Como celebração do nascimento de Jesus, o Natal significa a entrada de Deus na essência humana. Está na “Bíblia”. Para os cristãos, Deus veio habitar entre os homens, tornando-se igual a eles e, assim, fazendo também todos iguais na fé e no amor. Mas não é só para o cristianismo. Seja qual for a religião ou a ausência dela, a mensagem é de alegria e confraternização. São momentos para enaltecer a gratidão pela vida. E, por isso mesmo, quando as brigas acontecem, esse sentido é deturpado.
Na família do taxista José Roberto Pinto, de 67 anos, o exemplo é de união. Natural de Ervália, na Zona da Mata mineira, ao todo são nove irmãos, todos casados, com filhos e netos, que já estão na quarta geração. Sempre, no fim de ano, uma parte se reúne para as festas em Canaã, na mesma região de Minas, na casa de uma das irmãs de José.
Eles ainda estão decidindo se o encontro de Natal vai acontecer este ano, depois do intervalo dos dois últimos anos devido à pandemia. O taxis-ta lembra a máxima que é seguida à risca entre os parentes: política, futebol e religião não se discutem. "Alguns são Bolsonaro, outros Lula. Mas ninguém fica cutucando um ao outro. Não falamos de política, e isso aconteceu naturalmente, sem nenhuma influência externa. O que considero necessá- rio. E o Natal é uma época para lembrar o respeito, para manter a paz", diz.
"Somos seres sociais e, assim, temos uma tendência em estabelecer rela- ções sociais e afetivas. Com a questão política e pandêmica, algumas relações estiveram estremecidas, mas também sabemos que há quase uma convenção social nas festividades de fim de ano. A polarização que observamos por moti- vos políticos, não dá certo em nenhuma relação humana", pondera a psi- quiatra Ana Paula Brasil.
“É necessário recuperar a capacidade de falar o que se pensa, e também ouvir o que o outro pensa. Para isso, o diálogo é primordial. Com as questões políticas, muitas pessoas passaram a viver uma espécie de luto, uma vez que as divergências culminaram em rupturas de rela- ções que antes eram fonte de apoio e amor. Isso não é fácil de elaborar. Todos esses aspectos podem causar sofrimento psíquico”, chama a aten- ção Ana Paula.
O Natal é, por si só, momento em que as pessoas estão mais sensíveis. A pandemia e a política, também temas polêmicos, ajudam a potencializar emoções, seja para o bem ou para o mal. "Questões que nos fazem consi- derar a nossa fragilidade, ou ainda determinar um ponto de vista por vezes de forma mais enérgica são suficientes para mobilizar o nosso emocional.
A época natalina pode ser vista como uma oportunidade de reencontro ou, ainda, serve para reacender a chama de discussões saudáveis, mesmo que com opiniões opostas", acrescenta Ana Paula.
TOLERÂNCIA
“Diante de acontecimentos recentes”, continua a psiquiatra, “têm ocorrido brigas, sentimentos de ódio mais presentes, que se espa- lham devido a visões diferentes de mundo, não só pela política, mas por questões religiosas, sociais e raciais, por exemplo. É um caminho delicado. É preciso entender e mudar. Por mais que compreendamos diferentes formas de se ver a vida, o mais importante é perceber que não se acaba com conflitos com mais ódio e rancor. Somente com a tolerância e com a paz seremos capazes de retomar o equilíbrio”, diz.
E essa é justamente a mensagem do Natal. "De paz, tolerância e compreensão. Jesus Cristo foi o maior político conciliador que já existiu, pois sempre esteve atento ao outro e às suas dificuldades", reforça.
A superação de divergências representa um desafio individual, e é importante ter abertura para ouvir o outro, afirma a especialista. "Em festividades como o Natal, temos a oportunidade de celebrar o fato de estar vivos e junto daqueles que amamos. Diante de tantas dificuldades que estamos passando, ga- nhou uma importância ainda maior", aponta.
Para Ana Paula, discussões acaloradas não costumam combinar com o espírito natalino. E, ainda que se acredite que futebol, religião e política não se discutem, é saudá- vel que o homem, como ser pensante e social, discuta e dialogue sobre o que experimenta. Mas ambientes de confraternização não são os melhores para debates tão acirrados, ela pondera.
