SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um artigo publicado na última terça (18) analisou as principais hipóteses que podem explicar um surto de hepatite misteriosa que atingiu crianças, principalmente no terceiro trimestre deste ano. Segundo os autores, mesmo com diferentes estudos, as evidências disponíveis continuam insuficientes para indicar a origem da complicação.
Hepatites são inflamações do fígado com variadas causas. Os vírus da hepatite A, B, C, D e E são exemplos de agentes causadores da complicação. Também é possível apresentar o problema de saúde devido ao consumo de substâncias tóxicas ao fígado, podendo acarretar até uma hepatite fulminante.
Em abril, casos de hepatites sem causa definida foram observados em crianças de diferentes países, inclusive no Brasil. Algumas delas precisaram fazer transplante de fígado em razão da falência do órgão.
A situação fez com que a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretasse um estado de alerta. Um relatório divulgado pela entidade em julho contabilizou 1.010 casos prováveis, incluindo 22 mortes.
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Desde então, investigações são realizadas para entender a causa da complicação. Três agentes infecciosos foram considerados como as principais hipóteses: o Sars-CoV-2, vírus que causa a COVID-19, adenovírus, tipo de patógeno comum em crianças, e o vírus adeno-associado 2, que depende de outro agente para se replicar no organismo infectado.
São dessas três possibilidades que o estudo recém-publicado trata. No levantamento, os pesquisadores analisaram 22 artigos previamente divulgados. No total, essas pesquisas contabilizaram 1.643 casos de hepatite pediátrica, sendo que 120 (7,3%) das crianças receberam transplante de fígado e 24 (1,5%) morreram.
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Os adenovírus são uma das possíveis causas com número grande de evidências. Um exemplo é de um levantamento com 258 casos da hepatite documentados no Reino Unido. Destes, 170 (66%) tiveram resultados positivos para algum adenovírus.
Mesmo assim, as evidências não indicam de forma exata que o patógeno teria relação direta com a hepatite misteriosa. Os autores do artigo citam que já foi documentada a associação entre esse tipo de vírus e o aparecimento de complicações gástricas, mas, para as hepatites, o elo não é fundamentado o bastante.
Já a respeito do Sars-CoV-2, as evidências sobre a ligação do vírus com a hepatite misteriosa são mais rarefeitas. No último relatório da OMS, com 1.010 casos da hepatite, 78 apresentaram teste para COVID positivo, enquanto 209 tiveram teste positivo para adenovírus.
Ao mesmo tempo, os autores destacam que hepatites já foram documentadas em pacientes infectados pelo Sars-CoV-2, ponto que poderia ratificar o vínculo entre o vírus e os casos de crianças com as complicações no fígado. Um desses exemplos é de um estudo que analisou 2.273 adultos com diagnóstico confirmado para COVID. Destes, 45% desenvolveram complicações leves no fígado e 6% apresentaram problemas mais sérios.
Uma dificuldade para explicar a causa da hepatite é que a testagem das crianças com a complicação para COVID-19 ou adenovírus não foi sistemática. Isso faz com que a relação das infecções seja ainda mais complicada de ser confirmada.
A terceira hipótese, e mais recente, para o surto misterioso é a ação do vírus adeno-associado 2 (AAV-2). Dois artigos ainda sem revisão por outros cientistas observaram a presença do patógeno em casos da hepatite misteriosa. Uma dessas pesquisas avaliou nove pacientes e concluiu que houve infecção por AAV-2 em todos eles.
Apesar dessas evidências, os autores do estudo geral defendem que ainda são necessárias novas investigações para inferir o real papel do Sars-CoV-2, do adenovírus ou do AAV-2 no aparecimento da hepatite.
Segundo eles, é necessário se debruçar sobre o assunto a fim de se preparar para possíveis novos surtos.
SENSO DE ALERTA NA PANDEMIA
Além das possíveis explicações para a hepatite misteriosa, os autores levantam uma questão: será mesmo que os casos de inflamação do fígado sem explicação aumentaram ou foi só o senso de alerta para questões de saúde que se tornou mais importante com a pandemia de COVID-19?
Os pesquisadores buscaram novamente levantamentos que documentaram as hepatites sem explicações a fim de responder a questão. Uma dessas investigações foi realizada em 34 centros médicos europeus durante o período de maior aparecimento de casos da hepatite misteriosa. O resultado foi que 24 dos centros médicos não relataram aumento de crianças com hepatites e os outros 10 não tinham documentado nenhum paciente desse tipo.
Outras pesquisas também indicavam que não houve acréscimo em crianças com hepatites. Isso faz parecer que, em muitos países, não houve aumento significativo de hepatites pediátricas.
Mas para outras nações, a realidade é diferente: no Reino Unido, o número de hepatites em crianças multiplicou-se por dez. Assim como a causa da complicação, a razão por que ocorre essa discrepância entre diferentes países também permanece sem reposta.