Aquela sensação de alívio ao coçar os olhos pode se transformar em um problema ao comprometer severamente a saúde ocular. Por mais que pareça um gesto inofensivo, e muitas vezes prazeroso, trata-se do principal fator de risco de uma doença que é mais comum do que se imagina, o ceratocone.
Renato Ambrósio Jr., especialista em córnea e cirurgia refrativa e autor do livro "Tenho ceratocone, e agora?" (2019), explica que a ceratocone é uma doença progressiva da córnea que se afina - tem sua curvatura aumentada de forma irregular - podendo assumir o formato de cone em fases avançadas. É bilateral, mas usualmente atinge os olhos de maneira assimétrica.
"Como consequência, o paciente desenvolve miopia e astigmatismo com irregularidade, o que leva à distorção da visão, com mudanças frequentes do grau. A educação do paciente é fundamental, destacando-se que raramente leva à cegueira, mas pode levar à necessidade de um transplante de córnea que já foi a única opção e hoje é a última opção de cirurgia", esclarece Ambrósio Jr.
Embora tenha componente genético, a doença é fortemente associada a condições ambientais, como as alergias oculares, que faz com que o indivíduo esfregue frequentemente os olhos, hábito extremamente danoso que fragiliza a estrutura da córnea, desencadeando ou agravando a doença que ocorre por mecanismo biomecânico.
O oftalmologista ressalta que o ceratocone é a doença ectásica (alteração da curvatura da córnea) mais frequente. Segundo o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), a cada 100 mil pessoas no mundo, de 4 a 600 desenvolvem a condição.
Leia também: 20% dos jovens entre 18 e 24 anos nunca foram ao oftalmologista
São necessários mais estudos para entender sua prevalência no Brasil, entretanto, sua incidência é tão expressiva que foi criada em 2018 a campanha mundial "Violet June - Global Keratoconus Awareness Campaign", ou "Junho Violeta", iniciativa do Dr. Renato Ambrósio Jr., com o intuito de levar informação e conscientizar a população sobre a importância do diagnóstico precoce e de não coçar os olhos.
"Geralmente, o ceratocone tem início na adolescência, a partir dos 10 anos, e evolui até cerca de 40 anos, quando costuma se estabilizar naturalmente. No entanto, os mais jovens podem ter a doença controlada e pacientes mais velhos podem ter uma progressão. A alergia ocular e o hábito de coçar os olhos são fundamentais neste mecanismo. Com isso, destaca-se a importância de fazer consultas com médico oftalmologista, a fim de identificar e acompanhar corretamente a doença", diz o especialista.
Leia também: Entenda o retinoblastoma, câncer que afeta principalmente crianças
O tratamento mais adequado é feito quando a doença é diagnosticada em sua fase inicial. Isso é capaz de reduzir o problema para o paciente e o impacto da doença na família e em toda a sociedade. Outra recomendação é não coçar os olhos e tratar a alergia ocular por meio de colírios prescritos pelo médico. "Se a coceira for muito incômoda, o ideal é apertar um pouco a bolinha no canto dos olhos, perto do nariz, a carúncula, para trazer algum alívio. Vale lembrar que dormir fazendo pressão contra os olhos também pode agravar a doença", frisa o médico.
Tratando o ceratocone
Até o final dos anos 1990, o transplante de córnea era encarado como a única alternativa para casos avançados da patologia, mas hoje 20% desse procedimento feito no Brasil tem como causa o ceratocone, de acordo com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia, sendo considerado o último recurso terapêutico. Graças aos constantes avanços da medicina, pacientes podem se beneficiar de técnicas arrojadas e menos invasivas e indicadas de forma individualizada.
"Os óculos são a primeira forma de tratamento, mas quando deixam de ser eficazes são sugeridas lentes de contato especiais, como as esclerais e Rose K. Contudo, as lentes precisam ser bem adaptadas pelo oftalmologista especializado, caso contrário podem provocar irritação ocular que aumenta o risco de evolução da doença", aponta Ambrósio.
Leia também: Médico faz alerta após influencer 'lascar' córnea com unha afiada
As cirurgias são indicadas para estabilizar a condição ou para reabilitação visual, quando os óculos ou as lentes de contato não proporcionaram resultado satisfatório. "Destacam-se o cross-linking, que consiste na aplicação de colírio de riboflavina (vitamina B12) e emissão de feixe de luz ultravioleta (UVA) para enrijecer as fibras de colágeno da córnea", descreve.
Além disso, o médico destaca o implante de anel intracorneano, método em que uma órtese, formada por dois semicírculos de acrílico rígido, é implantada no interior da córnea. "Seja qual for a abordagem, será definida considerando o grau de irregularidade da córnea e as características de cada olho do paciente", conclui Renato.