clínica de estética

Nas clínicas de estética, profissionais se queixam das vezes em que seu trabalho é posto à prova por questões físicas

Pixabay

Recentemente, a empresária do ramo da estética Marina Machado recebeu uma série de ataques envolvendo seu corpo e seu trabalho de consultoria em marketing para pessoas que também vendem estética. Ela e muitas de suas alunas relatam que, regularmente, encontram dificuldades ao realizar seu ofício por ter corpos dissidentes, fora do padrão imposto pela sociedade – magro, esguio e sem marcas.
 
Ao promover o anúncio de um de seus cursos on-line em seu perfil nas redes sociais (Divando na Estética), o conteúdo de Marina acabou chegando a uma rede de perfis falsos, que conduziram uma onda de ataques gordofóbicos. O ataque afetou não apenas sua autoestima, mas também seu trabalho, que opera principalmente na internet.  
 
“Chegaram comentários como: ‘Dona de clínica de estética gorda? Nunca vi uma coisa dessas’. Tive problemas que não são só de fundo emocional. Foram tantos xingamentos nos meus anúncios que o Facebook chegou a bloquear a minha conta por quatro dias”, afirma.
 
Com o choque, a empresária passou a questionar seus seguidores sobre a temática, e se surpreendeu com a quantidade – e diversidade – de relatos de casos semelhantes ao seu. Do aumento de peso por conta do uso de antidepressivos a casos crônicos de vitiligo ou melasma, muitas de suas alunas relataram dificuldades – e até chegaram a desistir do ramo – por seus corpos não serem a “vitrine ideal” de seus trabalhos.

CONSUMO

Desde o início do século 21, ideais capitalistas e neoliberais têm tomado forma cada vez mais consistente, transformando quase tudo em mercadoria. Os corpos não escaparam dessa dinâmica, que, no Brasil, compõe um dos mercados mais rentáveis e que mais cresceram nos últimos anos: o da estética.
 
Relatório da Euromonitor revelou que o país é o quarto maior mercado desse setor no mundo, ficando atrás apenas dos EUA, da China e do Japão. Até mesmo durante a pandemia, o segmento conseguiu se manter ativo e crescente, com aumento de 54% na demanda pela categoria de serviços de beleza em 2020, segundo levantamento da GetNinjas.
 
No entanto, com discursos que reforçam progressivamente o caráter material dos corpos, a relação entre trabalho, corpo e mercadoria criou um cenário em que os próprios profissionais da estética se tornaram um produto de seu negócio. “Estética é saúde emocional e física. Estudamos muito para conseguir gerar resultados reais, mas o mercado está adoecido e exige um corpo perfeito, sem respeitar as belezas reais”, explica Marina. 
 
Estudo publicado pela revista Nature em 2013 revelou que prestadores de serviço com sobrepeso ou obesos podem ser alvos de maiores desconfianças, além de ter menos credibilidade com seus pacientes, que se sentem menos inclinados a seguir seus conselhos.

Preconceito na estética

Marina explica que há preconceito mesmo em casos que envolvem a saúde dos profissionais. Ela tem prolactinoma, um tipo de tumor benigno localizado na hipófise, que exige um tipo de medicação responsável por reter líquidos, deixando-a inchada. Ela conta que, quando gravou o vídeo do anúncio, tinha tomado esse remédio.
 
“Se você me ver, vai perceber que eu não estou fora de um padrão ‘normal’, e mesmo assim fui julgada. Naquele dia [da gravação], o ser gorda, ou o não ser gorda, no meu caso, era uma questão de saúde, e não porque não estudei para entregar um resultado diferente”, relata.  
 
Quando os comentários em seu vídeo estouraram, a empresária abriu uma caixa de perguntas em seus stories do Instagram para que seus seguidores pudessem compartilhar experiências semelhantes à dela e expor a situação sem que fossem identificadas. “Cheguei a receber um relato de uma menina com vitiligo que não conseguia trabalhar com estética, por exemplo, na área facial, de manchas. Ela tem uma doença, não é desleixo ou descuidado”, relata Marina.

SERVIR DE EXEMPLO

“Eu engordei 11 quilos em seis meses por causa de medicamentos, e me falaram que preciso emagrecer porque tenho que ser exemplo [para minhas clientes], ou que devo parar com o remédio que uso para tratar depressão e ansiedade para não engordar mais”, afirmou uma seguidora.
 
“Sou plus size e estou na estética há 11 anos. Infelizmente, as pessoas julgam meu corpo, esquecem-se da minha capacidade profissional. Se eu quiser mudar, sei todos os caminhos, mas no momento me sinto bem assim, então tenho que desconstruir isso todos os dias. Meu conhecimento está no meu cérebro, não no corpo que as pessoas idealizaram para mim. Obesidade é crônico, não é escolha. É difícil e não se trata só de ‘vergonha na cara’”, respondeu outra aluna de Marina.
 
Vender belezas reais
 
Marina também relata casos de profissionais que fecharam suas clínicas porque se julgavam ‘acima do peso’ e não tinham coragem de vender tratamento estético corporal. “Como vou vender uma barriga zero, se eu não tenho barriga zero?”, questionavam suas alunas. 

Marina Machado

A consultora Marina Machado atua na área de estética e foi vítima de ataques gordofóbicos depois que divulgou um curso on-line nas redes sociais

Marina Machado
A empresária explica que cada pessoa tem um biótipo específico, e que profissionais da estética estudam para que se atinja o maior potencial possível de cada um. “Às vezes, eu já tive um filho e precisei até de uma cirurgia, mas aí já não é mais o caso de um tratamento estético de clínica, e sim, cirúrgico”, diz ela.
 
“Essas profissionais estudaram, fizeram faculdade, pós-graduação, se dedicaram, investiram em aparelhos, em técnicas, mas não conseguem vender por conta da pressão do mercado”, completa.
Para Marina, além da pressão estética que parte da sociedade e do mercado, a presença de clínicas no dia a dia das pessoas também é um fator que pode interferir na autoestima. “Em toda esquina, nos shoppings, você vai ver uma clínica que vai pregar o corpo perfeito. E você não trabalha com a beleza real, você trabalha com a beleza intangível”, comenta. 
 
“Já até falei com minhas alunas: ‘Gente, o banner que vocês têm aí, com mulheres perfeitas, tira isso e começa a contar histórias reais de corpos reais’. Isso, sim, vai ajudar as pessoas a conquistarem a melhor versão delas mesmas, e não a versão da artista da capa de revista”, afirma. 
 
A empresária recomenda vender o real para um futuro mais saudável e reforça o sentimento de frustração que a mídia da estética perfeita causa. “Se você vai vender estética, venda uma estética real, não venda uma mentira; um pôster de uma mulher com uma barriga que é [feita com] Photoshop ou então o rosto perfeito do Instagram. Isso acaba gerando nas pessoas que são consumidoras de estética uma busca por uma perfeição inexistente. Cada vez mais, as mulheres reais estarão frustradas com o próprio corpo e com nossos tratamentos”, pontua.

*Estagiária sob a supervisão de Márcia Maria Cruz