SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Leis que garantem assistência oncológica são importantes para a democratização do acesso à saúde, mas esbarram em gargalos que comprometem as chances de cura dos pacientes.
O arcabouço legal na área da saúde foi um dos temas da 9ª edição do Congresso Todos Juntos Contra o Câncer, que termina hoje (29), em São Paulo, e reúne especialistas de diferentes áreas da saúde, referências na oncologia nacional e internacional. O congresso é uma realização do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, entidade que reúne mais de 200 organizações da sociedade civil, comprometidas com o cuidado do paciente oncológico.
Coordenadora de advocacy da ONG Oncoguia, Helena Esteves diz que leis voltadas a pacientes oncológicos são importantes para garantir acesso ao tratamento de forma célere.
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Criada em 2019, a lei 13.896 assegura que pessoas com suspeita de câncer recebam diagnóstico em até 30 dias, razão pela qual é conhecida como Lei dos 30 dias.
Já a lei 12.732, sancionada em 2012, garante tratamento em até 60 dias para pessoas que descobriram a doença. Essa determinação é conhecida como Lei dos 60 dias. Esteves diz, porém, que a aplicação das medidas ainda enfrenta problemas.
"A Lei dos 30 dias define que os exames devem ser feitos dentro de 30 dias, mas ela deixa aberto o prazo para receber o resultado."
Como consequência dessa lacuna na lei, a especialista já encontrou pacientes que receberam os resultados em dois dias e pessoas que precisaram esperar oito meses para serem diagnosticadas.
"É uma lei recente, e a gente tem que trabalhar políticas públicas para que ela melhore, porque ainda tem alguns gargalos."
A implementação da Lei dos 60 dias também se dá de forma incompleta. Segundo dados do Radar do Câncer, tendo como base a Lei de Acesso, 50% dos pacientes diagnosticados com câncer em 2018 começaram o tratamento depois de 60 dias. Naquele ano, o Brasil registrou 280 mil novos casos da doença.
Para mudar esse cenário, a especialista diz ser importante que as pessoas recebam informação sobre esse conjunto de leis. "Às vezes, elas não conhecem os seus direitos e não sabem que existe um prazo para diagnóstico e tratamento. Mudar isso passa por cobrar que as autoridades se comuniquem melhor."
A morosidade no acesso ao tratamento médico faz com que pacientes precisem entrar na Justiça para garantir seus direitos. A juíza Maria Gabriella Pavlópoulos acompanhou de perto alguns desses casos.
A magistrada diz que analisou o caso de um paciente que tinha uma ferida na boca havia dois anos. Os médicos lhe diziam que era herpes labial, mas ele descobriu posteriormente que se tratava de um câncer na boca.
Por isso, Pavlópoulos determinou em caráter de urgência que o tratamento fosse feito na rede privada. "Mas o Estado disponibilizou o tratamento porque seria muito mais caro se tivesse que arcar com os custos no setor privado."
A juíza conta que ela mesma já precisou entrar na Justiça para garantir o tratamento de sua mãe, que foi diagnosticada com leucemia.
Ela afirma que o plano de saúde não autorizou o uso de um medicamento e, depois, negou o fornecimento de oxigênio. Em ambas os casos, Pavlópoulos conseguiu reverter a decisão na Justiça.
"Cada vez que o paciente oncológico se defronta com um não ele se sente um peso para a família. Isso traz necessidade de acompanhamento psicológico", diz a juíza.
Os problemas dos pacientes não acabam quando eles vencem uma ação no Judiciário. Isso porque o setor público se vê por vezes obrigado a tirar recursos de outra área para cumprir as decisões. É isso o que afirma Wilames Freire Bezerra, presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde).
"O Judiciário está abarrotado de processos. Então, outras demandas deixam de ser cumpridas para atender às decisões. Por isso, pode faltar atendimento e medicamento para outros pacientes."
Combater esse problema, diz ele, passa por rever os gastos públicos na saúde. "Ou o novo governo se dispõe a rever o teto de gastos e colocar mais dinheiro na saúde ou nós vamos continuar tendo dificuldades nessa área."
Presidente do Idisa (Instituto de Direito Sanitário Aplicado), Lenir Santos diz que as limitações orçamentárias impostas ao SUS explicam a judicialização da saúde. " O SUS é um sobrevivente, porque gasta-se muito pouco dinheiro nesse setor."
Ela salienta que o Brasil tem um bom volume de leis na saúde, mas elas não são implementas de forma plena. "Falta ousadia para fazer cumprir a lei. Na ausência dessa ousadia, a gente é obrigado a entrar no Judiciário."