Em todo o Brasil, morrem mais homens do que mulheres. A cada três óbitos de pessoas adultas registrados no país, dois são homens. A expectativa de vida deles também é menor. Pessoas do gênero masculino, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vivem, em média, 71 anos, enquanto elas passam dos 78. Estudos ainda comprovam que mais da metade dos homens não costuma frequentar consultórios médicos, nem fazer exames de rotina. Esses números não são por acaso. Revelam um problema cultural histórico: a negligência masculina com os cuidados com a saúde.
Para o diretor técnico do Laboratório Lustosa, Adriano Basques, esse cenário é resultado de uma cultura ultrapassada de que os homens devem sempre se manter fortes e invulneráveis, não devendo jamais expor suas fragilidades, além do temor que sentem de descobrir doenças graves e expor o corpo.
“Os homens não gostam de ir ao médico. Aprendem desde cedo a serem durões, a engolir o choro. Não querem que alguém lhes diga o que fazer. Só procuram ajuda mesmo quando julgam extremamente necessário, quando sentem dor prolongada ou desconfiam que possuem algum sintoma de algo mais sério, ou quando são obrigados pela companheira”, argumenta.
Enquanto se mantêm resistentes aos cuidados com a saúde, situação agravada pela adoção de hábitos não saudáveis, como sedentarismo e consumo excessivo de álcool, os homens acabam sofrendo mais com doenças do coração, diabetes, câncer, colesterol e pressão arterial elevados.
Com o objetivo de mudar esse quadro, o mês de novembro se dedica a conscientizar os homens sobre a importância da prevenção e dos cuidados com uma das doenças mais graves e comuns nesta população: o câncer de próstata. Mas os cuidados não devem se restringir à prevenção do câncer. A seguir, conheça mais sobre essa doença, os avanços na medicina para o diagnóstico precoce, e como a negligência e os estigmas têm impactado negativamente os homens.
CÂNCER DE PRÓSTATA Foco do Novembro Azul, o câncer de próstata mata, por ano, 15 mil homens, sendo a doença com o segundo maior índice de mortes entre eles. Dados apontam que o risco de um homem ter câncer de próstata diagnosticado ao longo da vida é de 16%.
A única forma de garantir a cura do câncer de próstata é o diagnóstico precoce. Mesmo na ausência de sintomas, homens a partir dos 45 anos com fatores de risco, ou 50 anos sem estes fatores, devem ir ao urologista para conversar sobre o exame de toque retal, que permite ao médico avaliar alterações da glândula, como endurecimento e presença de nódulos suspeitos.
Para auxiliar no rastreio da neoplasia (massa de tecido anormal), um dos exames laboratoriais que pode ser associados ao toque retal é o PSA, proteína produzida principalmente pelas células da próstata, uma pequena glândula que circunda a uretra nos homens e produz um fluido que compõe parte do sêmen.
A maior parte do PSA que a próstata produz é liberada nesse fluido, mas pequenas quantidades também são liberadas na corrente sanguínea. O PSA existe em duas formas no sangue: livre (não ligado) e complexado (cPSA, ligado a uma proteína). O teste de PSA mais utilizado é o PSA total, que mede a soma do PSA livre e do PSA ligado a proteína no sangue. Quando um médico solicita um “teste de PSA”, ele está se referindo a um PSA total.
“Este teste é usado como um marcador tumoral para o câncer de próstata. É uma boa ferramenta, mas não perfeita, e atualmente não há consenso entre os especialistas sobre a utilidade desse teste para triagem de homens assintomáticos. Níveis elevados de PSA estão associados ao câncer de próstata, mas também podem ser observados com prostatite e hiperplasia prostática benigna (HPB). Concentrações leves a moderadamente aumentadas de PSA podem ser observadas naqueles de ascendência afro-americana, e os níveis tendem a aumentar em todos os homens à medida que envelhecem”, explica Adriano.
Um PSA alterado, portanto, não é diagnóstico de câncer. Segundo o diretor do Lustosa, o exame padrão ouro para identificar o câncer de próstata é a biópsia da próstata, coletando pequenas amostras de tecido prostático e identificando células anormais ao microscópio. “O teste de PSA total e o toque retal são usados %u200B%u200Bjuntos para ajudar a determinar a necessidade de uma biópsia da próstata. O objetivo da triagem é minimizar biópsias desnecessárias e detectar câncer de próstata clinicamente significativo enquanto ainda está confinado à próstata. A decisão de rastrear ou não o câncer de próstata deve ser compartilhada entre médico e paciente”,
esclarece.
