Jornal Estado de Minas

CIGARRO ELETRÔNICO

Cigarro é cigarro, faz mal e deve ser evitado

Embora a comercialização, importação e propaganda de todos os tipos de dispositivos eletrônicos para fumar (DEF), também conhecidos como e-cigarette, e-ciggy, e-pipe, e-cigar, heat not burn (tabaco aquecido), ou popularmente chamados de vape ou pod, serem proibidas no Brasil desde 2009 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), conforme resolução RDC 46, de 28 de agosto de 2009, o acesso ao produto é fácil e a fiscalização não coíbe como deveria. 




 
 A compra é feita facilmente pela internet e mesmo alguns locais físicos vendem livremente, como lojas e tabacarias. Febre, principalmente, entre os jovens, seja pelo design, praticidade, sabores, por achar elegante e ter uma imagem de descolado, o produto já foi confirmado por cientistas e profissionais da saúde como de alto risco de câncer, com destaque para o de pulmão. É como pólvora para desencadear outras doenças igualmente graves.
 
Com o controle ainda aquém do esperado, em 6 de julho de 2022, a Diretoria Colegiada da Anvisa aprovou, por unanimidade, o Relatório de Análise de Impacto Regulatório (AIR) sobre os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF), durante a 10ª Reunião Extraordinária Pública de 2022, assim como a adoção de medidas adicionais para coibir o comércio irregular desses produtos, tais como o aumento das ações de fiscalização e a realização de campanhas educativas.
 
Já em 1º de setembro, o Ministério da Justiça e Segurança Pública determinou que 33 empresas em todo o país suspendessem a venda de cigarros eletrônicos. Caso não cumprissem a medida imposta pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), teriam que pagar multa diária no valor de R$ 5 mil. A medida cautelar foi publicada no Diário Oficial da União. Mesmo assim, a Senacon reconhece que a situação atual é grave, já que os cigarros eletrônicos são comercializados livremente, apesar de ilegais, diante da falta de transparência e boa-fé por parte de toda a cadeia produtiva do produto. 




 

 
Marcus Bolívar (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A. Press)
 

Mercado em ascensão

Mesmo assim, à revelia da determinação da Anvisa, o mercado 100% ilegal dos cigarros eletrônicos só cresce: pesquisa do Ipec Inteligência para o ano de 2021 mostra que mais de 2 milhões de brasileiros usam vapes e o número vem dobrando a cada ano. Um em cada cinco jovens brasileiros, entre 18 e 24 anos, fuma cigarro eletrônico, ou seja, 19,7% do total nessa faixa etária. O dado é resultado de entrevistas feitas com 9 mil pessoas por telefone, em todas as regiões do Brasil. O relatório Covitel apontou que o índice é de 10,1% entre os homens, contra 4,8% das mulheres. A região que mais usa cigarros eletrônicos é a Centro-Oeste (11,2% da população).

Leia também: É como fumar 20 cigarros por dia: os riscos dos cigarros eletrônicos que viraram moda entre jovens e adolescentes.

Diante da fiscalização inócua e da necessidade de medidas urgentes para cumprir a lei e resguardar a saúde e a segurança dos consumidores, o Bem Viver entrou em contato com a Anvisa, que destacou qual é o seu papel por meio de sua assessoria de imprensa: “As Vigilâncias Sanitárias municipais e estaduais fiscalizam os estabelecimentos comerciais”.  
 
A Anvisa promove a fiscalização do comércio pela internet e apoia as Vigilâncias Sanitárias locais em suas ações. Além da Anvisa, outros órgãos de fiscalização têm atuado de forma a aplicar sanções quando há o descumprimento da regulamentação vigente.  “Há um plano de ação contido no relatório técnico de AIR que prevê a realização e aprimoramento de parcerias com órgãos como Receita Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Civil, Receita Federal e Procons, para que sejam realizados treinamentos, uso de inteligência para coibição do comércio eletrônico, e outras medidas para a intensificação da fiscalização e a conscientização da população sobre os riscos associados a esses dispositivos eletrônicos.”   
 
