Nova resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM Nº 2.324, de 11 de outubro de 2022), publicada na última sexta-feira (14/10) que limita o uso da cannabis medicinal no Brasil para o tratamento exclusivo de epilepsia refratária em crianças e adolescentes com Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut ou Complexo de Esclerose Tuberosa é motivo de polêmica. O assunto está repercutindo entre diversos setores da saúde e pacientes que usam a cannabis medicinal no enfrentamento de diferentes doenças. De acordo com o texto, fica proibida a utilização de canabidiol (CBD) para terapia de qualquer outra patologia, como transtorno do espectro autista, Alzheimer e Parkinson.



Com validade de três anos a partir de sua publicação no Diário Oficial, a resolução, desta forma, proíbe a indicação da cannabis medicinal para qualquer outra terapia que não seja o tratamento da epilepsia em crianças e adolescentes. E o impacto para demais grupos de pacientes que dependem desse tipo de terapia é enorme. Centenas de milhares de brasileiros terão que parar seus tratamentos com cannabis medicinal, utilizada, por exemplo, para a melhoria na vida de pessoas que sofrem com problemas no sistema nervoso central e periférico, imunológico, endócrino e cardiovascular.

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O canabidiol, conhecido como CBD, é um componente na planta Cannabis e atua no sistema nervoso central. Serve para o tratamento de diferentes doenças com benefícios para a saúde. Com propriedades farmacológicas, como ação analgésica e imunossupressora, pode ser útil também no tratamento de AVC, diabetes, náusea, distúrbios do sono e do movimento, o que o torna um elemento importante de grande potencial terapêutico. Pode ainda ter aplicação para tratamento de dor crônica, ansiedade e em pessoas com câncer, por exemplo.

A resolução proíbe a indicação da cannabis medicinal para qualquer outra terapia que não seja o tratamento da epilepsia em crianças e adolescentes

(foto: Banco de Imagens)

 

O assunto está em ampla repercussão. Associações de pacientes e médicos adeptos das terapias com a substância estão mobilizados e há a possibilidade de que a decisão do CFM seja levada a discussão na Justiça. Diferentes setores envolvidos com a indicação medicinal do canabidiol defendem que a regra vai dificultar a prescrição de tratamentos e a atividade de médicos. A Associação Brasileira da Indústria Canabinoide (BRCann), por exemplo, entende que a resolução restringe o acesso à saúde e fere a autonomia médica, e por isso analisa a possibilidade de ingressar com ação judicial contra a determinação.





 

 


A CFM Nº 2.324 também destaca a proibição da prescrição de cannabis in natura para uso medicinal, bem como quaisquer outros derivados que não o canabidiol. Tentando evitar a difusão do tema, a resolução veta a realização de palestras e cursos sobre o uso do canabidiol e/ou produtos derivados de cannabis fora do ambiente científico, bem como divulgações publicitárias. Com a publicação, fica revogada a resolução CFM Nº 2113, publicada em 16 de dezembro de 2014.

"Essa resolução é um retrocesso à medicina brasileira e à ciência mundial. O Brasil, mais uma vez, deixa de lado uma tendência global que tem ajudado milhões de pessoas ao redor do planeta", aponta Kathleen Fornari, especialista em cannabis medicinal e empresária do setor. "Estão tentando impedir intervenções médicas com base científica em pacientes que fazem tratamento com este fitofármaco, condenando-os a uma rotina estressante e precária", diz. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (Abicann), já existem mais de 35 mil validações da cannabis medicinal à saúde, com efeitos positivos de muitas das 500 moléculas atribuídas à planta.

"Os pacientes estão desesperados, mandando mensagens em busca de mais informações. A resolução foi feita sem embasamento nenhum. Ela traz, inclusive, nomes de moléculas que nem existem. Quem fez a resolução não sabe nem do que está falando. Ela é um absurdo, que não pode ser levada em consideração, propondo, inclusive, uma censura ao conhecimento. O médico tem o direito de prescrição, indicando aos seus pacientes aquilo que achar mais eficiente para cada caso. É importante destacar que temos a autorização da Anvisa. A medicina endocanabinoide existe em todo o mundo e temos que nos unir em torno dessa causa coletiva", comenta a médica Amanda Medeiros Dias.



Olívia, filha do chef de cozinha Henrique Fogaça, faz uso de canabidiol há cerca de três anos para tratar uma síndrome rara

(foto: Reprodução/Instagram)
O tema está na pauta do dia. Nas redes sociais, o chef de cozinha Henrique Fogaça, por exemplo, comentou a nova resolução. Sua filha Olívia, de 14 anos, faz uso de canabidiol há cerca de três anos para tratar uma síndrome rara. "A resolução é muito errada, pois muitas patologias necessitam e estão sendo tratadas com cannabis medicinal. A Olívia, por exemplo, tem uma síndrome rara não definida, e está sendo tratada há três anos com canabidiol. Ela melhorou muito. Não podemos nos calar, nos privar e tirar a liberdade de pacientes que precisam da cannabis medicinal", publicou.

A quantidade de tetrahidrocanabinol (THC) existente nos produtos importados com extração full spectrum, aprovados pela Anvisa, não produz os efeitos típicos da maconha. Muito antes, tem o objetivo de tratar ou amenizar sintomas diversos, como espasmos, tremores, convulsões e enjoos.

"A antiga resolução já apontava o uso exclusivo para tratamento de epilepsia refratária na infância e adolescência, a diferença agora é o termo, que veda a prescrição. Na prática, o que muda é que, até o momento, o médico tinha liberdade para prescrever o medicamento para outros casos, a seu critério, mas agora isso pode infringir em uma quebra da ética profissional", explica o advogado William Romero, especialista em direito administrativo.

Para Kathleen Fornari, a resolução vai na contramão de uma das principais tendências mundiais na área da saúde. "Frente às decisões recentes durante a pandemia, como a liberação da prescrição de cloroquina e ivermectina a ser administrada a critério médico - remédios que comprovadamente não auxiliam no tratamento da COVID-19, me parece mais uma medida ideológica de 'caça às bruxas' do que algo pensado em benefício dos pacientes", analisa.

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