São vários os fatores associados ao desenvolvimento de doenças neurodegenerativas. Poucos anos de estudo, predisposição genética, exposição a pesticidas, apneia do sono e diabetes estão entre eles. Dois novos estudos mostram que as infecções também podem estar ligadas à evolução de doenças como Alzheimer e Parkinson.
Uma equipe de cientistas da Suécia constatou que, a partir da meia-idade, ter uma infecção que demande cuidados hospitalares está relacionada à possibilidade de mais do que dobrar o risco de surgimento de complicações que comprometem o sistema nervoso.
Um estudo americano indicou que idosos que tiveram COVID-19 apresentam uma vulnerabilidade até 80% maior de desenvolver Alzheimer no ano posterior à contaminação pelo Sars-CoV-2.
Para a análise, os pesquisadores do Instituto Karolinska, na Suécia, utilizaram dados de pessoas diagnosticadas com Alzheimer (291.941 casos), Parkinson (103.919) e esclerose lateral amiotrófica (10.161) entre 1970 e 2016 - os casos fazem parte do Registro Nacional de Pacientes. A equipe identificou que uma infecção tratada no hospital cinco ou mais anos antes do diagnóstico de uma enfermidade neurodegenerativa é associada a um risco 16% maior de desenvolver Alzheimer e 4% maior de ter Parkinson.
Segundo os autores, a vulnerabilidade observada foi semelhante para infecções bacterianas, virais e outras, acometendo diferentes partes do corpo. Além disso, a situação se agrava em indivíduos jovens, com até 40 anos, tratados nos hospitais com múltiplas infecções. Nesses casos, mostra o artigo divulgado na edição desta quinta-feira (15/9) da revista científica PLOS Medicine, há mais do que o dobro do risco de esses indivíduos terem Alzheimer e uma probabilidade 40% maior de desenvolverem Parkinson.
Em nota, os autores enfatizam que as "descobertas sugerem que os eventos infecciosos podem ser um gatilho ou um amplificador de um processo de doença preexistente, levando ao início clínico da doença neurodegenerativa em uma idade relativamente precoce". Eles também ressaltam que se trata de um estudo observacional, que indica uma associação entres as infecções e as doenças que comprometem o funcionamento dos neurônios. Portanto, "não provam formalmente um nexo de causalidade".
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Não houve associação significativa entre neurodegeneração e pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA). O resultado nulo, no entanto, não exclui o fato de que inflamações mais leves precisam ser acompanhadas por especialistas. "Estudos anteriores mostraram, por exemplo, que as infecções podem contribuir para a agregação e a localização incorreta de proteínas, bem como a excitotoxicidade do glutamato - processos patológicos conhecidos da ELA", afirma Jiangwei Sun, especialista em epidemiologia e bioestatística pelo instituto sueco e principal autor do estudo.
Multifatorial
Em geral, as infecções alteram as funções e o DNA das células, e estudos experimentais em animais já sugeriram que elas afetam a patogênese (estímulos iniciais) e a progressão de doenças neurodegenerativas. As evidências em humanos, porém, são limitadas, o que tem despertado a curiosidade de cientistas diversos.
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Risco de infarto é quatro vezes maior em diabéticosOMS recomenda não utilizar dois medicamentos antiCOVID com anticorposSaiba quais alimentos podem amenizar a secura e o calor em BHDe acordo com Ingrid Faber, neurologista do Hospital Sírio-Libanês de Brasília, ainda existem muitas incertezas nessa área, porque as causas dessas doenças são, em 90% dos casos, multifatoriais. "Sabemos que existe relação entre as infecções, sejam elas por vírus, bactérias ou fungos, que a pessoa teve ao longo da vida e o risco de desenvolver essas e outras doenças. Mas ainda não está claro como essa relação ocorre", afirma.
A médica brasileira indica que é provável que haja uma combinação de fatores. "O agente infeccioso específico, juntamente com predisposição genética e a resposta imune do paciente contribuem para desencadear seja a ELA, seja o Parkinson ou Alzheimer", descreve.
O principal autor do estudo avalia que mais pesquisas são necessárias para validar os resultados obtidos e ajudar, até, no desenvolvimento de novas estratégias preventivas. "Precisamos elucidar os mecanismos subjacentes e determinar se um melhor controle de infecções tratadas no hospital pode prevenir ou retardar o aparecimento de doenças neurodegenerativas, especialmente aquelas com início relativamente cedo na vida", afirma Sun.
*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza
Até 80% em idosos que tiveram COVID
Em idosos infectados pelo Sars-CoV-2, o risco de desenvolvimento de doença de Alzheimer chega a aumentar de 50% a 80%. Em um estudo publicado, na terça-feira (13/9), no periódico médico Journal of Alzheimer's Disease, pesquisadores afirmam que pessoas a partir dos 65 anos que tiveram COVID-19 são mais propensas a desenvolverem a doença neurodegenerativa no ano seguinte ao diagnóstico e à recuperação da infecção.
A equipe investigou registros de saúde, eletrônicos e anônimos, de 6,2 milhões de norte-americanos com ao menos 65 anos que receberam tratamento médico entre fevereiro de 2020 e maio de 2021. A população foi dividida em dois grupos de análise: um composto por 400 mil pessoas que contraíram COVID-19 nesse período, e outro por 5,8 milhões de indivíduos que não documentaram infecção pelo vírus. Nenhum desses indivíduos tinha o diagnóstico prévio de Alzheimer.
A análise mostrou que, durante o período de um ano após a infecção pelo coronavírus, o risco de desenvolver a doença neurodegenerativa quase dobrou, passando de 0,35% para 0,68%. Os resultados ainda apontaram que a vulnerabilidade foi maior em mulheres com pelo menos 85 anos.
Os pesquisadores ainda têm dúvidas se o coronavírus é responsável pelo desenvolvimento do Alzheimer ou se impulsiona a tendência já existente à doença. "Os fatores que contribuem para o desenvolvimento da doença de Alzheimer têm sido pouco compreendidos, mas duas peças consideradas importantes são infecções anteriores, especialmente infecções virais e inflamação", afirmam, em nota, Pamela Davis e Curtis Garvin, professores da Case Western Reserve School of Medicine, nos Estados Unidos e coautores do estudo.
Geriatra e diretor-científico do Instituto Parentalidade Prateada, Otavio Castello explica que as alterações no cérebro de quem tem Alzheimer começam pelo menos uma ou duas décadas antes do primeiro sintoma da doença - ou seja, o grau de destruição já está acontecendo silenciosamente. Muitas vezes, diversos eventos inflamatórios, infecciosos e vasculares desencadeiam seu início. "É comum que o indivíduo seja internado por um problema de saúde de outra natureza, mas que acaba deflagrando o início da doença de Alzheimer. Então, isso não seria uma coisa específica do covid", afirma.
O médico também esclarece que, mesmo que esse seja um estudo robusto, ele é observacional, não demonstrando relação de causa e efeito entre as doenças. "Os principais fatores de risco têm a ver com não controlar pressão alta, diabetes, colesterol, sedentarismo, e não tratar depressão e surdez na meia-idade. A população não deve ter medo de desenvolver Alzheimer porque teve covid, e, sim, se atentar a essas possíveis causas. Com isso, os riscos de ter a doença diminuem muito", enfatiza.