Um dos símbolos da Johnson & Johnson, comercializado há quase 130 anos, o talco para bebês é alvo de uma polêmica envolvendo a empresa e usuários do produto. A J&J vai cessar a produção, depois de depoimentos sobre o desenvolvimento de câncer de ovário devido ao contato com o talco, que conteria asbesto, um mineral com composição e características semelhantes às do amianto, com efeitos nocivos para a saúde. O amianto é uma substância cancerígena já proibida em diversos lugares.
A previsão é que o produto pare se ser vendido em todo o mundo até o ano que vem, como já acontece nos Estados Unidos e no Canadá, onde, há dois anos, o talco para bebês não é mais comercializado.
O talco é indicado para evitar assaduras, além da aplicação cosmética, como xampu seco, por exemplo. A J&J enfrenta 38 mil processos instaurados principalmente por mulheres, dizendo que o manuseio do produto as levou a ter câncer de ovário.
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Lucas Miranda, dermatologista e membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia, pondera que o câncer é uma doença extremamente complexa e multifatorial e, portanto, seu surgimento e tratamento ainda são alguns dos maiores desafios da medicina. Para ele, é delicado afirmar que qualquer fator isoladamente pode ser responsável por causar um câncer.
Histórico genético, hábitos de vida, tabagismo, sedentarismo, má alimentação, estresse, contato com inúmeras substâncias do dia a dia e diversos outros fatores, conjugados, contribuem para estimular ou prevenir o aparecimento de um câncer, segundo o especialista. Independentemente disso, ele continua, o ideal é evitar ao máximo o contato com substâncias que, na literatura científica, são, de alguma forma, associadas ao estímulo do desenvolvimento da doença.
"Os níveis da substância presentes em um determinado produto só podem ser atestados a partir de pesquisas direcionadas e, por outro lado, os níveis seguros de contato com determinadas substâncias também costumam ser controversos. Se há dúvidas, é sensato evitar. Mas não é possível também afirmar que um produto isoladamente é causador de câncer."
O talco
Retirado da terra, o talco é localizado em camadas que ficam perto das do amianto, sabidamente um produto que causa câncer. Em 2018, a agência de notícias Reuters havia divulgado que a Johnson & Johnson sabia da presença do amianto em seus produtos de talco.Evidências em processos internos da companhia apontariam que, entre 1971 e 2000, testes já comprovavam a presença de amianto no talco bruto e outros produtos derivados. Mas a empresa reiterou a segurança do produto. "Sustentamos firmemente décadas de análises científicas independentes de especialistas médicos de todo o mundo que confirmam que o talco Johnson's à base de talco é seguro, não contém amianto e não causa câncer", divulgou.
Ainda assim, a empresa decidiu trocar o portfólio de talco para bebês para uma fórmula baseada em amido de milho, já vendido em vários países, como afirmou em comunicado oficial.
Em 2020, quando a companhia parou de vender talco para bebês nos EUA e no Canadá, alegou que a baixa na demanda seria resultado de "desinformação", como denominou, sobre a segurança do produto, desde então alvo de vários casos legais. Ainda que a contaminação por amianto fosse comprovada em tribunais, na imprensa e entre legisladores nos EUA, a empresa vem, desde então, negando as provas.
Em outubro de 2021, a J&J decidiu ceder os direitos do talco à recém criada subsidiária LTL Management que, logo depois, entrou em falência, cessando os processos judiciais em curso. Em abril, um pedido de acionistas requisitando o fim das vendas mundiais do talco não foi concretizado, o que agora acontece.
Amianto
Encontrado na natureza, o amianto é um mineral. Pode ser branco, azul ou marrom. O primeiro tipo, chamado crisótilo, é a única forma permitida atualmente - seria mais segura para a saúde.
Essa variedade é usada principalmente na construção civil, mas é proibida na maioria dos países industrializados, pela possibilidade de causar danos à saude, como câncer de pulmão, mesotelioma (câncer no peito que acomete essencialmente indivíduos expostos ao amianto), além de asbestose, doença que leva à falta de ar e pode acarretar problemas respiratórios mais severos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o amianto branco também está ligado a outros tipos de câncer, e mesmo empresas que vendem indicam não inalar o ar com o composto. Mas os fabricantes alegam que o manejo cuidadoso evita contaminações.
No Brasil, a substância é largamente fabricada e usada, ainda diante de esforços para bani-la. O país é o terceiro maior produtor e exportador de amianto, tendo como compradores, por exemplo, a Colômbia e o México, e também o quinto maior consumidor de amianto.