Jornal Estado de Minas

MAMOGRAFIAS

Por que médicos temem alta em casos graves de câncer de mama pós-pandemia?

 

Passado o Outubro Rosa, mês que já se tornou tradicional pelas campanhas de conscientização para prevenção do câncer de mama, dados que vêm dos consultórios e dos serviços de prevenção acendem um sinal amarelo para as mulheres. Depois de uma queda expressiva durante a pandemia, a realização de mamografias até registrou ligeira recuperação, mas é menor que o total anterior à crise sanitária.



A redução no rastreamento de novos tumores se reflete na agilidade nos diagnósticos e acaba fazendo com que a doença, quando detectada, já esteja em fase mais avançada, com repercussão nos tratamentos e nas chances de cura, como alertou recentemente em entrevista ao Estado de Minas o vice-governador eleito Mateus Simões (Novo), ao fazer um apelo para que as pacientes procurem os serviços de diagnóstico.

 

 

Em Minas Gerais, segundo os últimos dados disponibilizados pela Saúde, foram feitas 271.322 mamografias de janeiro a agosto deste ano. Mantida a média de 33.915 exames ao mês verificada até então, o estado fecharia o ano com 406.980 exames, projeção que indica queda de quase 20% em relação ao total realizado em 2018 e mais de 10% em relação a 2019, quando o volume de testes diagnósticos já havia começado a declinar.

 

Em 2019, o estado realizou 458.886 mamografias, uma queda de 7,5% na comparação com o ano anterior, que teve 496.076 registros. Esse recuo já tinha sido observado pela Sociedade Brasileira de Mastologia, que alertou para a redução ainda maior durante a pandemia. Na época, a comunidade médica já demonstrava preocupação com a possibilidade que se confirmaria nos dois anos seguintes.





 

Em 2020, os totais caíram radicalmente, com 270.688 exames realizados. Houve uma recuperação discreta em 2021, com 357.785 registros, com nova alta projetada para este ano, mas em quantidade insuficiente para se aproximar dos níveis pré-pandemia.

 

De acordo com a presidente da regional mineira da Sociedade Brasileira de Mastologia, Annamaria Massahud, a redução do número de exames tem impacto sobre a quantidade de diagnósticos iniciais, que são determinantes para as chances de cura. “Agora, vemos que há muitas mulheres com diagnósticos avançados. Ao longo dos anos anteriores, cerca de 40% dos resultados já eram do estágio 3 ou 4 da doença.”

 

Ainda não é possível, de acordo com especialistas, fazer uma projeção sobre o crescimento desse tipo de câncer, mas os médicos já observam que essa é uma probabilidade, conforme afirma a coordenadora do Serviço de Mastologia do Hospital da Baleia, Claudia Marcia e Silva. “Em um futuro não tão distante isso deve acontecer. Muitas pacientes podem iniciar o tratamento com medicação, mas não vão se candidatar à cirurgia, porque já perderam o tempo cirúrgico. A doença se torna inalterável e não justifica operar”, explica.





 

Segundo a mastologista, desde o início de 2021, quando puderam ser retomados os atendimentos, médicos perceberam que muitas mulheres já eram diagnosticadas em fase avançada da doença. “Diagnósticos mais sombrios, tratamentos mais agressivos e diminuição da chance de cura. Nesses casos, a doença passa a ser crônica. Então, elas vão estar sempre sob tratamento oncológico”, constata.

 

DOENTES MAIS JOVENS Além desse risco, Annamaria Massahud observa que a faixa etária dos diagnósticos positivos está diminuindo. “Pacientes abaixo de 35 anos representavam menos de 2% de chance (de ter a doença). No período da pandemia, ess percentual passou para 5%. Muito provavelmente, podemos estar tendo um aumento da incidência de câncer de mama em mulheres mais jovens”, adverte.

 

A Sociedade Brasileira de Mastologia sugere que as mamografias obrigatórias comecem aos 40 anos, considerando que o Brasil tem um perfil de população mais jovem do que os países de Primeiro Mundo, referência para pesquisas científicas. “Os estudos são feitos em pacientes de Primeiro Mundo, isso faz com que os nossos acompanhamentos sigam a partir desses trabalhos. Mas, como a nossa população é diferente, pode ser que deixemos de fazer diagnósticos devido às diretrizes de rastreamento do câncer de mama”, afirma a presidente da regional de Minas.





