Jornal Estado de Minas

REPORTAGEM DE CAPA

Meios eletrônicos deixam estímulos a mil

 
Muito mais do que os benefícios que não podem ser negados, na outra ponta estão os perigos do acesso ao universo eletrônico para as crianças e adolescentes. São consequências com reflexos em todas as áreas da vida, alerta a especialista em desenvolvimento infantil Aline De Rosa. São possíveis desequilíbrios que vão desde problemas na  visão (hoje as crianças usam óculos mais do que todas as outras gerações), até as dificuldades causadas na audição (crianças muito expostas a telas têm tendência a falar mais alto, por ter sua capacidade auditiva afetada).




 
Aline De Rosa aponta ainda a dificuldade de socialização. "É muito mais fácil ficar parado e receber todos esses estímulos do que ter que socializar, conversar, criar uma brincadeira, falar com outras crianças, se mover e sair do sofá", diz. 
 
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A profissional reforça que a energia, que vem da produção de cortisol, deveria estar sendo gasta em brincadeiras, em atividades, em correr, pular, escalar e se movimentar. "Esses hormônios que controlam o humor ficam acumulados no corpo e, quando o eletrônico é desligado, todo o cortisol acumulado se transforma em um comportamento extremamente ativo, muito mais que o normal, já que não foi gasto ao longo do dia", ensina.
 
É comum as pessoas confundirem esse excesso com TDH, déficit de atenção e hiperatividade, diz Aline. Além disso, as ondas e os pixels emitidos pelas telas jorram uma grande quantidade de informações para o cérebro, e a criança é totalmente incapaz de digerir tudo isso. Assim, as sinapses são construídas de uma forma diferente. “O cérebro de uma criança que tem acesso diário ao eletrônico é completamente diferente de um cérebro de uma criança que tem pouco acesso”, ensina a profissional.




 
É perceptível que essa criança está se formando de outra maneira, com dificuldade de concentração, de lidar com o tédio, de esperar e de ouvir um "não". "Muita criança que navega na internet tem acesso a conteúdos inadequados e acaba percebendo realidades do mundo que ela não está preparada para digerir. Ela se assusta e leva isso para sua vida íntima. Isso pode ocasionar dificuldade para dormir, pesadelos e pode até mesmo provocar depressão", alerta Aline.
 
Por outro lado, os benefícios do uso dos aparelhos eletrônicos podem começar a ser mensurados na adolescência, quando o indivíduo desenvolve a capacidade de discernir se o conteúdo é bom ou não para ele.

LIMITES

Para a arquiteta Anelise Castro, na relação com o filho Dante, de 8 anos, ela se preocupa em estabelecer limites, regras e avaliar o que ele está vendo, os conteúdos que acessa. "A gente tem regras que eu considero pertinentes para a faixa etária e os interesses dele", diz.




Esses cuidados acontecem no contexto da relação do garoto com colegas, primos e outras crianças que, já nessa idade, têm o próprio celular, tablet ou computador, com acesso ilimitado a diferentes programas.
 
É uma realidade que Anelise e o marido não ignoram. "Tanto eu quanto o pai somos firmes sobre quais são as regras e limites. Ele não acessa nada sem que a gente não supervisione. Mesmo que ele já tenha maturidade, desde quando comecei a ter essa preocupação, não é responsável pelo que escolhe."  
 
Quando Dante demonstra interesse por algum conteúdo, os pais o assistem antes, determinam se o garoto pode ou não assistir, e assim a relação se torna mais leve. Não se trata de censura, pondera Anelise. "É uma preocupação que eu considero muito pertinente. Existem conteúdos que trazem para dentro de casa um linguajar e valores que não são compatíveis com a forma como eu educo. As crianças ainda estão muito suscetíveis nesse ambiente e não conseguem filtrar o que recebem."

A auxiliar administrativa Lais de Fátima Canuti fala da cumplicidade na relação com a filha Yasmim, de 14 anos. A menina está grande parte do tempo ao celular, em grupos de amizade, nas redes sociais, assistindo a séries, jogando junto com os amigos.




