O Setembro Amarelo se aproxima e a campanha iniciada no Brasil, em 2015, ainda se faz necessária para alertar que transtornos mentais podem levar ao suicídio.
Para contextualizar a gravidade do problema, basta lembrar apenas um dado, revelado em outubro do ano passado, durante audiência pública na Câmara dos Deputados.
Na ocasião, o psiquiatra Humberto Müller, de Rondônia, disse que uma morte por suicídio acontece no país a cada 45 minutos. Também de acordo com Müller, para cada morte há ainda outras 20 tentativas de autoextermínio.
E a pergunta que não cala nunca é: por que vivemos essa realidade tão chocante? Entre tantas respostas que existem para realidade tão complexa, iniciativas como a do Setembro Amarelo buscam informar o que ainda é tratado com pouco caso país afora.
Isso porque assuntos que desconhecemos, se não buscamos informações e vivências adequadas, fatalmente caímos na “esparrela” do preconceito.
"Que a gente consiga acolher melhor, validar as emoções e aliviar o sofrimento de cada um que nos procura"
Tammy Amaral Ferreira, psiquiatra
Preconceito, estigma e segregação
A história da humanidade tem múltiplos exemplos que até hoje embasam comportamentos que estigmatizam e segregam individualidades. E com o transtorno mental também nunca foi diferente.
“Isso (preconceito, estigma e segregação) machuca (vítimas), amplifica o sofrimento, dificulta a busca de tratamento e, em última instância, pode levar à morte”, lamenta a psiquiatra, com especialização em psicogeriatria e terapia cognitivo-comportamental, Tammy Amaral Ferreira, de 41 anos.
A declaração da psiquiatra pode também se encaixar em qualquer situação onde se encontra preconceito, estigmatização e apartheid social - racismo, homofobia, xenofobia, aporofobia, gerofobia, enfim, a lista é enorme para a falta de empatia diante do que é diferente no próximo.
Experiência e desconfiança
Estudiosa de seu ofício e profissional interessada em acolher seus pacientes, com fala pausada e escuta atenta, Tammy diz observar em sua clínica as dificuldades de pacientes e familiares, em especial com o estigma atrelado pelas normas sociais ao transtorno mental, independentemente de sua maior ou menor envergadura.
Consultar-se com um(a) psiquiatra ainda hoje significa atrair olhares desconfiados e incutir medo no paciente que precisa de cuidados profissionais.
A psiquiatra pontua que é justamente o julgamento um dos maiores empecilhos para a busca de um tratamento psiquiátrico. “A discriminação pode ser tão incapacitante quanto o transtorno mental. Além, é claro, de um sistema de saúde, público ou privado, que nem sempre consegue acolher esses pacientes de maneira adequada”, considera.
Mas já foi pior, assinala a especialista, lembrando o tempo em que os ditos loucos eram apenas encarcerados e apartados do convívio social, sem que nenhum tratamento efetivo fosse oferecido.
E não faz tanto tempo assim, se levarmos em conta os milênios de história da humanidade. O tratamento psicológico por meio do diálogo entre paciente e médico, com Sigmund Freud, e as ideias de Michel Foucault, só vieram à baila no século passado.
Da mesma forma, um pouco mais adiante, a partir da década de 1950, com o início das pesquisas, fármacos começaram a ser usados em pacientes em sofrimento mental.
Revolução
A partir de então, um universo com a perspectiva de uma revolução se abriu para a psiquiatria, levando seus profissionais, juntamente com terapeutas com formações diversas, a vislumbrar, no mínimo, uma melhor qualidade de vida para seus pacientes.
Para a ciência, o grande avanço, a partir das terapias e fármacos, foram as evidências de que os transtornos mentais são provocados por causas multifatoriais.
Nesse sentido, a psiquiatra acredita que ainda há muito o que estudar, pesquisar e propor para a psiquiatria seguir adiante.
Crise
Seria correto dizer que estamos diante de uma nova crise na saúde mental, conforme ouvimos falar de fontes variadas? A psiquiatra faz uma pausa. Em silêncio, ela parece buscar a melhor resposta possível.
A reportagem se adianta e pergunta se, de crise em crise, como fazer um paralelo com seus pacientes, a psiquiatria está sempre buscando uma saída para os transtornos mentais.
Diante de um questionamento, a doutora Tammy não oferece uma resposta apenas. Primeiramente, ela pondera que a abordagem deve caminhar para o equilíbrio entre o biológico e o individual, com suas queixas e dores.
“Os fármacos não dão conta de tudo”, avalia, lembrando que nesse campo ainda há muitas lacunas. E, no individual, por melhor que seja a terapia, muitas vezes não há acesso às causas de todo o sofrimento.
Qual a saída? A psiquiatra diz que, assim como nas ações humanas há sempre um limite, na psiquiatria não seria diferente. Nesse caso, ela prescreve, então, o acolhimento: “Que a gente consiga acolher melhor, validar as emoções e aliviar o sofrimento de cada um que nos procura. A ciência é apenas um instrumento para nos auxiliar na escolha do melhor tratamento para cada pessoa. Que possamos investir em prevenção e promoção de saúde mental como um caminho para melhorar a qualidade de vida da sociedade como um todo. E que o combate ao estigma esteja no cerne desse processo. Pois como afirma Fernando Sabino, 'Liberdade é o espaço que a felicidade precisa'.”