O Feldenkrais é uma das técnicas que fazem parte do campo das abordagens somáticas que vão estudar o corpo de um modo mais global, e que sempre le- vam em conta a consciência corporal e o pensamento para além do movimento. Foi pes-    quisando esses caminhos que ela encontrou o canadense de origem japonesa Yuji Oka, fundador da Spiral Praxis, uma modalidade contemporânea que visa promover um estado de fluidez entre ações e sentimentos, fazendo com que os movimentos humanos sejam mais conscientes e menos auto- máticos. 

“Assim como eu, Oka veio da dança, talvez por isso minha identificação com o seu trabalho tenha sido tão imediata. Ele vem desenvolvendo seu método há 25 anos, é uma figura muito afetuosa, encorajadora e tem ajudado crianças no mundo todo. Agora chegou nossa vez!”, diz Graziela, esperançosa.

A artista e sua filha se pre- param para embarcar para To- ronto, onde vão experimentar – uma como pesquisadora e outra como paciente – a técnica Adapted Spiral Praxis, fundada por Yuji Oka e ainda inédita no Brasil. A família organizou a campanha “Sapeca Leleca no Canadá” (benfeitoria.com/projeto/sapecaleleca), para arrecadação de fundos para o projeto. No site, é possível conhecer um pouco melhor essa história, contribuir com qualquer valor e ainda receber re- compensas que variam entre livros, desenhos e pinturas dos próprios pais de Helena. 





Além dessa primeira expe- riência, Graziela acaba de ser aceita pela Universidade de Montreal (UQAM), onde desenvolverá sua pesquisa de pós-doutorado, prevista para 2023, relacionando a dança à paralisia cerebral. “Eles se interessaram pela minha pesquisa, pois minha abordagem é bem inovadora e, na verdade, muito simples. A ideia é envolver pais e crianças em uma espécie de jogos de dança, onde o prazer, o ritmo e a ludicidade serão chaves para o movimento, respeitando a singularidade de cada corpo presente, explica a professora.

* Estagiária sob supervisão da editora Ellen Cristie