As restrições adotadas na pandemia de COVID e o medo da doença fez com que a população ficasse refém de outras doenças graves e que precisavam de tratamento emergencial. O câncer, principal causa de mortalidade em todo o mundo segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), pode ter sido a principal delas. Com base nesse cenário, a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) lançou um documento inédito - que pode ser acessado aqui - com lições aprendidas na pandemia e recomendações para retomar e melhorar o controle oncológico no Brasil.
A entidade aponta que a pandemia causou impacto negativo no atendimento, em exames e no tratamento oncológico, 'evidenciando a fragmentação do Sistema de Saúde'. Por outro lado, a resposta à COVID em níveis municipal, estadual e federal mostrou que 'união de esforços e a prioridade dada ao tema possibilitaram inovações e adaptações, direcionaram recursos, aceleraram decisões, provando que é possível enfrentar o problema quando há reconhecimento público da gravidade, aliada a vontade política e união'.
A Federação argumenta que o câncer é gerador de uma 'crise de saúde pública' e que, 'se não enfrentada de forma assertiva e com a tempestividade e estrutura necessárias para tratá-la como uma prioridade, pode se tornar uma séria emergência em saúde pública, como já foi declarado em outros países'.
"A pandemia mudou o cenário do câncer, impactando negativamente no diagnóstico precoce, onde se tem mais chances de recuperação ou da adoção de tratamentos iniciais, além de descontinuidade de tratamentos, reduzindo índice de cura. Com isso, as projeções indicam um aumento na mortalidade em função da doença", aponta a presidente da Femama, Maira Caleffi.
Entre os pontos destacados no documento - veja abaixo as seis lições e as seis recomendações - estão a agilidade na organização e apresentação de dados a nível nacional para direcionamento de políticas e verbas públicas a tratamentos emergenciais e conscientização da população.
"Iniciativas importantes ocorreram no país nos últimos anos, mas é preciso fazer mais e avanços não podem retroceder. A pandemia trouxe desafios em diversos aspectos. Apesar da instabilidade na prestação de serviços e interrupção ou atraso nos atendimentos, vimos que a união de esforços e a definição de prioridades permitem inovações e adaptações. Queremos levar esse aprendizado para a oncologia também", enfatiza Caleffi, ressaltando que, atualmente, o governo federal é um dos maiores dificultadores desse trabalho.
"Temos leis e medidas que foram votadas e outras em discussão e análise. Nos últimos meses, pautas importantes de oncologia passaram na Câmara e no Senado, mas foram vetadas pelo presidente. Agora [após a COVID] precisamos tomar conta da população que ficou a deriva e tudo está atrasado, inclusive o rastreio de cânceres que seriam curáveis e preveníveis", esclarece Caleffi, revelando que a entidade também prepara um documento que será apresentado aos candidatos à Presidência da República para que a população possa cobrar as medidas a serem adotadas.
Para a produção do conteúdo, a entidade se reuniu em uma série de encontros virtuais com lideranças da entidade e das suas ONGs associadas, que somam mais de 70 membros do Governo, pacientes, profissionais da saúde, representantes da indústria farmacêutica e operadoras de saúde e de entidades do setor. De acordo com Caleffi, representantes de governos estaduais e municipais participaram dos encontros, porém o governo federal não atendeu ao chamado.
Lições da pandemia:
- Com união de esforços é possível ter dados em tempo hábil para a tomada de decisões
- Integração de sistemas de informação e níveis de atenção permitem um melhor acompanhamento do paciente
- Adequação de recursos financeiros e infraestrutura de acordo com as necessidades promovem maior equidade no cuidado
- A tecnologia pode ser uma aliada importante do setor saúde, mas é preciso discutir também seus limites
- Atuação interdisciplinar e intersetorial permite olhar para o contexto em que cada indivíduo está inserido, e não apenas para a doença
Recomendações pós-pandemia:
- Melhorar a notificação do câncer e disponibilização dessas informações em tempo hábil para a tomada de decisão
- Promover a integração entre sistemas de informação e níveis de atenção para melhor acompanhamento (navegação) do paciente oncológico no sistema
- Ampliar recursos destinados ao controle do câncer e aproveitar a capacidade instalada com a Covid-19 para diagnóstico e tratamento
- Ampliar e melhorar a comunicação em saúde para a população
- Promover ampla discussão sobre a regulamentação da tecnologia na saúde e, especificamente, na assistência à saúde
- Promover maior articulação entre diferentes setores sociais, áreas da saúde e entre o público e privado