O jejum intermitente, que consiste em alternar períodos sem comer e se alimentando, é conhecido e praticado principalmente entre as pessoas que almejam perder peso. Porém, pesquisas recentes têm demonstrado outros benefícios desse tipo de dieta: ela também pode ajudar a evitar e a reduzir impactos de doenças como diabetes, câncer e até a COVID-19.
No mais recente estudo, divulgado, na última quarta-feira (14/12), no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, foi constatado que indivíduos que adotaram esse tipo de regime alcançaram a remissão completa do diabetes tipo 2 por pelo menos um ano após interromper a medicação para a doença metabólica.
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Natal, sim! política, não! Como interagir nas festas de fim de ano'Morte lúcida': as pessoas com nível de consciência quando o coração para'Passei por seis médicos até descobrir câncer aos 25 anos'Especialista alerta para pontos positivos e negativos do jejum intermitentePor que sentimos que o Natal chega mais rápido a cada anoHérnia de disco: o que é, causas, sintomas e tratamentosPesquisa: fazer refeições com amigos e familiares ajuda a evitar tensãoDepois do período, cerca de 90% reduziram a ingestão de remédios prescritos para tratar a doença. Além disso, 55% tiveram remissão do diabetes - quando ele fica sob controle sem o uso da medicação. Para os autores, as respostas obtidas desafiam a visão convencional de que essa condição só pode ser alcançada nos casos em que a doença é mais recente, quando diagnosticada há até seis anos. Na pesquisa, 65% dos participantes que alcançaram a remissão do diabetes tinham mais de seis anos de diagnóstico.
"Os medicamentos de diabetes são caros e uma barreira para muitos pacientes que estão tentando controlá-lo com eficácia. Nosso estudo viu os custos com medicamentos diminuírem em 77% em pessoas com diabetes após o jejum intermitente", detalha o autor da pesquisa, Dongbo Liu, da Hunan Agricultural University in Changsha, na China.
Médico pós-graduando em nutrologia, Hugo Gatto pondera que a remissão da doença pode não ser duradoura. "Levando em consideração que esse tipo de jejum não assegura o estilo de vida do paciente como um todo, ele não pode garantir a remissão permanente da diabetes tipo 2", justifica.
A endocrinologista da Michigan Medicine Amy Rothberg sugere que a abordagem experimental seja feita com outras populações usando alimentos culturalmente adaptados para os cinco dias de restrição calórica mais agressiva. "Outro estudo deve ser realizado em uma população maior e mais diversificada antes de defender essa abordagem para a população em geral com o diabetes tipo 2", indica.
Câncer
Pesquisadores do Centro Nacional de Investigações Oncológicas (CNIO), na Espanha, também apresentaram resultados de um estudo com jejum intermitente que foge dos padrões. De acordo com o artigo, apresentado em um congresso sobre dieta e câncer do CNIO, os hábitos alimentares estão por trás dos tipos mais comuns de tumores, principalmente gastrointestinais, de mama ou próstata.
Eles propõem uma "mudança de paradigma" para enfrentar esses tumores. "Atuar na nutrição não apenas para prevenir o câncer, mas como uma intervenção terapêutica. Não se trata de curar a doença através da dieta, mas de complementar o tratamento com estratégias nutricionais precisas", diz, em nota, Marcos Malumes e Nabil Djouder, autores do estudo.
Valter Longo, do Instituto de Oncologia Molecular da Itália e também autor da pesquisa, explica que eles conseguiram esclarecer o que acontece nas células durante o jejum e por que isso pode ajudar a interromper os tumores. "As células tumorais não sabem como parar seu ciclo, elas estão funcionando continuamente. Já as saudáveis, se você corta o fornecimento de energia, elas param automaticamente todos os processos de divisão", assinala.
Dessa forma, como a quimioterapia é voltada principalmente para as células em proliferação, se administrada em jejum, sua toxicidade afetará principalmente as células tumorais, podendo até aumentar a dose da quimioterapia, melhorando o resultado do tratamento do câncer.
Risco de transtornos
Mesmo com todas as vantagens do jejum intermitente, a prática ainda não é consenso entre os especialistas. Na visão dos que não indicam a dieta, ela pode gerar problemas a longo prazo. Isso ficou comprovado por um estudo publicado na Eating Behaviors com dados de mais de 2.700 adolescentes e jovens adultos do Canadá.