"Estratégias e acordos que a própria família estabelece, antes das comemorações, como evitar assuntos polêmicos, podem ser úteis. Evitar rotular as pessoas ou generalizar ideias ou pontos de vista também é preciso. Além disso, se considerarmos que ainda estamos nos refazendo de tantas perdas que tivemos com a pandemia, as chances de estar bem e unidos são únicas, e devem ser apro- veitadas com amor e respeito.”
Fuja da depressão de fim de ano
Estamos a uma semana do Natal. Nesta época, a felicidade parece estar no ar. Ela aparece nas luzes coloridas dos shoppings, nas praças enfeitadas e nas propagandas de TV, que vendem, a todo instante, a ideia de que se deve ficar feliz neste período, no melhor estilo ‘gratiluz’ e good vibes. Há ainda a pressão da família, dos colegas e dos amigos, o que acaba provocando um desgaste paradoxal: pessoas ficam infelizes porque se sentem na obrigação de estar “bem”, “para cima”. Prova disso é que o Centro de Valorização da Vida (CVV) divulgou que, no mês de dezembro, principalmente durante o período de datas comemorativas, as ligações de pessoas pedindo ajuda costumam aumentar 15%.
Segundo a psicóloga Adriane Pedrosa, essa depressão de fim de ano pode acontecer devido ao simbolismo que o período carrega. “Nesta época, as pessoas costumam refletir sobre tudo o que fizeram. Geralmente, quando o saldo não é muito positivo, elas tendem a se frustrar, ficar mais tristes. Muitas, inclusive, acabam sucumbindo, pois não conseguem se deparar com essa fragilidade e o sentimento de impotência ou fracasso”.
A especialista, que faz parte da equipe interdisciplinar da Cetus Oncologia, acrescenta ainda que o mundo de aparências das redes sociais também pode despertar um sentimento de exclusão em várias pessoas que não se sentem envolvidas pelo midiático ‘espírito natalino’. “Elas vendem muitos clichês. O comércio, de modo geral, se apropria disso e cria a necessidade do consumo exagerado. Com isso, a sensação que se tem é de que a felicidade só está naquilo que aparece e é visível aos olhos dos outros: no closet cheio de roupas novas, nos posts mostrando as fotos do réveillon na praia. Logo, quem se sente à margem desse sistema opressor, infelizmente, fica mais vulnerável”, ressalta. Há ainda, segundo ela, os casos em que as pessoas acabam comprando em excesso, nessas datas, apenas para camuflar as tristezas, decepções e inseguranças diante da vida.
Como lidar com essa época? Para Adriane, a melhor forma para quem deseja minimizar a sensação de depressão e tristeza que pode surgir nesta época de festas ou não ser tomado pela onda exacerbada de consumo só para se sentir inserido socialmente é entender que a verdadeira felicidade não é algo tangível, que se compra ou vem de fora. “Quem está se sentindo vazio por achar que ela é medida por aquilo que temos e não somos, deve começar aos poucos, ter pequenas atitudes de gentileza no dia a dia, inclusive com pessoas desconhecidas, e não focar apenas em si”.
O trabalho voluntário em instituições filantrópicas, segundo a psicóloga, pode ser uma alternativa nesse caminho. “Quando ajudamos os outros de forma genuína, começamos a nos sentir mais úteis e a buscar os pequenos prazeres em algo que está dentro de nós e não nas circunstâncias ou nos outros”, pontua.
Ainda de acordo com a psicóloga, a partir do momento em que desenvolvemos essa postura humana, vamos nos nutrindo com sentimentos mais positivos, capazes de preencher a alma, como o amor, a bondade e a resiliência. “O final do ano e a forma midiática como ele é vendido são algo que sempre vai existir. O mais importante é tentarmos entender que esse momento é só uma convenção estabelecida em calendário. O que deve mudar é a nossa postura, ou seja, como encaramos essa passagem e de quais forças iremos precisar para superar insucessos, traumas e até perdas, que vão além de Natal e réveillon.