A Pandemia e política, uma dobradinha que parece deixar tudo à flor da pele. As eleições no Brasil e a crise com o coronavírus fazem a tensão tomar conta. Seja pela preocupação com a saúde, ou nas cisões que vêm acontecendo nas relações interpessoais pelas diferenças ideológicas, esse é um momento em que as interações estão mais acaloradas – para o bem, ou para o mal.
Depois do hiato com o isolamento causado pela COVID-19, as famílias agora se preparam novamente para os encontros de fim de ano. Com a briga nas urnas e a doença nefasta, o almoço de Natal ganha um ingrediente diferente, um tanto quanto indigesto. Com toda a inquietude que paira no ar, não importa se são parentes ou amigos. A reunião para a data pode ser atrapalhada por desavenças e discussões, mas também existem as pessoas que deixam isso de lado, em nome do respeito à diversidade de opiniões.
O caos político e social, as relações humanas cada vez mais distantes, reativas e movidas a preconceitos, o conflito de gerações. Tudo no microcosmo de um evento genuíno, em que se celebra a paz entre pessoas que não se veem há muito tempo. É o ponto de vista do escritor, publi- citário e jornalista mineiro Tullio Dias. "É muito difícil quando você vê na sua própria família tudo aquilo que combate. Não consigo me sentir confortável com a hipocrisia de passar pano só porque são familiares. Não me dá paz de espírito. Como minhas próprias relações familiares são um pouco complexas, tive que aprender a conviver com essas questões na marra e fica mais fácil defender minha visão e apenas adicionar esse ingrediente no liquidificador de emoções. Não se trata de falta de amor. Reconhecer e apontar as visões tóxicas é um ato de amor. A impressão que fica é que ódio cega demais as pessoas para entenderem isso", diz.
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Na novela “Edifício Alvorada”, o primeiro trabalho de Tullio, lançada em 2021, também disponível na Amazon, ele fala sobre a pandemia por um viés ácido e profano, como denomina. "Falar de coisas universais capazes de causar imensa identificação em qualquer pessoa é muito bom." O resultado são os livros que falam do Natal nesse momento em que a população ainda lida com resquícios da pandemia, com a política tornando tudo mais sensível, e que chegam quase como guias para que o leitor se prepare para o que vai encontrar nos próximos dias. Para isso, o autor aponta o dedo para si mesmo e seu círculo próximo.
Sem contar ele próprio e a esposa, na família de Tullio todos eram a favor de Jair Bolsonaro. Em 2018, na primeira eleição do presidente, ele lembra que as divergências ficaram mais evidentes e, agora, as discussões abrandaram um pouco, por assim dizer, mas isso no caso de seu núcleo mais íntimo, em específico. Ainda sim, conflitos foram inevitáveis. "O que me levou a escrever foi a vontade de falar sobre as discussões familiares motivadas pela política, que ficaram muito comuns nos últimos anos. Têm acontecido muitas brigas, relações vêm sendo cortadas. A ideia dos livros é colocar em pauta esses conflitos, já que toda família tem uma história de briga", conta.
MISTURA EXPLOSIVA
Para Tullio, tudo junto com as confusões que geralmente acontecem em eventos de fim de ano, dessa vez com pitadas de política e pandemia. Quando se pensa no coronavírus, por sua vez, as fake news contribuem para uma mistura ainda mais explosiva. Muitos parentes mostraram uma postura negacionista, questionando vacinas, medidas sanitárias e a própria realidade da doença, Tullio aponta. "Foi-se criando uma realidade paralela, e isso também moti- vou rupturas. Política e pandemia acabaram sendo questões difíceis de ser dissociadas. Muito do que se considera sobre a COVID-19 tem um viés político”, comenta.
A confeiteira Melissa Rios, de 42 anos, é de uma família numerosa. Contando apenas os irmãos da mãe, são 13, além de muitos primos e seus filhos. Eles são de Campo Belo, no Sul de Minas Gerais, e hoje residem, além da cidade de origem, em Belo Horizonte, Alfenas e Goiânia. Uma parte sempre se reúne no Natal, o que não aconteceu em 2020 e 2021, com o coronavírus.
Para o próximo domingo, o en- contro será realizado, finalmente, na casa da mãe de Melissa, em Campo Belo. A confeiteira confessa que está receosa sobre como será o Natal, porque, principalmente quando se trata de política, os pa- rentes têm opiniões muito divergentes, e alguns são mais intensos que outros na defesa de suas convicções.
JUNTOS DE NOVO
Melissa conta que a família é bem dividida – enquanto a maioria, essencialmente do interior, é bolsonarista, de direita, a mãe, por exemplo, é simpatizante do Partido dos Trabalhadores (PT). A confeiteira não escolhe partido – diz que é a favor da democracia e contra atitudes antidemocráticas. "No dia da eleição, foi tenso. E agora, depois de tanto tempo, estaremos todos juntos de novo."
Para ela, ainda que o Natal desse ano tenha esse caráter em parti- cular, também é, ao mesmo tem- po, uma época que desperta sentimentos solidários, de focar no amor ao próximo. Afinal, é o ani- versário de Cristo, lembra. Na opi- nião de Melissa, isso é o que pode conduzir a um encontro tranquilo e harmônico. "A vida já é complicada demais para a gente arrumar mais complicação. Funciona melhor se estivermos todos juntos. O ser humano precisa um do outro."