Jornal Estado de Minas

COMPORTAMENTO

Filhos são uma espécie de espelho da vida



A taquígrafa Dudé Rocha, de 61 anos, é de uma família numerosa. Tem sete irmãos e o exemplo da mãe maternal foi assim uma inspiração. Dudé conta que sempre quis ter filhos, o que para ela tornaria tudo mais completo. A vida sugeriu esse momento aos 41 anos, quando se casou. Durante quatro anos, tentou engravidar. 




 
Diante de tentativas frustradas, ela se lembra da hora em que entendeu que precisava tomar uma decisão – pela adoção ou por tratamentos reprodutivos. "Isso foi bem tranquilo, nunca fui cobrada quanto a ser ou não mãe. Sobre a possibilidade da adoção, por exemplo, meu marido, que é oito anos mais novo que eu, já aceitava", recorda.
 
A opção foi pelos tratamentos. Aos 44, realizou duas inseminações artificiais (IAs), que não deram certo. Aos 45, continuou as tentativas com duas fertilizações in vitro (FIVs). “Na primeira, foram introduzidos três embriões, mas não vingaram. Na segunda, foram quatros embriões. Era um número tido como alto, mas eu queria aumentar minhas chances.

Assim, da última vez, engravidei de gêmeos.” Os filhos, Bruna e Henrique, hoje com 14 anos, nasceram com oito meses e meio de gestação, por cesariana, medindo 50 centímetros e pesando 2,850 quilos. "Minha gravidez foi tranquila e o parto também", lembra.




Quem olha para o casal Paula Meireles, de 37, e Daniel Ottoni, de 38, não sabe o que os dois viveram até a chegada de Thiago e Nicholas: %u201CPoder criá-los é um privilégio%u201D, diz Paula (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
 
 
À Dudé foi sugerida a oportunidade de investigar a saúde dos embriões antes da introdução no útero, mas ela preferiu não saber e correr o risco de desistir. "Confiei que tudo ia ficar bem, viessem do jeito que viessem. E vieram supersaudáveis", relata. O desejo de ser mãe, algo que acompanhou Dudé pela vida, foi assim concretizado. "Sempre quis ser mãe, da forma que fosse. É a continuação da família, um espelho da vida. E fui presenteada com dois filhos", diz.  
 
Os comunicadores Paula Meireles, de 37, e Daniel Ottoni, de 38, estão juntos há mais de 15 anos e há oito se casaram. Quando perceberam que tinham estabilidade para aumentar a família, começaram a tentar uma gravidez. Exames específicos de fertilidade apontaram alterações no espermograma de Daniel, e também algumas inconsistências nos exames de Paula. 
 
Por indicação de uma amiga, depois de um tempo de tentativas fracassadas, os dois também passaram a fazer sessões de acupuntura relacionada à fertilidade, por sete meses, além de dietoterapia e aromaterapia, aliadas ao tratamento medicamentoso propriamente dito.
Em um segundo momento, os exames melhoraram, mas não era possível saber precisamente em quanto tempo a gestação aconteceria. Com uma nova médica, especialista em fertilidade, Paula e Daniel foram orientados quanto à fertilização in vitro. 




ALTO CUSTO

"Era um tratamento de alto custo, mas a médica disse que se eu doasse alguns dos óvulos, sairia pela metade do valor. E a hora era aquela. Estava prestes a fazer 36 anos, e o limite de idade para conseguir ser doadora era 35. Acabei tendo 22 óvulos, doei 11 e fiquei com 11", lembra Paula. Desses óvulos se formaram seis embriões e, depois de um tempo de espera, foram introduzidos dois embriões, que se tornaram quatro fetos. No total, foram dois anos e meio de tentativas até que a vontade fosse concretizada.
 
Dali pra frente, a gravidez foi para o casal uma montanha-russa, uma profusão de emoções. Das primeiras considerações sobre tudo o que significaria criar um filho, multiplicado por quatro, muita coisa ainda viria a acontecer. Por volta das 22 semanas de gestação, dois dos bebês tiveram complicações e acabaram morrendo. A gravidez, de alto risco, tinha que ser levada ao máximo tempo possível, mesmo com os filhos sem vida, ainda dentro da barriga – não era indicado que fossem retirados.

MEDO E APREENSÃO

Paula chegou a ser submetida a uma cirurgia, em São Paulo, para separar os dois bebês que estavam em risco, e salvar pelo menos um, mas não deu certo. "Tudo o que era romantizado sobre a gravidez foi por água abaixo. Houve um momento, na reta final, que me vi cansada, estressada. Tinha medo do que poderia acontecer com os outros dois, um medo que sentia a cada ultrassom. Hoje, temos dois filhos e dois anjinhos", conta Paula.  
 
Ela diz que viveu três gestações em uma. Com 35 semanas e seis dias, enfim, nasceram  Thiago, com 2,064 quilos e 43 centímetros, e Nicholas, com 2,460 quilos e 47 centímetros. Hoje, os meninos estão com 10 meses. Para Paula, que reforça o desejo sempre presente de ser mãe, é uma realização, em suas palavras. "Tudo o que foi pesado na gravidez hoje está leve quando vejo os dois. São tranquilos. É cansativo cuidar de dois bebês, mas me sinto realizada, era o que eu queria. Só não imaginava que um dia teria gêmeos, não há casos na minha família nem na do Daniel. Ver dois meninos crescendo, interagindo, dois amigos que nasceram juntos, é tão lindo, uma bênção mesmo. Poder criá-los é um privilégio", comemora.




Jornada da fertilidade 

Para uma mulher que, de imediato, não tem certeza se quer ter filhos, ou se esse é um projeto a médio ou longo prazo, sem saber exatamente quando, uma alternativa é o congelamento de óvulos. Para isso, é indicado receber aconselhamento profissional e elaborar um plano de vida reprodutivo. "Também aí realizamos uma avaliação de sua saúde global, principalmente da reserva ovariana, se está comprometida, e assim chegar à conclusão de qual é o melhor momento para congelar os óvulos", explica Natalia Ramos, ginecologista e obstetra especialista em fertilidade e reprodução humana.
 
A técnica de congelamento de óvulos, explica a especialista, é um método seguro, mas não é garantia de que a mulher terá bebês a partir daqueles óvulos. "Ainda assim, é a técnica mais avançada e mais segura que a medicina dispõe para dar chance à mulher de ter um futuro reprodutivo melhor", diz. Entre as indicações para o procedimento estão: decisão por postergar a maternidade; ter alguma questão de saúde, como um câncer; ter feito tratamento com quimioterapia ou radioterapia muito jovem; ou ser submetida a uma cirurgia pélvica que vá comprometer a reserva ovariana.
 
Além da idade, Natalia enumera outros fatores, mais relacionados ao estilo de vida, que podem comprometer a fertilidade da mulher: tabagismo, uso de álcool e drogas, alterações na pelve, alterações na anatomia (por exemplo, quando a mulher tem as tubas uterinas obstruídas, ou quando tem doença inflamatória pélvica), endometriose, outras doenças do sistema reprodutor, como miomas uterinos, pólipos e a síndrome dos ovários policísticos – esta última nem sempre leva à infertilidade, mas dificulta a gravidez. "É sempre preciso que a mulher receba um aconselhamento individual, para que entenda se está correndo um risco maior de infertilidade ou não", ensina.




 
E o fator masculino não pode ser descartado. "Para um casal que está tentando engravidar, com a mulher com menos de 35 anos, é esperada a gravidez em até 12 meses de tentativas. A partir desse tempo de insucesso, já é indicado que esse casal passe por um especialista e faça uma avaliação global de fertilidade dos dois, o que, no caso do homem, é feito através do espermograma. Para uma mulher com mais de 35 anos, esperam-se seis meses para essa avaliação da fertilidade do casal. Dessa forma, é importante se lembrar do parceiro, no caso de casais heterossexuais."

NOVA LEI

Projeto de autoria da deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), sancionado no início de setembro pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), altera a Lei 9.263, de 1996, que regula o planejamento familiar. No texto original, é dito que, em relações conjugais, a prática de cirurgias de esterilização, como laqueadura e vasectomia, só poderia ser realizada com o consentimento do cônjuge. 
 
Na nova lei, esse parágrafo foi suprimido. Na prática, isso significa que a mulher não precisa mais da autorização do marido para ligar as tubas uterinas, e o contrário também: se um homem quiser fazer uma vasectomia, ele não precisa mais de autorização da mulher.





"As mulheres devem ter o direito de fazer o que quiserem com o corp
o delas. A decisão de ter ou não mais filhos deve ser individual, assim como para os homens. Para mim, tanto homens quanto mulheres podem tomar essa decisão sem perguntar ao cônjuge ou qualquer outra pessoa que seja, salvo os casos de menores de idade", opina.
 
Como tudo tem o outro lado, a especialista lembra que, para a mulher que não quer ter mais filhos, é muito difícil garantir que ela não vá se arrepender do processo de esterilização. A laqueadura tubária, segundo a médica, é o método mais comum de esterilização que existe, e não é irreversível. "Do ponto de vista de resultado, para a mulher que já fez, se arrependeu e quer ter filhos novamente, o mais indicado é a fertilização in vitro."
 
E como evitar esse arrependimento? Para Natalia, essa é uma questão difícil e pessoal. No geral, ela aconselha, para a mulher que está prestes a fazer o procedimento, que reflita no mínimo seis meses antes de decidir. "No geral, quando as mulheres pensam bem na decisão, têm tendência a errar menos. Mas a medicina avançou bastante e pode auxiliá-las quando o arrependimento acontece."




Antigamente, de fato, muitas mulheres se arrependiam de fazer a laqueadura, por causa de mudanças na vida, destaca a especialista. "Seja porque se divorciou, conheceu outra pessoa e quer engravidar novamente, ou perdeu um filho e quer ter outros. Tudo isso acontece."
 
Nesse contexto, indica Natalia, uma boa alternativa à laqueadura são os métodos contraceptivos reversíveis de longa duração, os chamados Larcs, como o DIU hormonal, o DIU não hormonal e o implante subcutâneo (duram entre três e 10 anos). "Hoje, estão mais popularizados, têm preços mais acessíveis, alguns oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O advento dos Larcs é um grande ganho para a saúde feminina. Permitem que as mulheres façam escolhas que comprometem menos sua fertilidade" , recomenda Natalia.