Resgatar a cultura da manualidade, de toda a afetividade contida na costura, do valor do fazer à mão. É o foco do ateliê de costura Entrelinhas, fundado em 2013 pela mineira Paula Almeida Tateno e o marido, Márcio Tateno, em São Paulo. A ideia inicial era ensinar crianças a costurar. Mas a demanda de mulheres adultas que procuraram o casal com interesse em aprender essas técnicas fez o trabalho ser ampliado.
Hoje, são 60 alunas fixas nas aulas de costura durante a semana, outra turma aos sábados e domingos, e também as crianças, a partir de 7 anos, que participam de oficinas de costura. Para as gerações com que a dupla lida no ateliê, a intenção é resgatar esse saber, especialmente para quem não recebeu naturalmente tal aprendizado dentro de casa.
Paula observa de perto como a costura pode ser uma ferramenta terapêutica. Ela conta que a maioria das alunas são mulheres em tratamento de depressão, e sentar à máquina, ela diz, também ameniza desequilíbrios como ansiedade e síndrome do pânico. Isso mostrando como a costura é algo simples, prático e prazeroso, e hoje é feita de forma mais acessível e facilitada, diferente de quando era um fazer, nas palavras de Paula, arcaico.
"Costurar é o momento de parar tudo, não pensar em mais nada, se conectar consigo mesmo e esquecer todo o resto. É uma atividade que trabalha uma parte cognitiva do cérebro que não é estimulada naturalmente, em um processo parecido com o que acontece com a música, a pintura, a arte em geral", diz Paula.
Ela também ressalta a sensação de bem-estar que as linhas e agulhas propiciam, decorrentes de um senso de realização. A costura, continua Paula, permite errar e assim aprender, produzir algo novo. "Quando elas veem uma peça pronta, nem mesmo acreditam que a fizeram. Receber elogios dos familiares e amigos, que gostam do trabalho, pedem de presente ou fazem encomendas, estimula a autoestima que um dia se perdeu." Da mesma forma, o prazer em presentear pessoas queridas com as próprias criações, fazer peças para os filhos e maridos, ou decorar a casa.
Encontro
Muitas alunas estão no ateliê há um bom tempo, e é visível sua evolução desde o primeiro dia de aula, conta Paula. Estar junto no momento das lições é outro ponto positivo. São os encantos do encontro. "Estamos em um ambiente agradável, acolhedor. Nos vemos, tomamos um café, fazemos um lanche, e a costura acaba sendo coadjuvante desse grande momento de interação, de troca e descontração. É muito gostoso ver a evolução delas, na costura e no lado emocional".
E a pandemia não afetou o trabalho no ateliê. Pelo contrário, foi um impulso para tentar algo melhor. Paula e Márcio criaram uma plataforma digital, promoveram aulas online, sem deixar os encontros presenciais, periodicamente. Lançavam desafios de costura, ofereciam premiações, faziam lives. "Tudo para que as alunas saíssem do foco no noticiário, de tantos problemas que vieram com a pandemia."
Para criar figurinos, reformar roupas ou para customização, seja manualmente ou à máquina, no campo do bordado, do tricô, do crochê, ou tudo mais o que a costura permite, a prática pode oferecer benefícios para quem tem aí uma forma de exercitar a criatividade, deixar o pensamento livre, ou quem pretende encontrar uma utilidade específica. É o que pontua a psiquiatra Maria Francisca Mauro: “Tudo depende do objetivo”, diz. Como em um instante de abstração da rotina, ou no desenvolvimento de novas habilidades, a costura pode sim, para a profissional, ser uma ferramenta terapêutica.
"Não existe um quadro emocional específico para o qual a costura é indicada. Pode ser aplicada como processo de terapia ocupacional, desde que haja o interesse, a curiosidade, desde que seja uma maneira de relaxar. Conforme a história de vida de cada um, aquilo terá um significado, será um instante de tranquilidade, de dedicação e, assim, fonte de relaxamento mental. Direcionar a costura como maneira de melhorar a saúde emocional depende se existe aí uma relação afetiva, por exemplo", pondera a psiquiatra.
Isso considerando que essa seja uma atividade concreta, em que se observe início, meio e fim, ou seja, o resultado do que se está fazendo, como hobbie ou para alguém que descubra na costura uma alternativa de trabalho, continua Maria Francisca. "Para aliviar o estresse e a ansiedade, depende da pessoa escolher a costura. Não basta fazer algo que associamos como relaxante se não há interesse. É importante saber qual é o objetivo em desenvolver aquela habilidade e como essa habilidade ocupa sua vida", ressalta.
Com o isolamento social imposto pela pandemia, lembra a psiquiatra, entre tantas coisas que as pessoas descobriram que podiam fazer dentro de casa para amenizar as agruras emocionais, muitas passaram a se dedicar à costura. "É uma prática que envolve algo útil e também pode se transformar em uma forma de prazer."