No Procon-BH, o setor de fiscalização informou que não recebeu nenhuma reclamação ou denúncia de comercialização do cigarro eletrônico. A assessoria de imprensa do Procon-MG também disse que não houve denúncia registrada pelo órgão do estado. Houve, sim, uma recomendação expedida pelo promotor de Justiça em Uberlândia, para a suspensão da importação, venda e propaganda de cigarros eletrônicos.




Estratégias de marketing

O cardiologista do Biocor/Rede D’Or Marcus Bolívar Malachias, representante no Brasil do American College of Cardiology (Colégio Americano de Cardiologia), professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), explica que os cigarros eletrônicos têm bateria para insuflar nicotina ou outros aerossóis contendo líquidos psicoativos. “Apesar de alguns estudos demonstrarem que os vapes podem auxiliar na cessação do consumo de cigarros tradicionais contendo nicotina, a curiosidade pela novidade e as estratégias de marketing dos fabricantes levaram a uma explosão no seu uso em todo o mundo, sobretudo entre adolescentes e adultos jovens desde o seu surgimento, em 2003.” 
 
Marcus Bolívar explica que há ainda poucas evidências sobre os efeitos a longo prazo do uso de vapes. No entanto, tem sido demonstrado que seus componentes e constituintes podem afetar negativamente a saúde. “Propilenoglicol e glicerina são umectantes (excipientes de retenção de água) que, quando aquecidos, geram irritantes pulmonares e compostos carbonílicos carcinogênicos (formaldeído, acetaldeído e acroleína)”, esclarece. 
 
“Os metais contidos nas bobinas de aquecimento e invólucros de cartuchos podem também conter metais tóxicos, como alumínio, cromo, ferro, chumbo, manganês, níquel e estanho. Os agentes aromatizantes, apesar de considerados seguros quando normalmente ingeridos, têm potencial irritante quando absorvidos por via inalatória. O diacetil, um agente aromatizante amanteigado comum, tem reconhecida toxicidade pulmonar ao ser inalado, podendo levar à bronquiolite obliterante.”

Doença Evali

Em 2019, destaca o cardiologista, foi identificada nos Estados Unidos uma doença pulmonar específica associada ao uso de vapes: Evali (e-cigarette or vaping product use-associated lung injury, que pode ser traduzido como lesão pulmonar associada ao uso de cigarro eletrônico ou produto vaping).  O cardiologista diz que a Evali pode causar tosse, dor torácica e falta de ar, sendo comuns sintomas não respiratórios, como dor abdominal, náuseas, vômitos, diarreia e até febre, calafrios e perda de peso.
 
Pesquisas revelaram que a provável causa da Evali é o acetato de vitamina E (VEA), usado como diluente em cartuchos de vape de tetrahidrocanabinol (THC), um derivado da Cannabis sativa (maconha). “O VEA degrada o óleo de THC, sem alterar a aparência ou a viscosidade. Quando inalado, o tecido pulmonar não é capaz de metabolizar e absorver o VEA, podendo acarretar lesão pulmonar. Muitos pacientes com Evali necessitam de internação hospitalar e tratamento à base de corticosteroides. Já foram identificados casos de Evali no Brasil.”




 
Marcus Bolívar explica que, além da Evali, o uso de vapes tem sido associado ao risco de fibrose pulmonar, exacerbação da asma, enfisema, pneumonia por hipersensibilidade, câncer no pulmão, embolia pulmonar, angina e infarto, além de custos elevados para o sistema de saúde. “Segundo dados da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, o cigarro convencional, por exemplo, arrecada no Brasil pouco mais de R$ 12 bilhões de impostos, mas gera R$ 125 bilhões em perdas diretas e indiretas para a saúde. Não há ainda dados econômicos disponíveis sobre o impacto do vape.”