Em alimentos naturais como grãos, banana verde, arroz cozido resfriado, batata crua e aveia, existe um nutriente com potencial de proteger contra cânceres do trato digestivo superior, segundo um estudo com mil pessoas, acompanhadas ao longo de uma década. A pesquisa, liderada pela Universidade de Newcastle, no Reino Unido, com a participação de outros países, constatou que o chamado amido resistente, uma fibra não digerível pelo estômago, tem associação com risco menor de tumores de estômago, esôfago, trato biliar, pâncreas e duodeno.
O estudo, publicado nesta segunda-feira(25/7) na revista Cancer Prevention Research, foi realizado com pacientes de síndrome de Lynch, uma condição genética e hereditária que aumenta o risco de câncer de reto e cólon, sendo responsável por 5% dos tumores de intestino grosso. De 1999 a 2005, essas pessoas foram divididas em grupo de tratamento e de placebo, sendo que 463 delas tomaram amido resistente na forma de suplemento em pó - a quantidade ingerida no ensaio corresponde a comer uma banana ligeiramente verde (antes que amoleça completamente) por dia - ao longo de dois anos.
O artigo refere-se ao acompanhamento das condições de saúde de todos os participantes 10 anos depois do encerramento da pesquisa. Nesse período, houve cinco novos casos de câncer no trato gastrointestinal superior entre os que tomaram o suplemento. Já no grupo de placebo (455 pessoas), que recebeu um pó sem a fibra, o número de casos foi quatro vezes maior: 21 ocorrências.
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De acordo com os autores, esse é o primeiro estudo a encontrar evidências de que um suplemento alimentar pode prevenir o câncer hereditário, promovido pela síndrome de Lynch. Contudo, o autor correspondente, John Mathers, professor de nutrição humana da Universidade de Newcastle, diz que a descoberta pode ser estendida para a população em geral, e não apenas entre aqueles com a alteração genética.
Anti-inflamatória
A associação entre fibras alimentares, incluindo as amido resistentes, e proteção contra cânceres e outros distúrbios gastrointestinais foi sugerida há meia década, em um estudo publicado na revista médica The Lancet. Desde então, o papel do nutriente foi explorado várias vezes. Em 2019, uma revisão de artigos científicos financiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com dados de 4,6 mil adultos demonstrou uma redução de 15% a 30% na mortalidade por todas as causas e, especialmente, por doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral, diabetes tipo 2 e câncer colorretal em pessoas com consumo satisfatório de fibras alimentares.
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Mais estudos
Segundo John Mathers, da Universidade de Newcastle, estatisticamente, a redução de cânceres verificada no estudo ultrapassou 60%, sendo que o efeito mais evidente foi na parte superior do intestino. Curiosamente, não houve alteração de risco de tumores no cólon e no reto, partes do trato gastrointestinal que, se acreditava, seriam as mais beneficiadas por esse tipo de fibra. Mathers afirma que ainda não se sabe por que isso aconteceu e destaca a importância de mais estudos para explorar a questão.
De acordo com a cientista nutricional Stacey Lockyer, da Fundação Britânica de Nutrição, o interesse por pesquisas em amido resistente está crescente, com um aumento substancial nas publicações na última década. Lockyer, que não participou do estudo atual, é coautor de uma revisão divulgada na revista Nutrition Bulletin, na qual avaliou as descobertas recentes sobre o potencial do nutriente. "O amido resistente é um tipo de fibra alimentar que aumenta a produção de ácidos graxos de cadeia curta no intestino. Tem havido numerosos estudos humanos relatando seu impacto em diferentes resultados de saúde", disse.
A especialista também enfatiza a necessidade de mais investigações sobre os efeitos benéficos da susbstância. "Embora as descobertas apoiem efeitos positivos em alguns marcadores, mais pesquisas são necessárias para estabelecer se o consumo de amido resistente pode conferir benefícios significativos que são relevantes para a população em geral. No entanto, essa é definitivamente uma área empolgante de pesquisa nutricional para o futuro", avalia.
Três perguntas para...
John Mathers, professor de Nutrição Humana na Universidade de Newcastle, no Reino Unido
Existem pistas sobre o mecanismo de ação anticancerígena do amido resistente?
Achamos que o amido resistente (a fibra fermentável) pode ter seu efeito anticancerígeno por meio da interação com nossas bactérias intestinais, o nosso microbioma. O amido resistente - e outras formas de fibra dietética - age como alimento para as bactérias no intestino grosso e, ao fazê-lo, alteram seu metabolismo. Em particular, há evidências de que o amido resistente pode reduzir a conversão de ácidos biliares primários em ácidos biliares secundários. Isso é importante porque alguns ácidos biliares secundários podem danificar o DNA em nossas células, e esse dano ao DNA pode resultar em câncer.
Por que o amido resistente não afetou o câncer no intestino grosso?
Infelizmente, não sabemos por que o amido resistente não preveniu o câncer no intestino grosso. No entanto, temos boas evidências de que reduziu o risco de câncer no trato gastrointestinal superior, incluindo esôfago, estômago, trato biliar, pâncreas e duodeno. Isso é clinicamente importante porque esses cânceres são frequentemente diagnosticados tardiamente e podem ser difíceis de gerenciar.
Como essa pesquisa pode se traduzir em benefícios clínicos?
Os resultados desse estudo mostram que o amido resistente pode beneficiar pessoas com síndrome de Lynch (LS), reduzindo o câncer em outros locais do trato gastrointestinal superior. Como as pessoas com essa síndrome são um bom modelo para a população em geral, os benefícios que vimos para elas provavelmente se aplicam a todos. Por exemplo, em trabalhos anteriores, mostramos que a aspirina reduz o risco de câncer de intestino em pessoas com LS, e outros mostraram o mesmo na população em geral. Além disso, mostramos que estar acima do peso ou obeso aumenta o risco de câncer de intestino em pessoas com LS, assim como em todos os outros. Esperamos que os resultados de nossa pesquisa em pessoas com LS encorajem outros pesquisadores a investigarem benefícios semelhantes na população em geral.