 

Avaliação de mamografia: especialistas temem diagnósticos mais tardios que exigirão tratamentos crônicos e mais agressivos, além da redução da chance de cura (foto: André Kaze/Divulgação)
 

BH reflete tendência do estado

 

Os números de mamografias feitas em Belo Horizonte acompanham a queda observada no estado. Segundo a coordenadora da Atenção Integral à Saúde da Mulher e Perinatal, Cristiane Veiga, mesmo que não houvesse contingenciamento dos exames durante os dois anos de pandemia, as próprias mulheres deixaram de procurar os serviços de saúde por medo do coronavírus.

 

Em 2018, foram realizadas na capital cerca de 84 mil mamografias. Já em 2019, diferentemente do estado, Belo Horizonte registrou aumento no número de exames, com 91 mil procedimentos feitos. Porém, em 2020, a queda drástica também ocorreu em BH, com apenas 50 mil exames. Em 2021, foram 65 mil ao todo.

 

Até setembro deste ano, a cidade registrou 41 mil mamografias feitas. “A expectativa é que fechemos o ano com algo entre 60 mil a 65 mil exames na cidade. Número bem mais próximo do total pré-pandemia”, diz a coordenadora. No entanto, a capital registrou nos nove primeiros meses do ano média de 4.555 exames, o que projeta um total na casa dos 55 mil, se mantido o ritmo. Embora a quantidade ainda não seja ideal, o número de diagnósticos positivos está dentro do esperado na cidade. De janeiro a setembro, foram 453 casos.





 

Para garantir que as moradoras de BH façam o exame regularmente a partir da idade recomendada, Cristiane Veiga afirma que uma estratégia da prefeitura é a busca ativa de pacientes para o exame ginecológico completo. “Os números estão mostrando recuperação. Temos feito campanhas de conscientização, além da busca ativa das mulheres que não fizeram acompanhamento em 2020 e 2021”, explica.

 

Outra ação é a auditoria nos serviços de saúde da cidade, que envolve toda a cadeia de tratamento: centros de saúde, atenção secundária (mastologistas) e unidades terciárias (hospitais conveniados que já fazem o tratamento, cirurgias, quimioterapia e radioterapia). 

Sintomas, causas e fatores de risco

câncer de mama é responsável pela mais frequente causa de morte por câncer no sexo feminino. Os principais sinais e sintomas da doença são caroço (nódulo), geralmente endurecido, fixo e que não causa dor, na mama; pele do seio avermelhada ou parecida com casca de laranja; alterações no bico do peito (mamilo); saída espontânea de líquido de um dos mamilos e pequenos nódulos no pescoço ou nas axilas.





 

Segundo a Secretaria de Estado da Saúde, não existe uma causa única para o câncer de mama, mas sim fatores que podem aumentar o risco da doença, como idade acima de 50 anos, primeira menstruação antes dos 12 anos e menopausa após 55 anos, além de consumo de álcool e fumo. Para o tratamento, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece todos os tipos de cirurgias, entre mastectomias, cirurgias conservadoras, reconstrução mamária, radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia e tratamento com anticorpos.

 

O tratamento é feito por meio de uma das modalidades ou várias delas combinadas. O profissional de saúde escolhe a intervenção mais adequada de acordo com a localização, o tipo do câncer e a extensão da doença. A porta de entrada para a realização dos exames são as unidades Básicas de saúde, nas quais são agendadas consultas, exames e mamografias de rastreamento.

 

As chances de cura são de 95% quando a doença é descoberta nos estágios 0 e 1. Esses casos, geralmente, são identificados nas mamografias de rastreamento, feitas em mulheres a partir dos 50 anos. Para as mais novas, o exame só é feito em caso de indicação clínica, no caso de sintomas, ou por histórico familiar de câncer de mama.





 

A coordenadora do Serviço de Mastologia do Hospital da Baleia, Claudia Marcia e Silva, explica que o câncer de mama não é uma doença simples e tem várias assinaturas genéticas. “A doença, tendo se tornado sistêmica, já dizemos que não tem cura. Mas a chance de vida pode ser longa, a depender da assinatura genética do tumor”, explica ela. A médica faz ainda um apelo: “Mesmo em estágio avançado, conseguimos oferecer muitos tratamentos para que o paciente tenha qualidade de vida. Os hospitais têm toda a assistência. Não deixem de procurar o serviço de saúde, pois mesmo aquelas que não têm mais chance de cura podem conseguir estacionar a doença e ter uma qualidade de vida boa e longa.”