A Suprema Corte do Peru reconheceu, na última quinta-feira (14/7), o direito à eutanásia de uma mulher que sofre de uma doença incurável e degenerativa. A notícia trouxe de volta à pauta um assunto considerado por muitos um tabu: o ato intencional de proporcionar a alguém uma morte indolor para aliviar o sofrimento causado por uma doença incurável ou dolorosa. Mas qual a legislação sobre o assunto no Brasil?
Segundo Daniela Ito, advogada especialista em Direito Médico e sócia do Fonseca Moreti Ito Stefano Advogados, não existe uma regulamentação brasileira sobre eutanásia. Ela explica que a prática é entendida como homicídio e, portanto, é criminalizada.
"Não há brechas. O Código Penal Brasileiro apenas concede uma redução na pena no crime de homicídio se comprovada a motivação de 'relevante valor moral' na prática da eutanásia, por exemplo, se comprovada a motivação de compaixão, a tentativa de poupar alguém de sofrimento atroz", declara Daniela.
A advogada Mérces da Silva Nunes, também especialista em Direito Médico, reitera o entendimento. "A eutanásia é uma conduta omissiva ou comissiva de um terceiro que, por compaixão, interrompe a vida de um paciente acometido de grave doença, física ou psíquica, mas que ainda não entrou em processo de morte", afirma.
Mérces acrescenta que a prática e%u0301 considerada "homicídio privilegiado, tipificado no artigo 121, §1º, do Código Penal" e ressalta que a legislação brasileira não contempla exceção para a prática da eutanásia: apenas autoriza o juiz a diminuir a penalidade que será aplicada ao agente.
Ostotanásia e Distanásia
De acordo com Daniela, há outros termos semelhantes, além de eutanásia, que também se referem ao processo de morte de um paciente: ortotanásia e distanásia. "A ortotanásia é conduta médica plenamente lícita em que se opta por tratamentos e intervenções não invasivos, evitando o incremento de sofrimento físico e/ou psicológico do paciente, proporcionando assim uma terminalidade de vida menos dolorosa, mais tranquila e digna", explica.
A advogada completa, dizendo que é imprescindível o consentimento do paciente ou de seu representante legal. "Tudo deve constar registrado no prontuário do paciente. A partir do momento que se define pela ortotanásia, ativa-se a área dos cuidados paliativos, que é a especialidade que passa a cuidar do paciente multidisciplinarmente, garantindo-lhe o bem-estar de forma universal, incluindo até mesmo aspectos religiosos, se for conveniente."
Mérces Nunes salienta que a ortotanásia é "a morte natural do paciente, sem antecipação ou prolongamentos desnecessários". Segundo a especialista, a prática e%u0301 autorizada pelo artigo 41, parágrafo único, do Código de Ética Médica e pela Resolução no 1.805, do Conselho Federal de Medicina.
Já a distanásia, por sua vez, nas palavras de Daniela, é quase uma obstinação médica, uma vez que "prevalece o objetivo de combater uma doença e suas consequências, em detrimento das questões subjetivas que envolvem o paciente, como o nível de sofrimento físico, psicológico e espiritual, o custo-benefício subjetivo do tratamento e as expectativas do paciente, por exemplo".
Mérces frisa que a distanásia é considerada uma má%u0301 prática médica, porque prolonga a dor e o sofrimento, sem melhorar a qualidade de vida do paciente.
Se um brasileiro precisar dos serviços paliativos da ortotanásia ou se considerar a eutanásia a quem devera%u0301 recorrer?
Nycolle Araujo Soares, também advogada e especialista em Direito Médico e sócia do Lara Martins Advogados, deixa claro que os cuidados paliativos são praticados no Brasil e estão avançando e se tornado uma prática aceita. Nycolle explica que os países que permitem a eutanásia são o Canadá, os Estados Unidos, nos estados de Oregon, Washington, Montana, Vermont e Califórnia, e a Colômbia.
"A eutana%u0301sia e%u0301 admitida também na Holanda, na Be%u0301lgica, em Portugal, mas apenas em casos considerados desesperadores, na Sui%u0301c%u0327a e na Sue%u0301cia. A Franc%u0327a permite a aplicac%u0327a%u0303o de medicamentos que levam a%u0300 sedac%u0327a%u0303o profunda até%u0301 a morte", reforça Mérces.
Ainda na seara da morte assistida, surgem dois outros conceitos: o suicídio assistido, permitido na Itália e proibido no Brasil, em que o próprio paciente, de posse das suas capacidades mentais, administra em si o medicamento, sob supervisão de um médico; e o testamento vital.
Leia também: Eutanásia: dilemas entre princípios constitucionais
"Testamento vital, tambe%u0301m chamado de Diretivas Antecipadas de Vontade do Paciente, e%u0301 um documento por meio do qual qualquer pessoa, lu%u0301cida, maior de 18 anos ou emancipada, podera%u0301 registrar, pre%u0301via e expressamente, a sua vontade em relac%u0327a%u0303o aos cuidados e tratamentos que deseja ou na%u0303o receber, na hipo%u0301tese de sofrer ou vir a sofrer de doenc%u0327a grave e estiver incapacitada de expressar a sua vontade, de forma livre, consciente e com autonomia", esclarece Mérces Nunes.
Em outras palavras: "O testamento vital e%u0301 a exteriorizac%u0327a%u0303o da vontade do paciente de ter uma morte natural e digna: ortotana%u0301sia; sem prolongamentos desnecessa%u0301rios: distana%u0301sia; e sem abreviac%u0327a%u0303o da vida, de modo direto e/ou assistido, por terceira pessoa: eutana%u0301sia", destaca Nunes. Segundo Daniela Ito, no entanto, deve ficar muito claro que o "testamento vital não tem validade ou aplicação no Brasil".