Loucura e razão. “De perto ninguém é normal”, crava Caetano Veloso em uma de suas letras, “Vaca Profana”, que ficou imortalizada na voz de outro ícone da cultura nacional: Gal Costa (1945-2022).
E quando o assunto é a mediunidade? As pessoas enlouqueceram de vez? Loucura e mediunidade se confundem? Para nos ajudar a responder essas questões, pautadas desde sempre pela humanidade, o Estado de Minas entrevistou o psiquiatra Roberto Lúcio Vieira de Souza, de 64 anos, formado em 1982 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Roberto Lúcio, após ocupar durante 15 anos os cargos de diretor clínico e médico do Hospital Espírita André Luiz, em Belo Horizonte, vai compartilhar conosco sua experiência na unidade hospitalar e, em seu consultório particular, onde exerce a profissão.
Antes de prosseguirmos, a ressalva do profissional: os pacientes acometidos de qualquer tipo de psicopatologia não podem prescindir da ciência.
Dito isso, partimos para a abordagem que faremos sobre a loucura, que levará em conta o viés do estudo ao qual Roberto Lúcio também se dedica há anos: os mecanismos da mediunidade, tendo em vista que ele é espírita cristão e kardecista.
INTERAÇÃO
Em uma de suas inúmeras palestras – disponíveis no YouTube –, o psiquiatra fala também sobre a interação da mediunidade com a doença psiquiátrica. Ou melhor, o que se convencionou pela ciência a ser chamado de transtorno mental.
Um dos fundadores das associações médicas espíritas no plano estadual, nacional e internacional, ele coloca para a plateia as seguintes questões: “Até onde a loucura apresenta mediunidade? Esses dois aspectos podem estar juntos? Ou estão sempre juntos?”.
"Hoje existem métodos e parâmetros que diferenciam o fenômeno mediúnico do quadro psiquiátrico"
Roberto Lúcio Vieira de Souza, psiquiatra
De imediato, sem delongas, Roberto Lúcio dissipa quaisquer dúvidas com um dos trechos do “Livro dos Espíritos”, de Alan Kardec. “Muitos epilépticos ou loucos, que mais necessitavam de médico que de exorcismos, têm sido tomados por possessos”, elucida uma das entidades a Kardec, que o ajudaram a formatar o livro, editado pela primeira vez em 18 de abril de 1857.
Para assunto tão complexo, que às vezes pode cair na esfera do misticismo, o psiquiatra esclarece que “hoje existem métodos e parâmetros que diferenciam o fenômeno mediúnico do quadro psiquiátrico”.
E quais seriam esses balizadores para um diagnóstico seguro? O psiquiatra aponta artigos e livros assinados por profissionais ligados à saúde mental que se debruçam no estudo do assunto , e que, segundo ele, estão construindo uma literatura médica baseada em evidências.
Mas será que todos os profissionais da área de saúde estariam preparados para fazer esse diagnóstico diferenciado? A resposta dele é “não”.
Até porque, lembra o psiquiatra, no ofício em que ele se especializou a grande maioria de seus colegas se diz ateu ou agnóstico.
Numa breve explicação sobre o que é mediunidade, Roberto Lúcio esclarece que esse não é um fenômeno cunhado, muito menos inventado pelos espíritas.
Ele lembra que o contato espiritual entre os seres humanos está descrito no Antigo e no Novo Testamento. Vale destacar ainda que essa comunicação não envolve apenas um diálogo entre vivos e mortos, mas acontece também entre vivos, que o digam as mães em suas “premonições” com os filhos, por exemplo.
TERCEIRO OLHO
Por que então, diante da mediunidade – o que os indianos chamam de terceiro olho –, a humanidade, em geral, encara com feição de espanto e descrença algo afeito aos místicos, senão loucos?
Conforme o espírita e psiquiatra, para a pergunta não há resposta simples e acabada. Requer reflexão e estudo aprofundado.
Entretanto, ele lembra que Moisés – um dos primeiros médiuns conhecido pela humanidade e que foi para a posteridade, com os 10 mandamentos – proibiu seus seguidores de "consultar os mortos".
Talvez esteja aí, nessa proibição, uma pista para o início do cerco à mediunidade baseado na desconfiança. Ao fazer a proibição, destaca Roberto Lúcio, Moisés iniciava o movimento para frear o uso vulgar na comunicação mediúnica.
Mas voltemos aos ditos loucos, conforme o senso comum. Quantos estariam também nesse lugar de medianeiros – tendo em vista que a mediunidade é uma disposição orgânica do indivíduo, conhecida ainda como o sexto sentido, não tendo, portanto, nada a ver com um dom especial, como são os demais cinco sentidos.
“A mediunidade é um sentido, faz parte de um recurso da percepção”, ensina. Mas essa é uma faculdade que pode levar à loucura?”, lembrando que sempre foi e continua sendo comum tratar um médium com desconfiança, deslumbramento e até interpretá-lo como portador de algum transtorno mental.
O psiquiatra e espírita explica que hoje há parâmetros e normas formatados pela ciência que dificultam o preconceito de prosperar. Mesmo diante de um médico ateu ou agnóstico?
A resposta dessa vez é sim. Isso porque, sublinha Roberto Lúcio, é recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) que “uma crença espiritual não pode ser considerada algo delirante”.
O assunto é delicado e envolve, como citamos acima, estudo aprofundado. Para aqueles que se identificaram com o assunto e querem mais informações, Roberto Lúcio sugere que busquem o Departamento de Assistência Espiritual do Hospital André Luiz e/ou a Associação Médica Espírita de Minas Gerais.