Jornal Estado de Minas

CÂNCER

Estatinas mostram potencial para prevenir desenvolvimento de câncer renal


O câncer de rim está entre os 14 mais incidentes no mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2020 foram mais de 400 mil diagnósticos e 170 mil mortes por carcinoma de células renais claras (CCR), o tipo mais comum. No mesmo período, no Brasil, foram registrados 12 mil casos.



Atualmente, os tratamentos disponíveis incluem terapia-alvo e imunoterapia, mas os pacientes podem, no futuro, receber o reforço de um medicamento comum. Trata-se da estatina, fármaco tradicionalmente utilizado para controle de colesterol, e que, de acordo com um grupo internacional de pesquisadores, incluindo um oncologista de Brasília, pode ajudar na recuperação e prevenção do tumor renal.

O estudo, publicado recentemente na revista Critical Reviews in Oncology/Hematology, recapitula pesquisas anteriores que concluíram que as estatinas podem reduzir o risco de câncer de rim em pessoas que nunca tiveram a doença, além de diminuir a probabilidade de uma recidiva em pacientes que foram operados. Trata-se, porém, de um trabalho observacional, que não traça uma relação de causa e efeito.

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Os artigos revisados também demonstraram que as estatinas têm potenciais propriedades preventivas para alguns tumores sólidos. Além disso, os indivíduos que tomam a medicação a longo prazo apresentam menor grau de evolução do câncer renal no momento do diagnóstico e redução da recorrência e/ou mortalidade específica desta doença.




Inflamação


A estatina foi descoberta na década de 1970 e é um medicamento mundialmente empregado na diminuição de colesterol para evitar riscos cardiovasculares, como derrame e infarto. Segundo Fernando Sabino, oncologista clínico do Hospital Santa Lúcia e um dos autores do estudo, a população tem vivido mais com o uso dessas substâncias.

É importante destacar que o remédio não age diretamente na célula do tumor. Ele funciona como redutor de estresse inflamatório e de excesso de radicais livres, fatores que podem desencadear o câncer no organismo. De acordo com o médico, o sobrepeso, por exemplo, é uma condição que oferece predisposição à doença: "Isso acontece porque essas pessoas têm mais radicais livres no corpo e excesso de estresse inflamatório. O uso da estatina pode ajudar esse grupo na prevenção".

Nos últimos anos, o uso de medicamentos para carcinoma de células renais avançado tornou-se um foco importante para uro-oncologistas e oncologistas médicos, que buscam identificar potenciais efeitos sinérgicos que aumentariam a sobrevida dos pacientes. O estudo revisional escolheu focar no câncer de rim, porém, conforme explica Sabino, atualmente estão em andamento mais de 200 pesquisas que investigam o uso do anticolesterol no tratamento e prevenção da doença em diversos órgãos, como próstata, ovário e mamas.



A estatina é sondada como complemento dos tratamentos atuais, aplicada conjuntamente com terapia-alvo e imunoterapia. Isolado, o medicamento também pode ser uma alternativa para prevenção do câncer de rim em pessoas mais propensas a desenvolvê-lo. O problema renal é mais frequente em homens na faixa etária de 50 a 70 anos, atingindo principalmente quem tem histórico familiar de doenças nos rins, hipertensos, fumantes e pessoas com sobrepeso. "Essa é uma oportunidade de utilizar um medicamento barato, acessível e popularmente conhecido para potencializar os tratamentos de câncer", destaca o pesquisador.

O trabalho é o primeiro de revisão para câncer de rim, baseado em testes pré-clínicos utilizando plasmas sanguíneos e ratos. "Esse é um estudo gerador de hipótese, que pode fortalecer os já existentes ou impulsionar o início de pesquisas nessa área", afirma Sabino.

Confirmação


Segundo Daniel Girardi, oncologista clínico do Hospital Sírio-Libânes de Brasília, a estatina é uma medicação com potencialidade de eficiência, mas esse estudo de revisão ainda não é conclusivo. "Apesar de ser interessante, não dá para confirmar com certeza que a estatina tem essa utilidade. Não há ainda uma consistência na literatura médica, e é necessário provar esses benefícios por meio de testes clínicos", explica.



Girardi também alerta que a estatina, como qualquer outro medicamento, pode ter efeitos colaterais e que só deve ser consumida com prescrição médica. "Esse estudo não permite concluir que os pacientes de câncer de rim podem ir em uma farmácia comprar estatina sem recomendações de um profissional especializado. Não estamos nesse momento ainda."

A estatina tem efeito protetor cardiovascular e talvez um efeito protetor antitumoral, que precisa de aprofundamento em outros estudos, concorda Fernando Sabino. Ainda é necessário comprovar este benefício, que se mostra possível pela ampla pesquisa observacional do grupo de oncologistas, argumenta. Segundo ele, como evolução científica, a pesquisa abre portas para futura validação e uso das estatinas como mais uma alternativa no tratamento e prevenção do câncer de rim. "Espera-se que a comunidade científica tenha interesse neste assunto. Quem sabe, no futuro, esses medicamentos possam ser investigados em estudos grandes e ensaios clínicos randomizados", prevê Sabino.

*Estagiária sob supervisão de Carmen Souza