George e sua mulher Mary haviam emigrado da Grécia para os Estados Unidos em 1913, em busca de melhores oportunidades de vida e com o sonho de se dedicar à ciência.
George já era um cirurgião nessa época, com experiência inclusive em tratar soldados em campo de batalha, mas ao chegar aos EUA o casal precisou se virar com bicos.
George chegou a trabalhar em uma loja de departamentos e tocando violino em restaurantes, conta ao programa BBC Witness sua sobrinha neta Olga Stamatiou, que foi vizinha dos Papanicolaou em Long Island, Nova York (EUA).
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Até que finalmente George conseguiu um emprego na sua área: foi aceito como assistente no Departamento de Anatomia da Escola de Medicina da Universidade de Cornell. "Desde então, mal saí do laboratório", disse George em uma entrevista posterior.
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Ele passou a se dedicar ao estudo de células com foco na prevenção de doenças, e em 1928 conseguiu um avanço importante: identificou células cancerígenas em uma amostra coletada do colo do útero de uma paciente.
Esse tipo de coleta de material do colo do útero viraria, mais tarde, o hoje famoso exame papanicolau. Ao identificar precocemente lesões (muitas vezes causadas pelo vírus HPV, o papilovírus humano), é possível intervir e evitar que um câncer de colo de útero se desenvolva.
Estima-se que o exame papanicolau já tenha salvado milhões de vidas de mulheres. Mas a descoberta de George Papanicolaou não foi imediatamente aceita pela comunidade médica americana da época.
De volta a 1928, seus colegas viram o trabalho dele com desdém, segundo entrevistas do próprio Papanicolaou. "O mundo da ciência não estava interessado em ver o que eu tinha visto", disse ele.
Além disso, um exame íntimo em mulheres tampouco era bem aceito na época. "Não era elegante, e em alguns casos era considerado mal-educado", explicou o cientista.
Com a ajuda de Mary, porém, George se manteve empenhado em divulgar suas descobertas.
Olga conta que Mary aceitou se submeter a exames diários de colo de útero, por 20 anos, para ajudar o marido a embasar suas pesquisas.
"Quando ele se frustrava pela falta de reconhecimento, ela dizia para ele não desistir, para ele não se desviar do caminho", relata a sobrinha neta a respeito da história de amor do casal. "Ela era muito devotada a ele. Era uma mulher muito interessante, sincera e doce ao mesmo tempo."
Para obter mais amostras, George também pagava enfermeiras que permitissem que ele examinasse seu colo de útero.
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Por fim, no início dos anos 1940, George Papanicolaou conseguiu publicar um estudo mais robusto sobre o exame preventivo, e a comunidade científica começou a perceber a importância desse tipo de teste.
O médico também saiu em campanha com sociedades médicas e com associações femininas para popularizar o exame.
Oito décadas mais tarde, 81% das mulheres brasileiras entre 25 e 64 anos de idade disseram ter feito em 2019 o exame papanicolau alguma vez nos três anos anteriores, segundo o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde divulgado em março deste ano.
A recomendação do ministério é de que toda mulher que já teve ou ainda tem vida sexual ativa, sobretudo as de 25 a 59 anos, se submetam ao exame uma vez por ano.
Se o resultado for normal durante dois anos consecutivos, o exame preventivo pode ser feito uma vez a cada três anos.
A despeito dos avanços do exame preventivo no mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, em 2020, 342 mil mulheres tenham morrido de câncer de colo de útero, a maioria delas em países de baixa renda.
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A meta da OMS é de que esse tipo de câncer seja completamente eliminado, o que pode acontecer, segundo o plano da entidade, se for ampliada a vacinação de meninas contra o HPV e se 70% das mulheres do mundo se submeterem a exames papanicolau regularmente.
Isso só será possível por conta do trabalho de George e Mary.
"Eles eram pessoas tão bonitas, eram humanitários", elogia Olga. "Me sinto abençoada por ter conhecido essas pessoas."
Em suas entrevistas, George também reconheceu o papel da sua mulher no trabalho. "Se consegui conquistar algo útil, foi graças à ajuda e devoção dela", ele afirmou. "Não acho que teria feito sem ela."
- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62222220
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