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Estado de Minas REPORTAGEM De CAPA

Dando adeus à ansiedade: como se livrar do 'sequestro mental'

Especialistas dizem que consultas terapêuticas ajudam a resgatar a lucidez e a racionalidade


03/07/2022 04:00 - atualizado 02/07/2022 18:08

Estudante Lorena Amorim
A estudante Lorena Amorim procurou ajuda profissional depois de perceber que não conseguia fazer planos para o futuro devido à enorme quantidade de fake news durante a pandemia (foto: Fotos: Arquivo pessoal)

Viver em constante equilíbrio mental, ponderando todos os comportamentos e decisões, sem tomar nenhuma atitude que venha a se arrepender depois, é um pensamento quase utópico. Seres humanos falham, cometem injustiças e jamais serão perfeitos, apesar da existência de caminhos que ajudam a manter uma certa lucidez, por meio de consultas com psicólogos, limpeza espiritual, entre outras formas.

De acordo com o Google Trends, a busca pelo termo "equilíbrio mental", em agosto de 2021, cresceu 45% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Isso só evidencia que as pessoas estão querendo sair do cenário pandêmico e se reconectar consigo mesmas, preparando-se para o advento do ‘novo normal’. 
 
 
Quando se perde a racionalidade e, às vezes, até a própria lucidez, dá-se início ao que é conhecido pelos especialistas como “sequestro mental”, período em que a emoção toma conta de todos os pensamentos, potencializando-se o risco de agir de forma agressiva e totalmente imprudente. É o momento em que a mente não se concentra no presente, trazendo problemas do passado, e/ou gerando ansiedade no futuro. 

A estudante Lorena Amorim, de 21 anos, sofreu um certo tipo de “sequestro mental” durante a pandemia, principalmente devido ao compartilhamento de fake news. A jovem, que sempre teve o costume de fazer planos a longo prazo para sua vida, ficou estagnada e sem saber o que fazer diante de tantas notícias, das quais ela ainda não conseguia discernir o que seria verdadeiro ou não. 
 
 
“Ainda estava muito no início. Eu comecei a ficar assustada com aquilo tudo. As fake news e a pressão midiática serviram para me deixar mais ansiosa e angustiada com a falta de percepção e planejamento para meu futuro. Eu estava de mãos atadas, não tinha muito o que fazer, já que se tratava de um acontecimento recente, do qual não tínhamos muita informação”, comenta Lorena. 

Melina Efraim, psiquiatra

"Os laços familiares foram colocados à prova para milhares de pessoas. Um desafio passou a existir diante do convívio familiar implicado pelo isolamento"

Melina Efraim, psiquiatra


TUDO NOVO “Minha rotina também mudou muito com a pandemia. Em 2020, eu tinha acabado de entrar para a faculdade de publicidade e propaganda. Menos de dois meses depois, começamos as aulas à distância. Pouco depois, precisei mudar de cidade. Não conhecia ninguém, a não ser minha família.  Essa convivência em excesso com as mesmas pessoas começou a afetar todos nós”, complementa.

A psiquiatra Melina Efraim explica que os laços familiares foram colocados à prova para milhares de pessoas. Um desafio passou a existir diante do convívio familiar implicado pelo isolamento. 

“As intrigas aumentaram dentro de casa e eu comecei a ter percepções que não tinha antes. Comecei a ficar mais irritada com meus familiares. Além disso, já não tinha nenhuma motivação para continuar acompanhando as aulas, passei então a conviver apenas e exclusivamente com quem morava comigo”, acrescenta Lorena. 

ESTIGMA Lorena deixa claro que sempre quis fazer acompanhamento psicológico, mas que devido ao estigma associado à saúde mental, ela escutava frases como “isso é frescura” e “logo vai passar, você não precisa disso”.  

A psicóloga Flávia Sorice revela que, assim como a ansiedade e a depressão, outras doenças psiquiátricas são estigmatizadas por falta de informação, o que leva a diagnósticos e tratamentos inadequados ou precários.

“As doenças psiquiátricas não são levadas a sério porque não são palpáveis e visíveis, como uma ferida ou um osso quebrado. Por exemplo, quem tem depressão, teme ser tachado de preguiçoso, por isso muitos indivíduos deixam de procurar tratamento. Somente quando a doença está em seu extremo ou o pior acontece é que as pessoas ligam o alerta para a situação”, afirma.

Flávia ressalta que nenhuma doença relacionada à saúde mental é frescura nem sinal de fraqueza. “O primeiro passo para sair dela é reconhecer, depois aceitar e procurar ajuda especializada”, diz. “Os tratamentos evoluíram, mas a sociedade precisa avançar e reconhecer cada indivíduo em sofrimento mental, ajudando a acabar com a discriminação tão enraizada”, reforça. 

Agradecer é uma forma de cuidar da saúde  


No início, Lorena precisou encontrar refúgio na espiritualidade e na leitura. Foi só quando sua irmã de consideração, que também estava passando por problemas psicológicos, tomou uma atitude drástica, é que a família resolveu recorrer à ajuda profissional. “Foi preciso esperar algo crítico e grave acontecer para que eles começassem a aperceber que o apoio familiar e a terapia eram necessários”, expõe. 

“Eu me senti aberta com isso, a todo momento eu tinha certeza de que esse acompanhamento profissional seria importante e essencial para mim. Eu abracei essa oportunidade e continuo com o tratamento até hoje.” 

Gratidão 

 
A evolução foi tanta que Lorena diz que na última sessão de terapia suas palavras eram todas de gratidão. “Eu não tinha o que reclamar, só agradecer. Eu estava me sentindo realizada em todos os âmbitos da minha vida”, finaliza a jovem. 

A gratidão é reconhecida cientificamente por seus efeitos positivos. Um estudo da Universidade da Califórnia (UCLA) aponta que ser grato regularmente modifica algumas moléculas do cérebro, que interferem na felicidade e na saúde. 

Durante a pesquisa, os voluntários foram divididos em dois grupos: o primeiro deveria listar motivos diários de gratidão, e o segundo deveria listar diariamente seus incômodos durante 10 semanas. A experiência provocou um sentimento de maior disposição no grupo da gratidão, que passou a se exercitar mais e a oferecer um suporte emocional maior às pessoas de seu convívio. 

Para a psicóloga e especialista em saúde mental Simone Matias, “não temos o hábito de autoperceber nossa saúde mental e por isso não procuramos ajuda. Além disso, poucas pessoas sabem como buscar esse cuidado e os problemas acabam se tornando verdadeiras ‘bolas de neve'''.

Simone identifica que durante a pandemia fomos afetados por um contexto de negatividade, prejudicando as sensações que fazem bem para a mente, como esperança, merecimento e gratidão. Esta última representa um importante estado emocional, associado à percepção de benefícios recebidos.

Segundo Simone, um dos exercícios que devem ser indicados aos pacientes é o de identificar e de criar momentos de gratidão, seja para agradecer ao outro ou por algo. “Quando é um hábito, ela pode reduzir o estresse e fortalecer o sistema imunológico, melhorar a energia e disposição, e diminuir sensações negativas como solidão, medo, inveja e ressentimentos”, destaca a psicóloga.

* Estagiária sob supervisão da editora Ellen Cristie


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