Letícia Mouhamad*
Ser criança no anos 1990 e no começo dos anos 2000 foi um teste de resistência às inúmeras propagandas de produtos infantis que, entre um desenho e outro, dominavam a tevê. Grandes marcas ficaram guardadas na memória de quem tanto desejou os seus brinquedos. Os pais, em contrapartida, só tinham uma ambição: fugir a cada novo clamor de "eu quero" dos pequenos.
Certamente, manter os filhos a par das decisões financeiras da família é importante, mas, para que esse entendimento seja efetivo, é preciso que eles compreendam, inicialmente, noções básicas ligadas ao dinheiro e ao consumo. Mais ainda, é primordial que os responsáveis deem exemplos positivos no cotidiano, afinal, como esperar que os pequenos aprendam sobre gastos se, em casa, há desperdício e descontrole?
Daí a utilidade da educação financeira infantil, que muito ensina aos mais velhos também. E se você é daqueles que têm medo dos números e se desespera no primeiro cálculo, acalme-se! Carolina Ligocki, autora, empresária e diretora da Oficina de Finanças, explica que os ensinamentos de educação financeira vão muito além da matemática, dos preços e do dinheiro em si.
"Em família, a partir do momento que as crianças despertam interesse pelo consumo, é possível ensinar valores como paciência, persistência, trabalho em equipe, divisão de tarefas, planejamento de realizações, observação de embalagens, entre outros. Quanto mais cedo essas orientações começarem, melhor! Aproveite para instruí-las sobre a diferença entre desejos e necessidades, além da percepção de prioridades", exemplifica.
A princípio, é dispensável preocupar-se com a introdução de termos complexos, que devem ser incorporados naturalmente, à medida que o repertório financeiro é ampliado. O mais importante é privilegiar os comportamentos sustentáveis e a disciplina. Organizar brinquedos; colaborar em atividades da casa; praticar a espera para ganhar recompensas e presentes; dialogar sobre desejos e necessidades; e agradecer e usufruir do que já tem são atitudes positivas.
Para os pais que ainda têm dúvidas sobre a relevância do assunto, Carolina apresenta mais razões para aderir de vez à educação financeira com os pequenos: esta pode contribuir para a redução da desigualdade social, da violência, da erradicação da pobreza, além de aumentar a saúde e o bem-estar; colaborar para a preservação ambiental, para o crescimento econômico sustentável e melhorar a estabilidade do sistema financeiro.
O sucesso dos três cofrinhos
Ir ao shopping em busca de itens para o lar ou mesmo presentes para um aniversariante da família era motivo de conflitos entre mãe e filho. O pequeno pedia um brinquedo, insistia, chateava-se e, por fim, ganhava o que queria. "Situação estressante, sabe?", lembra a corretora de seguros Wanessa Amorim, de 36 anos, mãe de João Pedro, de 5.
Foi necessário buscar conhecimentos para explicar que nem sempre é possível ter tudo o que se deseja e, nesse contexto, os filhos não podem (nem devem) ter tudo o que pedem, com o risco de tornarem-se consumistas no futuro, consequência bastante experienciada pela mãe. Assim, o primeiro e importante passo foi tornar-se consciente da situação.
"Era uma bagunça, misturava a conta pessoal com a jurídica, não tinha o hábito de investir nem de poupar, tampouco tinha planilhas. Por isso, busquei fazer uma mentoria financeira, para ajustarmos o que fosse necessário", conta. E o processo de aprendizagem de João Pedro, dado a dedicação de Wanessa em instruí-lo, tem sido construído diariamente.
Dessa forma, todas as vezes que o pequeno pede um brinquedo, recebe como sugestão a tarefa de avaliar se em seu cofrinho já poupou dinheiro suficiente para a compra. Atualmente, o objetivo dele é comprar um ônibus da animação Patrulha Canina, que custa cerca de R$ 700, aquisição que até o fim do ano será possível. "Nunca falo que não temos dinheiro para isso, pois não ensino escassez para o meu filho. Então, sempre pergunto o que podemos fazer para vender e conseguir o dinheiro necessário", explica.
João possui três cofrinhos com finalidades bem delimitadas: um para gastar com desejos do dia a dia, como a pipoca na saída da escola, que equivale a 60% do seu rendimento; outro para investir, referente a 30%; e o terceiro para doar, 10%. Saber que vai poder ajudar alguém com a quantia que juntou, inclusive, enche-o de satisfação, efeito positivo dos ensinamentos.
No cofre de investir, também há um interesse especial, visto que cada moeda arrecadada pelo pequeno recebe um bônus da mãe, responsável por colocar a mesma quantidade em seguida, para que o dinheiro se multiplique. Daí a percepção de que quanto mais poupa, mais o dinheiro cresce.
* Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte.