Dois vírus comuns e, normalmente, adormecidos no organismo podem ser gatilhos para a doença de Alzheimer, um mal neurodegenerativo estimado para afetar 1,2 milhão de pessoas até 2050. O que causa a enfermidade ainda é um mistério, apesar do empenho de pesquisadores do mundo todo, que buscam tratamentos específicos e ainda inexistentes.
Usando um modelo tridimensional de cultura de tecidos humanos que imitam o cérebro, pesquisadores da Universidade Tufts e da Universidade de Oxford, no Reino Unido, mostraram que o vírus varicela zoster (VZV), que comumente causa catapora e herpes zoster, pode ativar o herpes simples (HSV). Esse último, também bastante comum, acaba deflagrando os mecanismos por trás dos estágios iniciais do Alzheimer, diz o estudo, publicado na edição de ontem do Journal of Alzheimer's Disease.
De acordo com os pesquisadores, normalmente, o HSV-1 - uma das principais variantes do vírus - fica adormecido dentro dos neurônios do cérebro. Porém, quando é ativado, leva ao acúmulo de proteínas tau e beta-amiloide e à perda da função neuronal - as bioassinaturas encontradas em pacientes com Alzheimer.
Leia também: Uma nova esperança no tratamento de Alzheimer
"Nossos resultados sugerem um caminho para a doença, causada por uma infecção por VZV, que cria gatilhos inflamatórios que despertam o HSV no cérebro", disse, em nota, Dana Cairns, pesquisadora-associada do Departamento de Engenharia Biomédica da Tufts."Embora tenhamos demonstrado uma ligação entre a ativação do VZV e do HSV-1, é possível que outros eventos inflamatórios no cérebro também possam despertar o HSV-1 e levar à doença de Alzheimer."
"Temos trabalhado em muitas evidências estabelecidas de que o HSV tem sido associado ao aumento do risco de doença de Alzheimer em pacientes", disse David Kaplan, presidente do Departamento de Engenharia Biomédica da Tufts. De acordo com ele, uma das primeiras pessoas a levantar a hipótese de uma conexão entre o vírus do herpes e o mal neurodegenerativo é Ruth Itzhaki, da Universidade de Oxford, que colaborou com o laboratório de Kaplan no estudo atual. "Sabemos que existe uma correlação entre o HSV-1 e a doença de Alzheimer, e alguns sugerem envolvimento do VZV, mas o que não sabíamos é a sequência de eventos que os vírus criam para colocar a doença em movimento. Achamos que, agora, temos evidências desses eventos."
Bilhões de infectados
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, estima-se que 3,7 bilhões de pessoas com menos de 50 anos foram infectadas com HSV-1, que causa a herpes oral. A maioria dos casos é assintomática, e o micro-organismo fica adormecido dentro das células nervosas. Quando ativado, pode causar inflamação nos nervos e na pele, provocando feridas e bolhas. A maioria dos portadores terá entre sintomas muito leves ou inexistentes ao longo da vida.
O VZV, da catapora, também é extremamente comum, com cerca de 95% das pessoas infectadas antes dos 20 anos. O vírus, que é uma variante do da herpes, também pode permanecer no corpo, encontrando caminho para as células nervosas antes de se tornar inativo. Mais tarde na vida, pode ser reativado, causando herpes zoster, uma doença caracterizada por bolhas e nódulos na pele, manifestações muito dolorosas, com duração de semanas ou até meses. A ligação entre o HSV-1 e a doença de Alzheimer só ocorre quando o HSV-1 é reativado, dizem os autores.
Para entender melhor a relação de causa e efeito entre os vírus e a doença de Alzheimer, os pesquisadores recriaram ambientes semelhantes ao cérebro em pequenas esponjas em forma de rosquinhas de 6mm de largura, feitas de proteína de seda e colágeno. Eles as povoaram com células-tronco neurais que crescem e se tornam neurônios funcionais, capazes de transmitir sinais uns aos outros em uma rede. Algumas também formam células gliais, que ajudam a manter os neurônios vivos e funcionando.
Os pesquisadores descobriram que os neurônios cultivados no tecido cerebral podem ser infectados com VZV, mas isso, por si só, não levou à formação das proteínas tau e beta-amiloide. Contudo, se essas células já abrigavam HSV-1 dormentes, a exposição ao vírus da catapora reativou os primeiros, levando a um aumento muito grande nas patologias da doença. Os sinais neuronais também desaceleraram.
Os pesquisadores observaram que as amostras infectadas pelo VZV começaram a produzir um nível mais alto de citocinas, proteínas envolvidas no desencadeamento de uma resposta inflamatória. Kaplan observa que o vírus é conhecido em muitos casos clínicos por causar inflamação no cérebro.
"Ainda é possível que outras infecções e outros caminhos de causa e efeito possam levar à doença de Alzheimer, e fatores de risco como traumatismo craniano, obesidade ou consumo de álcool sugerem que eles podem se cruzar no ressurgimento do HSV no cérebro", diz Kaplan. Uma vacina para o VZV - para prevenir varicela e herpes zoster - também demonstrou reduzir consideravelmente o risco de demência, observa. "É possível que a vacina ajude a interromper o ciclo de reativação viral, inflamação e dano neuronal."
Estímulo a novas pesquisas
"Os pesquisadores descobriram que, por si só, o vírus varicela zoster (VZV) não leva a alterações do tipo Alzheimer em células e tecidos cultivados em laboratório. Mas, quando as células previamente infectadas com o herpes simples (HSV) foram infectadas também pelo VZV, isso reativou o micro-organismo latente e causou alterações microscópicas semelhantes às observadas no cérebro de pessoas com Alzheimer. Essas são descobertas laboratoriais e não implicam diretamente esses vírus como a principal causa da doença de Alzheimer, mas os resultados são importantes e devem continuar estimulando pesquisas para entender o quanto a infecção, com esses vírus e outros micro-organismos, contribui para maior risco e agravamento dessa e de outras causas de demência"
Paresh Malhotra, professor de neurologia cognitiva e comportamental no Imperial College de Londres