"A humanidade tem uma escolha: cooperar ou morrer. Ou um pacto pela solidariedade climática ou um pacto pelo suicídio coletivo". A afirmação marcou o discurso de abertura do secretário-geral da ONU, António Gueterres, na Cúpula dos Líderes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em novembro deste ano. O alerta sinaliza a gravidade do impacto humano na natureza, causando, por vezes, danos irreversíveis. O cenário de devastação ambiental afeta também a saúde da mente. A preocupação com o futuro do planeta atinge, principalmente, os mais jovens e tem até nome: ecoansiedade.
Esse termo foi primeiramente descrito pela Associação Americana de Psicologia, em 2017, como "medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável das mudanças climáticas, gerando uma preocupação associada ao futuro de si mesmo e das próximas gerações".
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A Organização das Nações Unidas (ONU) define as mudanças climáticas como transformações nos padrões de temperatura e clima. A queima de combustíveis fósseis, por exemplo, gera emissões de gases de efeito estufa, contribuindo para a retenção do calor. Desmatamento de florestas, uso irresponsável da terra, indústria e transportes são outros elementos que emitem gases como dióxido de carbono e metano. Segundo a ONU, as concentrações de gases de efeito estufa estão nos níveis mais altos em 2 milhões de anos. A década entre 2011 a 2020 foi a mais quente já registrada na história da humanidade.
Ansiedade climática sob à luz da psicanálise
A psicanalista Ana Lizete descreve a vida em sociedade atual como "era de traumatismos". "Em termos psicanalíticos, vivemos numa era de traumatismos, ou seja, de muito sofrimento, de muitos choques culturais, desigualdades sociais, ambientais, econômicas. Isso é parte da história da nossa civilização", diz.
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À luz da psicanálise, em vez de apenas entender a ecoansiedade, também chamada de ansiedade climática, como algo patológico, cabe observá-la como "um importante encontro com a consciência do nosso impacto no mundo". Ou seja, para além do trabalho individual em terapias, é necessário o desenvolvimento de redes de apoio e formas de organização enquanto sociedade.
Acerca do impacto humano nas mudanças climáticas, o caminho ideal para combatê-las é a criação e fortalecimento do senso de coletividade. "Não podemos hiper-responsabilizar pessoas ou comunidades que estão sofrendo as consequências das mudanças climáticas", pontua Ana Lizete.
As vivências de ativistas climáticos
A ativista Belle Avon, 21 anos, é estudante de ciências ambientais na Universidade de Brasília (UnB) e conta o que a levou a trabalhar pela defesa do meio ambiente. "A gente passava por uma crise ambiental desde pequena, mas eu não compreendia e não sabia exatamente o que fazer", lembra a integrante do Movimento ecossocialista Bem Viver e Jovens pelo Clima.
O início da pandemia, em 2020, foi o estopim para que Belle identificasse o "senso de urgência" nas questões ambientais. "Hoje em dia, eu continuo atuando para organizar os estudantes pela pauta ambiental, mas de uma forma muito mais politizada e um ativismo que considero mais responsável, que luta pelo ambiente, pelo equilíbrio ecológico, mas sem deixar de lado a justiça social", comenta a estudante.
Como ativista, Belle atuou nas greves globais pelo clima, na estruturação do Jovens pela Clima em Brasília e na construção das comunidades agroecológicas do Movimento Bem Viver. "Para mim isso é muito lindo, porque é colocar na prática tudo o que falamos sobre regeneração do Cerrado, de trazer comidas de qualidade e a ideia de um veganismo popular", conta. Belle lembra, ainda, que a luta indígena no Distrito Federal foi um ponto marcante que a auxiliou na formação como ativista climática.
A estudante ressalta que, além dos impactos ambientais profundos, as mudanças climáticas afetam também a saúde mental. "Isso vai por diversos fatores, como o medo constante de não dar tempo, de vê-lo correndo e os desastres continuando ou de observar que a política mundial não está tendo soluções verdadeiras que consigam mitigar as mudanças climáticas", destaca Belle.
O ativista Eduardo Theodoro, 24 anos, cresceu em chácara e, portanto, sempre teve contato com a natureza. Como estudante de geologia, o jovem ampliou a formação como militante climático. "A geologia está muito preocupada com a extração e utilização dos recursos naturais, então era importante que a gente conseguisse promover um debate no curso sobre como conseguir alcançar isso de forma mais consciente ecologicamente", conta.
A preocupação com o futuro do planeta está presente na vida de Theodoro desde o ensino médio. "Poxa, vou ser adulto e vou precisar guerrear por água?" era uma questões que causavam angústia no então adolescente. Mas a ansiedade se agravou quando o ativista percebeu que o medo não era uma inquietação comum apenas da adolescência.
Assim como na vida da Belle Avon, a pandemia também impactou Eduardo Theodoro. "Me deixou muito ansioso, porque a pandemia era resultado do avanço predatório do ser humano na natureza e que está gerando consequências catastróficas para a gente", afirma.
Nas discursões ambientais, o conceito de "não-retorno" indica o ponto em que as mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global não poderão ser mais revertidas. Para Eduardo, falta compreensão da gravidade dos impactos humanos na natureza, "não só para o futuro, para as gerações que virão, mas é uma ameaça concreta para a nossa vida na Terra", pontua.
Como se manter firme?
A psicanalista Ana Lizete destaca a importância de estar atento à necessidade de buscar ajuda profissional quando for preciso. "O que nos causa medo através de fatores externos, faz uma conexão com as angústias que vem de dentro da gente, ou seja, do passado, da história de cada um, dos complexos, de fatos da vida que não se conseguiu lidar como pais, amores e assim por diante. E quando há esse encontro, ou seja, aquilo que vem de fora se deparar com o que está dentro de mim, podem gerar sintomas mais fortes e intensos como uma depressão, as fobias, compulsões", explica.
No entanto, perante as ameaças reais do futuro do planeta, a especialista aponta um caminho de luta e de organização coletiva. "É preciso lutar, agir, reinventar-se diante das tragédias. E sonhar sempre: sonhar sobre novos arranjos diante do caos atual do planeta, sonhar como um modo de resistência, como uma maneira de reconstruir novos caminhos, como uma estratégia ética e política", diz.
Os ativistas Belle Avon e Eduardo Theodoro corroboram essa perspectiva. Para Eduardo, "só é possível se manter firme na luta". Já Belle frisa a importância da coletividade. "Ter companheiros que lutem com você te mantém na luta, porque haverá momentos que estaremos mais abalados, mas ao mesmo tempo existe essa camaradagem e a coletividade vai nos fortalecendo", pontua a ativista.