Acho que nunca li nenhum ensaio filosófico que considerasse a saudade como um tema de relevância reflexiva. Algum filósofo, sério e ocupado demais, já dedicou algumas linhas para levar o debate dessa grande questão existencial?
Pois é disso que se trata. Não apenas da saudade sentida, complexa demais para o raciocínio lógico, mas daquela vivida como impulso profundo, entregue como matéria poética, pois só os poetas são capazes de alcançar os lugares que extrapolam as fronteiras do pensamento.
Pois é disso que se trata. Não apenas da saudade sentida, complexa demais para o raciocínio lógico, mas daquela vivida como impulso profundo, entregue como matéria poética, pois só os poetas são capazes de alcançar os lugares que extrapolam as fronteiras do pensamento.
E era justamente a partir da saudade desses conceitos que somos incentivados a procurar, por meio da sabedoria filosófica, o sentido de nossa jornada existencial. As ideias de Platão nada mais são que um vácuo capaz de nos colocar em busca constante ao encontro de essências. Que me perdoem os acadêmicos, mas mudaria perfeitamente de “Teoria das Ideias” para “Teoria da Saudade”.
Rousseau, quando pensava a respeito do Estado de Natureza, falava de uma imensa saudade que todo ser humano carrega dentro do peito, sentimentos que nos torna iguais: o cuidado de si e o nojo do sofrimento alheio. Sua teoria nada tem a ver com voltar à selva, ou abandonar a sociedade e viver com pouca roupa perto de alguma cachoeira. Ele não é nenhum coaching que pretende te levar para o alto da montanha.
É bem mais profundo. É a crença de que todo ser humano busca duas coisas vitais: a autopreservação e o afastamento da dor, tanto de si quanto de outrem. No entanto, o progresso social, com seus tecidos competitivos envernizou esse íntegro sentir por uma prisão burocrático-técnica, instaurando um contrato social que desprezou essa beleza humana. Mais um filósofo no escopo de uma “Teoria da Saudade”.
É bem mais profundo. É a crença de que todo ser humano busca duas coisas vitais: a autopreservação e o afastamento da dor, tanto de si quanto de outrem. No entanto, o progresso social, com seus tecidos competitivos envernizou esse íntegro sentir por uma prisão burocrático-técnica, instaurando um contrato social que desprezou essa beleza humana. Mais um filósofo no escopo de uma “Teoria da Saudade”.
Ao escrever esse texto acabei me detendo que o título proposto não era apenas uma pergunta para motivar a atenção do caro leitor ou da cara leitora, mas uma grande pergunta vital que, de uma forma ou de outra, acaba permeando a curta existência humana.
Quanta saudade você deixaria? Perceba que não se trata de um querer, pois, se fosse assim, teríamos que mudar pergunta para quanta saudade você quer deixar? É mais que isso, pois depende de uma alteridade que escapa ao nosso controle, na medida em que depende mais do outro que do eu.
Quanta saudade você deixaria? Perceba que não se trata de um querer, pois, se fosse assim, teríamos que mudar pergunta para quanta saudade você quer deixar? É mais que isso, pois depende de uma alteridade que escapa ao nosso controle, na medida em que depende mais do outro que do eu.
A saudade como transferência abstrata de algo que aconteceu, que acontece ou que poderia acontecer é um dos sentimentos mais complexos da alma humana. Não há uma clareza em relação à sua definição, pois pode existir tanto em forma de dor quanto em lastro de alegria. Saudade como ferro quente que marca a pele, mas também como banho de mangueira que refresca o sol de uma tarde quente. É por isso que o conteúdo desse modo de sentir tem relação direta com a construção metafisica que só pode acontecer entre seres que se dispõem, no caminho da vida, a estabelecerem um contato sem a exigência de assinatura, por isso belo e perene.
É preciso não confundir saudade com saudosismo. Essa é uma tarefa de separação muito importante, pois o saudosismo é uma idolatria, canalizando nossas energias para um culto ao passado, nos aprisionando em uma forma de pensar dogmática e única, muitas vezes beirando o fanatismo.
Saudade, não. Como tarefa filosófica ela é permeada de várias nuances, podendo apontar tanto para trás quanto para frente, pedindo de nós um passo mais lento, na elaboração de um luto vivido ou no fortalecimento diante de alguma perda experimentada.
Ao mesmo tempo, pode nos impulsionar para o futuro, carregando nosso peito com marcas, gestos e palavras daqueles e daquelas que nos apontaram um caminho a seguir. A saudade requer resposta existencial e escolhas éticas, o saudosismo só pede obediência cega.
Saudade, não. Como tarefa filosófica ela é permeada de várias nuances, podendo apontar tanto para trás quanto para frente, pedindo de nós um passo mais lento, na elaboração de um luto vivido ou no fortalecimento diante de alguma perda experimentada.
Ao mesmo tempo, pode nos impulsionar para o futuro, carregando nosso peito com marcas, gestos e palavras daqueles e daquelas que nos apontaram um caminho a seguir. A saudade requer resposta existencial e escolhas éticas, o saudosismo só pede obediência cega.
Necessitamos olhar para o rosto das pessoas que nos rodeiam e nos estacionarmos nesse tipo de pensamento. Fico a refletir se aqueles que não deixaram saudade nenhuma existiram de fato, como seres significantes. Tanta gente que se perdeu nos caminhos tortuosos da sociedade do desempenho e, hoje, não existem mais. E talvez aí esteja o cerne da grande questão filosófica que permeia esse sentimento: só a saudade é capaz de vencer a mortalidade inerente à condição humana.
Um dos grandes incômodos filosóficos, que se configura na questão do “nada”, está em torno desse problema: como pode um vivente deixar de ser? Esse “nada” sempre foi uma pedra no sapato dos pensadores. Mais que isso, a nadificação de alguém é um assombro tão grande que, sem esse processo, não haveria sequer religião.
Um dos grandes incômodos filosóficos, que se configura na questão do “nada”, está em torno desse problema: como pode um vivente deixar de ser? Esse “nada” sempre foi uma pedra no sapato dos pensadores. Mais que isso, a nadificação de alguém é um assombro tão grande que, sem esse processo, não haveria sequer religião.
Enfim, talvez a resposta para esse desconforto existencial, transformado em dilema filosófico, possa ser tratada por um comprometido filosofar a respeito das potências inerentes ao fato de sermos seres capazes de sentir e de deixar saudade.
Quem sabe a partir dessa questão filosófica deixemos de lado a preocupação com a bandeira ou a cor do cartão de crédito, com a fama momentânea dos likes ou com os sacríficos e dízimos diários destinados aos santos sem história e passemos a nos perguntar, diariamente, como gesto orante ou reflexão filosófica: quanta saudade eu sou capaz de deixar?