Mapeamento Genético
Um importante avanço no enfrentamento a este tipo de câncer é o mapeamento genético, já que, entre 5% a 10% dos casos da doença podem ter origem em mutações genéticas hereditárias. Nos últimos anos, o mapeamento genético evoluiu de tal maneira que hoje já é possível identificar a predisposição do paciente ao câncer precocemente, o que facilita a tomada de medidas preventivas.
“Mutações nesses tipos de genes são identificadas em uma parcela significativa dos casos de câncer hereditários. São muitos casos de câncer todos os anos que podem ser evitados com reforço das medidas preventivas nesses indivíduos ou que são descobertos com bastante antecipação, aumentando a possibilidade de cura”, afirma a assessora em Genômica e Genética do Laboratório Lustosa, Fernanda Soardi.
O mapeamento dos genes BRCA é feito a partir de uma amostra do DNA da paciente, geralmente retirada do sangue do paciente. A indicação prioritária do mapeamento é para homens que tenham casos de câncer de próstata, câncer de mama ou outros cânceres relacionados entre parentes próximos. “É importante reforçar que o histórico familiar de câncer não inclui apenas homens que possuem familiares com câncer da próstata. Outros diferentes tipos de câncer na família podem estar associados à alteração em um mesmo gene”, destaca Fernanda.
De acordo com a especialista, pesquisadores identificaram que os indivíduos que possuem mutações nos genes BRCA (primeiros genes associados ao câncer de mama, do inglês, Breast Cancer), principalmente o BRCA2, têm risco aumentado de desenvolver câncer de próstata. Essa característica é passada de geração para geração dentro da mesma família. Hoje, são analisados grupos de ao menos 16 genes, pelos chamados painéis multigênicos, que são relacionados ao risco hereditário aumentado de desenvolver a doença.
Masculinidade x prevenção
Algumas crenças relacionadas ao universo masculino também favorecem o surgimento de várias doenças entre eles. Um exemplo é a famosa “barriguinha de chopp”, que por muito tempo foi exibida como símbolo de masculinidade. “Essa ideia está totalmente equivocada. Essa gordura abdominal nos homens pode aumentar os riscos de doenças cardiovasculares, resistência à insulina e diabetes tipo 2, câncer colorretal, apneia do sono, pressão alta e até morte prematura por qualquer causa” alerta Adriano Basques.
Segundo ele, o problema da gordura abdominal é que ela não está limitada à camada extra localizada logo abaixo da pele (gordura subcutânea). “Também inclui gordura visceral, que se encontra no fundo do abdômen, cercando os órgãos internos”, acrescenta.
Adriano destaca que a relação entre o risco cardiovascular e o volume de gordura intra-abdominal (dentro da cavidade abdominal, ao redor dos órgãos) pode ser quantificada por meio de exames sofisticados como a ressonância magnética ou simplesmente pela medida da circunferência da cintura, que não deve ultrapassar 102 cm nos homens, conforme recomendação da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
O especialista afirma que é importante, porém, que cada pessoa conheça seus números, como nível de glicose, colesterol, insulina, índice de massa corporal, medida da circunferência abdominal e pressão arterial. “Estar com esses exames em dia é fundamental. Mas, lamentavelmente, esbarramos, mais uma vez, na resistência dos homens em realizarem seus exames de rotina. No Lustosa, por exemplo, apenas 30% dos pacientes atendidos são do sexo masculino. Precisamos mudar essa cultura e conscientizar os homens de que precisam tratar preventivamente da saúde e não esperar as doenças se instalarem e se agravarem”, reforça.
Para Adriano Basques, deve haver uma mudança verdadeira de comportamento. “Devemos desde cedo ensinar nossos filhos que ninguém é de ferro. Os meninos devem consultar seu médico (pediatra, hebiatra, urologista ou clínico geral) pelo menos uma vez ao ano e receber as mesmas orientações que as meninas sobre sexualidade, prevenção de gravidez, ISTs. Assim teremos, certamente, uma geração mais consciente e saudável”, argumenta.