 
"Ela passa bastante tempo na telinha social. Tem as atividades de casa para cumprir, além dos estudos e, no final da tarde, quando  termina suas obrigações, fica no quarto, no celular, até a noite", diz Lais, que sempre orienta a filha sobre os perigos por trás das telas. "Ensino a  ter cuidado com o que ela segue, o que publica e, principalmente, com quem fala. Yasmin é bem tranquila. Nunca tive problemas com ela, considerando as redes sociais."
 
Mas nem por isso Lais é desatenta. Ao contrário. "Não sou de pegar o celular dela para olhar, mas já fiz isso e percebi que ela não teve nenhum problema em me deixar ver.  Yasmin confia em me contar qualquer coisa que perceba que não lhe faz bem. Acredito que, quando pais e filhos conversam, quando existe a confiança, a rede social pode ser para o bem", analisa.
 
 
Cinco perguntas para...

Ana Gabriela Andriani, psicóloga, mestre e doutora em educação (foto: Arquivo pessoal)

Ana Gabriela Andriani,  psicóloga, mestre e doutora em educação, especialista em terapia de casal e família,  especialista em psicoterapia breve, e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise 
 
1 - Que tipo de temática é indicada em cada faixa etária?

Para crianças até os 4 anos, o ideal são produções que  estimulem o desenvolvimento cognitivo, o raciocínio, a percepção,  a audição e a fala. A  partir dos 5 anos, além disso, também o estímulo à memória e atenção, e nesse ponto também acontece a aprendizagem de conteúdos. Na adolescência, é importante assistir a séries e filmes que favoreçam o desenvolvimento do senso crítico, e que tratem de temas adequados ao que estão vivendo, que têm a ver com suas dúvidas, com suas angústias.





2 - Quais os perigos desse acesso?

O perigo acontece, primeiro, pelo excesso. Quando a criança e o adolescente só ficam ali assistindo a filmes e séries, e  perdem o contato com o mundo exterior, com os amigos, quando não participam de outras brincadeiras, que são estímulos importantes. Outras atividades do mundo também são enriquecedoras. Depois, a exposição pode ser pre- judicial quando a série ou o filme não trazem um conteúdo que seja educativo, que não seja reflexivo, que seja danoso para o desenvolvimento.

3 - E quais são os benefícios?

O acesso a esses conteúdos estimula o desenvolvimento cognitivo, a aquisição de novos conhecimentos, a  capacidade de pensar, com temas que problematizam as questões sociais, ou o que eles estão vivendo, no caso dos adolescentes. Filmes e séries também podem ser educativos quando abordam temas relacionados a valores, a relacionamento familiar, a angústias que são vividas na adolescência, a questões sociais importantes, por exemplo.

4 - Como controlar o acesso e saber o que seu filho deve ou não assistir?

Proibir simplesmente não é bom. Os pais precisam ficar próximos, saber o que os filhos estão assistindo, conhecer determinada série, ajudá-los a pensar sobre a impropriedade de outra. Assistir junto também é bom. Isso pode se tornar um tema de conversa na família, cada um colocando seu ponto de vista, pensando juntos. Também estimular o filho a ter senso crítico, para que, quando maior, ele mesmo entenda e filtre o que é bom ou não.




É interessante que os pais entendam qual foi o impacto daquele conteúdo, se deixou o filho assustado, se foi algo que ele não compreendeu. Mas não precisam achar que foi um trauma, que vai deixar marcas. Há que se ajudar a criança ou o adolescente a elaborar o que foi visto, e isso é feito conversando.

5 - Como saber filtrar o que eles assistem, diante de um acesso cada vez mais facilitado, e para muitos tipos de conteúdo?

Os pais devem se informar sobre séries e filmes que estão circulando para cada faixa etária, a fim de estimular os fi- lhos a assistirem a conteúdos que sejam interessantes do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo, da capacidade de reflexão, da aquisição de informação.