Lidar com a desobediência das crianças é algo que suscita pontos de vista divergentes. Há algum tempo, colocar o filho de castigo era mais aceito do que acontece atualmente. Adeptos do chamado canto da disciplina argumentam que o método evita a violência, mas será mesmo que adianta? A neurociência agora já considera que, observando a própria fisiologia do cérebro dos pequenos, eles nem sequer têm maturidade o bastante para entender o que é um bom comportamento ou refletir sobre as regras da família no momento da punição.
Evidências científicas apontam, pelo contrário, que a criança, em vez de incorporar habilidades importantes de vida ou meios de controlar as próprias emoções diante de uma repreensão, na verdade, são despertados sentimentos negativos, como o ressentimento, por exemplo. Outra corrente de pensamento aponta que ter um espaço em casa onde a criança possa se acalmar é uma alternativa na hora em que surge alguma tensão.
Muito do que se coloca em pauta acerca desse tema parte do entendimento sobre o próprio funcionamento do cérebro infantil, essencialmente o que se chama o córtex pré-frontal. É a área do cérebro que ajuda o indivíduo a pensar racionalmente, controlar impulsos, refletir sobre sentimentos e gerenciar o corpo e as emoções. Já está constatado que, durante toda a infância, mas sobretudo nos primeiros anos de vida, o córtex pré-frontal está imaturo.
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No fim das contas, isso significa que, no espectro fisiológico, a criança ainda não é capaz de manejar a maior parte das suas reações, porque tem um controle ainda inconsistente delas. Quando é tomada por emoções difíceis, como frustração, raiva ou medo, seu corpo reage, por exemplo, explodindo em crises de birra.
Essa linha do conhecimento sobre o universo infantil aponta que, quando o menino ou a menina não seguem o que é pedido, não conseguem administrar suas emoções ou se distraem, isso não quer dizer que são maus, ou que não estão co- operando com a situação de forma intencional. Apenas na faixa etária em torno dos 20 anos é que, então, o córtex pré-frontal se constitui plenamente, e aí também está o motivo de adolescentes nem sempre tomarem as melhores decisões ou terem dificuldade em controlar seus impulsos.
Embates sobre a hora de dormir, o tempo diante das telas, as birras em público ou em casa – todas essas são questões comuns na primeira infância. A discussão acerca do castigo leva aos anos 1990, quando essa era uma estratégia comum – quem não se lembra?. Ir para o quarto ou para o cantinho do pensamento era uma imposição dos pais quando o pequeno não obedecia a alguma coisa.
A estratégia ainda é defendida, por exemplo, pela educadora infantil Cris Poli, conhecida por ter protagonizado o programa “Supernanny” na TV brasileira. Ela argumenta que um cantinho da disciplina evita gritos e agressões nas relações entre crianças e cuidadores, a partir dos 2 anos de idade. "Você vai ficar aqui sentadinho para pensar por que decidiu desobedecer", indica. "Quando termina o tempo, você pergunta à criança: 'Você se lembra (do motivo da punição)?' Dá um beijo, abraço, parabéns. Você não fica nervosa, não bate, não grita. É diálogo. Porque a disciplina não é agressiva, é com amor."
EMOÇÕES Mas pesquisas atuais sobre o cérebro mostram, no campo da psicologia infantil, que medidas punitivas são contraproducentes – a criança entende que suas emoções não importam, que ela é uma criança ruim e decepcionante. E isso não reduz o comportamento indesejado para além do momento do castigo.
A questão que agora se coloca é, justamente, que a reprimenda desconsidera os conhecimentos mais recentes sobre o comportamento infantil, especialmente da perspectiva neurológica, argumenta a psicóloga e especialista em inteligência parental Nanda Perim.
O trabalho de Nanda Perim toma como base a neurociência. Transportada para o universo infantil, analisa as reações do sistema nervoso frente às ferramentas que pais e educadores usam para lidar com a criança. Essencialmente no princípio da vida, muito do que se observa em termos de comportamento, é algo instintivo, o que Nanda chama de reflexo. A reação a alguma situação acontece sem que se raciocine sobre ela – geralmente, é uma reação para a proteção.
"O cérebro vai querer se proteger sempre que se sentir ameaçado por qualquer coisa, seja social, emocional ou fisicamente. Isso quer dizer que, quando os pais dão uma bronca na criança, a isolam no canto, na verdade estão demonstrando sinais de ameaça social, emocional e física. E esses sinais são regidos pelo corpo, e não pela mente", ensina.
O canto da disciplina resolve? No momento em que a criança vai para o canto da disciplina, seu corpo todo fica em alerta, aquilo é uma ameaça. "Quando se coloca a criança de castigo, isso só piora o comportamento dela. No sistema alerta, fica mais agressiva e mais sensível, grita mais, chora mais, sofre mais e reage mais", diz.
Na primeira infância, até por volta dos 7 anos, continua Nanda Perim, a criança não compreende o que é o canto da disciplina – é algo abstrato. Em vez de entender o que está acontecendo, vai sentir raiva, se achar inadequada, baixa a autoestima.
"Em nenhum momento chega-se à intenção de fazer com que a criança pense no que fez e decida não fazer mais. Mesmo que pense no que fez, ainda não consegue controlar esse comportamento, os seus impulsos. Não é uma decisão. O castigo não faz a mínima diferença, já que ela não decide se comportar daquela maneira – é um reflexo", desctaca.
Para as crianças mais velhas, indica Nanda Perim, que entendem uma comunicação, e precisam aprender habilidades de vida, o cantinho do pensamento também não ensina nada além de isolamento – em qualquer outro tipo de relacionamento, como entre um casal, seria abusivo.
Com as crianças, segue a psicóloga, isso é ainda mais importante. "Ainda estão desenvolvendo o cérebro, o controle inibitório, de impulsos. Ainda são dominadas pelo corpo, estão aprendendo habilidades de comunicação, de vida, de resolução de problemas. Então, para a criança mais velha, faz muito mais sentido focar em desenvolver as habilidades e conversar do que isolá-la em um canto e deixá-la com ainda mais raiva."
Cantinho da “calma” Nessa linha, espaços da casa ou da escola podem ser vistos como locais não de punição a um comportamento, mas de regulação emocional em momentos de estresse. Dessa ideia surgiram os "cantinhos da calma". São espaços que ajudam a acalmar, com livros e objetos de conforto, como almofadas, brinquedos que possam ser jogados ou apertados, por exemplo. O cantinho da calma tem a referência das pesquisas coordenadas pela americana Jane Nelsen, cujo trabalho é base da "disciplina positiva", corrente que defende a criação por meio não da punição, mas do ensinamento de habilidades de vida.
O conceito é que a criança aceite, voluntariamente, se acalmar ali. A proposta, acrescenta Nanda Perim, é ser um espaço de autorregulação, é uma decisão da criança."Onde vai ser, o que vai ter, quando entra e quando vai embora. A criança fica o tempo que quiser. Diferentemente do canto da disciplina, em que quem decide é o adulto. Depende muito também do que acalma essa criança, do que funciona para ela. Há crianças para quem o isolamento vai ser mais estressante do que acolhedor, e para outras o contrário", pondera.