Jornal Estado de Minas

ONCOLOGIA

Congresso Brasileiro debate tratamentos e novas drogas contra o câncer

Medicamentos inteligentes, menos tóxicos e mais eficazes, além da ampliação da sobrevida do paciente. Esse talvez seja um resumo simplista do que foi apresentado no 23º Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica, realizado de 3 a 5 deste mês, no Rio de Janeiro, pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). 





Cerca de 3 mil profissionais de saúde nacionais e internacionais especializados em oncologia participaram de cursos, palestras e debates sobre os avanços na área, novos tratamentos, medicamentos, pesquisas, estudos de casos clínicos e políticas públicas para o enfrentamento do câncer. 

O oncologista Paulo Hoff, presidente da SBOC e presidente do Conselho Diretor do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), alerta para o panorama do câncer no Brasil, que ultrapassa 600 mil novos casos por ano. "Infelizmente, um número substancial desses pacientes ainda vai acabar falecendo pela doença", comenta. "Embora nós tenhamos uma taxa de cura que se aproxima de 60%, há ainda um número muito grande de pessoas que acabam morrendo." 


O câncer é, atualmente, a segunda causa de morte no Brasil, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares. Com o envelhecimento da população, a sociedade tem assistido ao aumento  da incidência de casos de câncer no país, a ponto de que, até 2030, diversas cidades e regiões do Brasil estarão enfrentando o câncer como a principal causa de mortes, suplantando os eventos cardiovasculares. "Portanto, o câncer é um problema de saúde pública", define. 
 
Paulo Hoff, presidente da SBOC, coordenou o 23º Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica (foto: Paulo Henrique Amorim dos Santos/Kona Produtora)
 
Paulo Hoff reforça que atualmente o câncer é a segunda causa de mortes no Brasil, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares. "Com o envelhecimento da população, temos visto o aumento da incidência de casos de câncer no país, a ponto de até 2030 diversas cidades e regiões do Brasil estarem enfrentando o câncer como a principal causa de mortes, já suplantando inclusive as doenças cardiovasculares", comenta. "Portanto, o câncer é um problema de saúde pública."





Câncer de pulmão e as modalidades de tratamento


Gustavo Schvartsman, oncologista clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, diz que o câncer de pulmão é o que mais mata no mundo e no Brasil. "É o segundo em incidência entre os homens e o quarto entre as mulheres." 
 
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Segundo o especialista, o motivo pelo qual os cânceres de pulmão têm altos índices de mortalidade é o fato de que no Brasil 70% dos casos são diagnosticados no estágio 4, ou seja, quando a doença é metastática (em fase avançada), sem possibilidade cirúrgica ou radioterápica (com efeito de cura). 
 
Gustavo Schvartsman, oncologista clínico: 'Nos próximos anos, serão desenvolvidos outros medicamentos mais eficazes e menos tóxicos' (foto: Arquivo pessoal)

"Já partimos de um problema no momento em que o câncer é diagnosticado - seja pelo perfil usual do paciente que desenvolve câncer de pulmão (tabagista, que não se atenta à sua saúde e não faz acompanhamento médico rotineiro), seja por surgimento de sintomas somente em fase tardia, no estágio avançado",- já que ele praticamente não apresenta sintomas, a não ser que o tumor seja grande ou já esteja espalhado, quando o paciente apresenta dor, tosse, falta de ar, emagrecimento", comenta.

Por outro lado, Gustavo faz uma comparação entre a forma de como o câncer era tratado há uma década e como especialistas e pacientes lidam com a doença atualmente. "Felizmente, houve muitos avanços. Há cerca de 10 anos, tratávamos todos os cânceres de pulmão com quimioterapia. Quando havia metástases, não havia perspectiva de sobrevida de longo prazo. A quimioterapia funcionava para cerca de metade dos pacientes, mas por pouco tempo e o tumor rapidamente entendia como era atacado, ficava resistente e avançava. Além disso, a quimio tem uma toxicidade importante e o paciente sofre com os efeitos colaterais", explica. 





"O que ocorre hoje é que os novos tratamentos atacam o mecanismo que altera a célula pulmonar, focado no que levou o câncer a crescer. Eles podem até atacar células normais, mas é menos frequente. Portanto, os tratamentos são mais específicos, tendo eficácia melhor e menos efeitos colaterais." 

Atualmente, existem duas grandes modalidades de tratamento para o câncer de pulmão: a imunoterapia e a terapia alvo-dirigida: a primeira funciona melhor em pacientes que fumaram bastante. Nesses casos, os tumores têm muitas mutações induzidas pelo cigarro, são heterogêneos, muito diferentes daquela célula de origem de pulmão. "O que é feito é o bloqueio de uma proteína chamada PD-1, que é utlizada pelo tumor para escapar do sistema imune. Essa classe de medicamentos intravenosos restabelecem a atividade do sistema imune para atacar o câncer", diz o oncologista.

A boa notícia é que a imunoterapia oferece menos toxicidade, quando comparada à quimio, e, nesses pacientes, que apresentam a expressão da proteína PD-L1 em mais de 50% das células, a sobrevida se estende para cinco anos em 30% dos casos. Há 5 anos, essa sobrevida não ultrapassava 10%. Nos casos em que não há expressão elevada de PD-L1, a imunoterapia é combinada à quimioterapia. 

A segunda classe de novos tratamentos é a terapia alvo-dirigida e, como o próprio nome diz, precisa do encontro do alvo. "O que fazemos é extrair o DNA da célula do tumor e esse DNA é sequenciado para ver se há alguma alteração no material genético. Muitas vezes essa mutação gera uma proteína aberrante que constantemente manda a célula se replicar, e o resultado é um tumor que cresce muito mais rápido." O tratamento, então, se baseia no bloqueio da ação dessa mutação, o que faz com que o tumor regrida.





Um dos medicamentos utilizados em terapias-alvo é o sotorasibe, prescrito a pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) localmente avançado ou metastático. Gustavo Schvartsman esclarece que essa é uma droga dirigida a uma alteração em um gene - chamado KRAS - que até bem pouco tempo não era "alvejável", ou seja, os medicamentos não surtiam efeito sobre essas células cancerígenas.  

O sorotasibe está disponível no Brasil e faz parte de uma gama de medicamentos que atua nas mutações do câncer de pulmão, no caso na alteração KRAS, citada acima. "Em um estudo que comparativo entre a quimio e o remédio, ele se mostrou muito bem tolerado e mais eficaz que a quimio. Portanto, o paciente tem mais qualidade de vida. Os cientistas fizeram um trabalho extraordinário ao conseguir fazer dessa alteração um alvo terapêutico", acrescenta o oncologista. 

Gustavo Schvartsman é muito otimista quanto à evolução dos tratamentos para câncer de pulmão. "Nos próximos anos, serão desenvolvidos outros medicamentos mais eficazes e menos tóxicos, alguns deles inclusive para combater a resistência adquirida a esses novos remédios. Há um grande trabalho a ser feito, porém, para garantir o acesso à população mais carente no nosso país."