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Estado de Minas SAÚDE

Fissura labiopalatina: má-formação congênita

Dia Nacional de Conscientização sobre a Fissura Labiopalatina é firmado no Senado, 24 de junho. Hospital da Baleia é referência estadual: 400 casos por ano


21/06/2022 14:37 - atualizado 21/06/2022 17:08

bebê com lábio leporino
Também conhecida como lábio leporino, a má formação congênita pode prejudicar a fala, a amamentação, a deglutição e causar distúrbios funcionais e emocionais (foto: James Heilman.MD/Wikimedia Commons)
O calendário da saúde acaba de ganhar mais uma data comemorativa no Brasil. Foi aprovado no último dia 13 de junho, no Senado Federal, o PL 6565/2019 que institui o Dia Nacional de Conscientização sobre a Fissura Labiopalatina a ser lembrado, anualmente, no dia 24 de junho. Agora, a matéria será encaminhada à sanção presidencial. 

Mas por que é tão importante a aprovação desse Projeto de Lei? Segundo o coordenador do Centro de Tratamento e Reabilitação de Fissuras Labiopalatais e Deformidades Craniofaciais (Centrare), do Hospital da Baleia, o ortodontista Ênio Mazzieiro, para que o assunto tenha a visibilidade que merece: “Cabe à instituição, o atendimento dos pacientes portadores de fissuras lábio-palatinas de 80% do estado de Minas Gerais, totalmente gratuito, pelo Sistema Único de Saúde (SUS)”. 

fissura labiopalatina, também conhecida como lábio leporino, é uma má-formação congênita que pode prejudicar a fala, a amamentação, a deglutição, e causar distúrbios funcionais e emocionais. 

As causas da anomalia são multifatoriais, mas já se sabe que determinados fatores de risco podem estar envolvidos, como deficiências nutricionais, exposição à radiação, medicamentos, álcool, cigarro, fatores hereditários, genéticos e doenças maternas durante a gestação.

Ortodontista Ênio Mazzieiro
Ortodontista Ênio Mazzieiro diz que o tratamento adequado depende da gravidade, mas somente nos casos das pequenas cicatrizes é que a cirurgia pode ser evitada (foto: Arquivo Pessoal)
O ortodontista Ênio Mazzieiro explica que as fissuras de lábio e/ou palato podem ser divididas em dois grandes grupos: “Grupo 1, fissuras associadas às síndromes e, grupo 2, fissuras não associadas às síndromes. No primeiro, a genética hereditária é o principal fator etiológico. No segundo, existem diversos fatores ambientais, tais como uso de drogas, álcool, cigarros, drogas anticonvulsivantes, doenças viróticas, desnutrição da gestante, irradiação ionizantes etc.", explica.

"Atuando durante a fase de gestação e, sobretudo no primeiro trimestre, podem ocasionar o aparecimento das fissuras. Nesses casos, dizemos que as fissuras têm uma etiologia ambiental multifatorial e apontar um único fator causal muitas vezes é difícil."

A única solução é a cirurgia?


O coordenador do Centrare destaca que as fissuras se apresentam de diversas formas e gravidades. Podem ser desde uma pequena cicatriz, até rupturas totais do lábio, osso alveolar (região onde os dentes se posicionam) e o palato (céu da boca).

“O tratamento adequado depende da gravidade, mas somente nos casos das pequenas cicatrizes é que a cirurgia pode ser evitada. Nos demais casos, as cirurgias de reconstrução do lábio (labioplastia) e palato (palatoplastia) são essenciais e representam somente a solução inicial dos problemas. Vale lembrar que as fissuras ocasionam não apenas problemas estéticos na face, mas também alterações na fala, posicionamento dos dentes, problemas de respiração e audição, alterações do crescimento normal da maxila e problemas emocionais."

