Jornal Estado de Minas

REPORTAGEM DE CAPA

O padre, o espírita e o pastor: a comunhão entre ciência e espiritualidade


O padre, o espírita e o pastor. Em comum, o entendimento sobre a unicidade na reflexão entre ciência e espiritualidade. Porém, com a ressalva do pastor, que essas duas buscas do ser humano podem e devem ser aliadas, desde que não contradiga a Bíblia - um livro escrito há mais de 4 mil anos, com diversas versões e adaptações para os mais diversos públicos.



O pastor Lauro Longo da Cruz está há 10 anos no exercício do sacerdócio. Aos 50 anos, de família evangélica, o estudioso da Bíblia, também ex-comerciante, passou a gerência do negócio para a esposa, e hoje se dedica integralmente à Igreja Batista Central de Belo Horizonte.


Para ele, a "ciência não elimina a fé". Entretanto, ele faz uma ressalva: o conhecimento científico torna-se "adversário", termo usado pelo pastor, na medida em que se opõe à crença dos evangélicos.

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Lauro se refere à evolução biológica das espécies, teoria proposta pelo naturalista, geólogo e biólogo britânico Charles Darwin (1809/1882). "Acreditamos no que está na Bíblia, a lei do criacionismo", afirma o pastor.



O criacionismo é uma teoria, narrada na Bíblia, segundo a qual Deus criou todas as coisas, inclusive o homem. Diversas culturas possuem uma versão própria do criacionismo, como é o caso da mitologia grega, da mitologia chinesa, do cristianismo, entre outras.

Consistência 


Padre Marcus Mariano, de 39 anos, ordenado padre em 2011, e desde 2018 na paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte, tem mestrado e doutorado em teologia (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

Marcus Mariano, de 39 anos, ordenado padre em 2011, e desde 2018 na paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte, tem mestrado e doutorado  em teologia, concluídos na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), sediada na capital, com foco nos livros do apocalipse.

"A espiritualidade precisa ser consistente, procurar a base científica para não ser uma ilusão, um delírio. Então, ela necessita do conhecimento racional", afirma o sacerdote.



O padre destaca que o inverso também deve ser observado. "Reconhecer o próprio limite (da ciência), perceber que a realidade não é totalmente captável", avalia.

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Para ele, espiritualidade é sinônimo de fé e não faz sentido caminhar com ela sem o apoio da razão. "São como duas asas que contemplam o mistério, o inefável, o indizível, o que nossas palavras e razão não dão conta", pontua.

Espiritualidade nas universidades 


O espírita e médico Francisco Rodrigues de Sales diz que a espiritualidade pode interferir como medida preventiva para infartos agudos do miocárdio, AVCs (acidente vascular cerebral), diabetes e hipertensão arterial (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
O espírita e médico Francisco Rodrigues de Sales, de 63 anos, mestre em cirurgia-geral e urgência clínica e servidor público, não só concorda com a parceria entre espiritualidade e ciência em sua caminhada, como destaca que essa parceria já está instalada nas universidades.

No Brasil, ele cita, como exemplos, a disciplina 'medicina e espiritualidade' na grade curricular das universidades Federal Fluminense (UFF) e estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde se ensina formas de abordar o lado espiritual dos pacientes.



Dr. Sales, como é mais conhecido no meio espírita e entre seus pacientes, chama a atenção também para uma diretriz firmada, desde 2019, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), ocorrida durante o congresso daquele ano dos especialistas em tratar as doenças do coração.

O médico diz que a SBC firmou conduta sobre a importância de se aliar ciência e espiritualidade no trato com os pacientes. "Eles (médicos da SBC) já entendem que é importante o cultivo do espiritual para a sobrevivência, o tratamento e a capacidade de resistir ao sofrimento", disse.

Além disso, sublinha o médico, observa-se que a espiritualidade pode interferir como medida preventiva para infartos agudos do miocárdio, AVCs (acidente vascular cerebral), diabetes e hipertensão arterial.


Religião, religiosidade e espiritualidade


Dr. Sales também faz questão de explicar, para evitar confusões ou polêmicas, o entendimento da SBC sobre espiritualidade. Entendida como sinônimo de religião e religiosidade.



"O que eles (SBC) chamam de religião é um culto, com regras e práticas bem definidas. Religiosidade, para eles, é a capacidade de seguir e obedecer o seu culto religioso", explica.

O médico esclarece ainda qual a definição que melhor se aproxima do que é a espiritualidade, que, para ele, independe de dogmas das religiões ou da religiosidade. 

"Diz respeito (espiritualidade) a um conjunto de valores morais, emocionais e mentais que norteiam as atitudes do sujeito, algo nato da pessoa. Dependendo de como reage diante de uma doença ou contrariedade, isso faz diferença na sua espiritualidade", afirma.

O profissional disse ainda que tem por hábito estar presente quando familiares para notificar sobre a morte de um paciente. "Quando mais espiritualizado, maior é a aceitação e mais eles costumam lembrar, em lágrimas, alguma história em que o paciente estava se despedindo", conta o médico.



Bíblia

Para o padre, quem nega que ciência e espiritualidade podem caminhar juntas o fazem "por preconceito, como se fosse algo irracional ou apenas desconhecimento". O religioso define espiritualidade como "a sede humana pelo transcendente, pelo mistério. A realidade material só não basta. Há necessidade de alcançar (no sentido da busca que não cessa) por meio da fé e da razão", reflete.

"A fé é a certeza daquilo que esperamos e aprova das coisas que não vemos. É a construção de um relacionamento com o Cristo. Ele está vivo, não está crucificado. Nos relacionamos sem vê-lo. Ele deixou para nós o que está na Bíblia", conclui o pastor.