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Os pesquisadores da Universidade de Toronto constataram que o regime estava ligado a comportamentos alimentares irregulares em todas as mulheres analisadas, incluindo compulsão alimentar e outras reações compensatórias, como vômitos e exercícios compulsivos. Entre os homens, aqueles que praticavam jejum intermitente também eram mais propensos a relatar os mesmos problemas, apesar de não serem a totalidade dos casos.
Segundo os pesquisadores, os resultados fornecem um alerta aos profissionais de saúde sobre a recomendação desse tipo de regime como meio de perda de peso. "Precisamos de mais educação em ambientes de saúde e maior conscientização na cultura popular, incluindo a mídia social, sobre os danos potenciais do jejum intermitente. Nesse ponto, os benefícios propostos ainda não são claros e não são apoiados por pesquisas, e os danos potenciais estão se tornando mais evidentes", alerta o autor do estudo, Kyle T. Ganson, da Universidade de Toronto.
Endocrinologista do Instituto de Diabetes e Endocrinologia de Brasília, Márcio Garrison Dytz destaca outros prejuízos emocionais e cognitivos da prática. "Na mudança do padrão alimentar para o jejum intermitente, muitas pessoas experimentam sensação de fome, irritabilidade e redução da capacidade de concentração. É esperado melhora desse quadro após pelo menos 30 dias da mudança alimentar", disse.
Prática demanda cuidados
"Deve-se ter maior cuidado nessa prática alimentar em pacientes idosos, pessoas com comorbidades, como osteoporose, diabetes - especialmente se em uso de insulina -, e sarcopenia. Isso porque o quadro de cetose induzido pelo jejum intermitente pode acarretar perda de massa magra, perda óssea, além de predispor a uma descompensação aguda do quadro do diabetes. É fundamental discutir com um endocrinologista se essa estratégia é adequada para o perfil do paciente."
Marcio Dytz, endocrinologista do Instituto de Diabetes e Endocrinologia de Brasília
Proteção também contra a COVID grave
Estudos voltados para os impactos de regimes alimentares ganharam um novo foco a partir de 2020: as questões nutricionais e a COVID-19 se relacionam. Assim, pesquisadores da Intermountain Healthcare descobriram que pacientes que testaram positivo para o Sars-CoV-2 e faziam jejum regularmente pelo menos uma vez ao mês apresentavam uma taxa menor de hospitalização ou morte por complicações da doença.
"O jejum intermitente não foi associado ao fato de alguém ter testado positivo ou não para covid, mas à menor gravidade, uma vez que os pacientes estavam infectados", explica Benjamin Horne, diretor de epidemiologia cardiovascular e genética da Intermountain Healthcare e autor do estudo, publicado no BMJ Nutrition, Prevention & Health.
Uma das razões para explicar essa associação entre o jejum e a menor taxa de complicações da COVID é o fato de a dieta ser capaz de diminuir a inflamação do corpo, que está relacionada a problemas de saúde causados pela doença. Além desse benefício, o regime alimentar promove a autofagia, que é considerado o sistema de "reciclagem" do corpo - um processo celular capaz de destruir células danificadas e infectadas.
Jason M. Nagata, da Universidade da Califórnia e pesquisador da área, também chama a atenção para aspectos comportamentais relacionados ao isolamento social desencadeado pela crise sanitária. "As associações encontradas entre o jejum intermitente e os comportamentos de transtorno alimentar são particularmente salientes, dado o aumento significativo desses transtornos entre adolescentes e adultos jovens desde o início da pandemia."
Por outro lado, o endocrinologista do Instituto de Diabetes e Endocrinologia de Brasília, Márcio Garrison Dytz Márcio Garrison Dytz lembra que, no contexto da COVID, o jejum intermitente pode ser uma estratégia para induzir perda de peso, redução nos marcadores inflamatórios e, dessa forma, reduzir o risco do quadro grave da doença. "Mas caso a pessoa com obesidade esteja com quadro agudo de covid, essa estratégia alimentar não deve ser adotada nesse momento", alerta.