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Por isso, o tratamento deve ser conduzido por uma equipe multidisciplinar, dentro de uma linha de cuidados que se inicia ao nascimento da criança e pode-se estender até os 20 anos. "Dessa forma, a equipe de tratamento é composta por cirurgiões plásticos, otorrinos, fonoaudiólogos, psicólogos, geneticistas, enfermeiros, pediatras, serviço social, e dentistas nas diversas especialidades."

Preconceito e as consequências para a saúde mental 


Ênio Mazzieiro alerta que, infelizmente, os pacientes que apresentam algum tipo de deformidade ou má-formação estão sujeitos aos preconceitos da sociedade. “Isso não é diferente com aqueles onde a má- formação está na face, com comprometimentos estéticos e funcionais em diferentes graus.

Os preconceitos podem ocorrer tanto dentro da própria família, quanto no ambiente escolar, social e de trabalho, afetando os pacientes de diferentes formas. Clinicamente, o acompanhamento psicológico feito pela equipe pode minimizar os efeitos do bullying, mas a conscientização da sociedade torna-se fundamental.”

Nesse aspecto, enfatiza o dentista, a aprovação pelo Senado Federal do PL6565/2019, instituindo o Dia Nacional da Conscientização sobre a Fissura Labiopalatina representa um passo importante nessa direção.


 “Devemos ressaltar que os pacientes portadores de fissuras labiopalatinas são extremamente capazes de exercer qualquer atividade, mas o preconceito da sociedade pode construir barreiras desnecessárias e algumas vezes intransponíveis a eles.”

Antes do parto é possível detectar se o bebê terá lábio leporino?

Como em toda gestação, o acompanhamento pré-natal torna-se fundamental. Ênio Mazzieiro diz que os exames de ultrassom podem detectar, na maioria das vezes, a presença de fissuras labiais e palatinas, salvo se o bebê estiver em alguma posição intrauterina desfavorável ou com as mãos sobre a região da boca.


“Nesses casos, o médico pode ter alguma dificuldade na visualização das fissuras. Idealmente mais de um ultrassom deveria ser feito durante o período de gravidez, aumentando a possibilidade do diagnóstico precoce. Infelizmente, essa não é a realidade para todas as gestantes e, em vários casos, a mãe só fica sabendo da fissura ao nascimento (fissuras de lábio) ou, nos casos de fissuras isoladas de palato, até vários dias após o nascimento da criança, onde a dificuldade de amamentação e a perda de peso passa a ser mais investigada.”

Neste contexto da fissura labiopalatina, fala-se também em fenda palatina. Ênio Mazzieiro diz que ela é a fissura que acomete somente o palato (céu da boca), podendo comprometer toda a sua extensão ou ser uma fenda parcial dessa estrutura. “Apesar de não se refletir em alterações na região do rosto, como as cicatrizes decorrentes das cirurgias reparadoras nos lábios, as fissuras de palato estão muito relacionadas com as deficiências de fala (voz anasalada ou fanha) e otites recorrentes (dor de ouvido) nesses pacientes.”

Conforme o dentista, a cirurgia de palatoplastia é feita por volta de 18 meses de idade da criança, antes da aquisição da fala, e tem como finalidade principal a separação das cavidades bucal e nasal, favorecendo a uma fala mais próxima da normalidade e a proteção do ouvido interno, evitando-se a entrada de alimentos, principalmente líquidos, dentro do nariz e na tuba auditiva.

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"Porém, essa cirurgia reparadora causa, como resultado, uma cicatriz na região central do palato e uma redução do seu tamanho longitudinal, que podem ocasionar a restrição do crescimento transversal da maxila, provocando alterações dos relacionamentos dentários entre os arcos superior e inferior e a mobilidade do palato mole, responsável pelo sistema de vedação velofaríngeo. Essas alterações funcionais, inerentes ao processo reparador, serão tratadas posteriormente pela fonoaudiologia, otorrino e ortodontia.

Dessa forma, torna-se fundamental entender que o tratamento das diversas fissuras envolvem uma equipe interdisciplinar, trabalhando ao longo de uma linha de cuidados extensa, cronologicamente determinada e que as cirurgias de fechamento do lábio e do palato representam apenas uma fase desse longo processo.”

O número de pacientes em Minas e os atendimentos e cadastro no Centrare


Conforme o ortodontista, se Minas tem uma população aproximada de 15 milhões de habitantes, é estimado que 17 mil pacientes sejam portadores de fissuras, uma vez que as estatísticas oficiais dos órgãos de saúde consideram que a má formação afeta uma criança a cada 650 nascidas no Brasil.

De acordo com Ênio Mazzieiro, o Centrare tem mais de 5.500 pacientes cadastrados que já foram atendidos e recebe, em média, oito novos casos de por semana. Só nos primeiros quatro meses de 2022, foram feitos no Hospital da Baleia mais de 2 mil atendimentos ambulatoriais e mais de 200 procedimentos cirúrgicos de alta e média complexidade. 

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Por ser um hospital de ensino, o Centrare também recebe residentes das áreas de cirurgia plástica e otorrinolaringologia, do próprio programa de residência do Hospital da Baleia ou de outras instituições. A instituição também tem parcerias para estágios curriculares, o que possibilita a presença de alunos nas áreas de pediatria, enfermagem, cirurgia buco-maxilo-facial, nutrição, fonoaudiologia, serviço social e psicologia acompanhando os tratamentos.

Com a  palavra, mães e pacientes


Rosilene Pascoal Militao Araujo, lavradora, mãe Maria Luiza Pascoal Araújo, de 8 anos

Rosilene Pascoal Militao Araujo, lavradora, mãe Maria Luiza Pascoal Araújo, de 8 anos
(foto: Hospital da Baleia/Divulgação)


“Ela tinha uma fenda no céu da boca, mas já fez a cirurgia e correu tudo bem. Agora, está no acompanhamento. Teve também uma cirurgia no ouvido. A cirurgia foi com pouco mais de um mês e viemos aqui todo ano. Desmarcamos por causa da pandemia e, agora, estamos voltando. Antes, era terrível, era medo para alimentar, de voltar para o nariz, para o ouvido, sempre engasgava. Depois cirurgia, uma benção. E não teve mais infecção no ouvido mais. Graças a Deus”.

Leiliane Nogueira Nunes, cozinheira, mãe do Nicolas Nunes Lopes, de 8 meses

Leiliane Nogueira Nunes, cozinheira, mãe do Nicolas Nunes Lopes, de 8 meses
(foto: Hospital da Baleia/Divulgação)
"Ele tinha lábio leporino e tem a fenda palatina. Só descobri quando ele nasceu, não soube na gravidez. O tratamento começou com três meses, fizemos todos os exames e, com sete meses, ele fez a cirurgia. Fez o lábio e parte do nariz. A da fenda palatina, o Nicolas vai fazer com um ano e seis meses. Por isso, ainda tem dificuldade para amamentar, sai pelo nariz, a comida precisa ser mais pastosa. Todo mês tem um processo, tem consulta com a fonoaudióloga, com a psicóloga e também no otorrino, porque ele também tem um problema no ouvido, que não é sério, mas precisa acompanhar. Sou de Fazenda Larga, munícipio de Januária, no Norte de Minas, e venho no Baleia sempre que marcado. Soube da data comemorativa é achei tão  bom, nem sabia que era tão importante, feliz por ele e por nós.”

Daniel Alves Medeiros, de 15 anos, de Varginha de Goiânia

Daniel Alves Medeiros, de 15 anos, de Varginha de Goiânia
(foto: Hospital da Baleia/Divulgação)


“Eu não sabia que isso ia acontecer, mas graças a Deus o hospital está me ajudando muito, estou com aparelho, vou fazendo passo a passo e trato aqui desde que nasci. Comecei quando tinha 30 dias. Nunca sofri nenhum preconceito por causa da fissura.”


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