Para algumas pessoas o fim do ano com celebrações e encontros pode ser um período melancólico. Existe até um termo em inglês para isso - "holiday blues", algo como "tristeza de final de ano".
Não é um diagnóstico, nem um termo técnico, mas é relativamente comum. O blues significa melancolia, a pessoa pode ficar mais triste, ansiosa e com a sensação de desconforto, principalmente com a chegada das festas de fim de ano.
"Pode ser causado por um luto ainda mal resolvido, preocupação financeira, necessidade de encontrar desafetos em eventos familiares, história de conflitos prévios nesses períodos, mesmo que ela não seja o foco deste, mas acaba presenciando outros", explica Marcelo Daudt von der Heyde, psiquiatra, professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
Como é algo sazonal, pode passar depois dessas épocas mais festivas. No entanto, merece atenção quando se estende para o convívio com familiares e passa a interferir no dia a dia.
Há ainda quem não goste de celebrar certas datas simplesmente por não curtir determinados padrões impostos pela sociedade e isso também deve ser respeitado.
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"Existem pessoas que são um pouco avessas a essa determinação social. Tem pessoas que são mais introvertidas e que não são tão influenciáveis com o que está acontecendo ao redor. Geralmente, elas são mais avessas no geral", destaca Valéria Tinoco, psicóloga e especialista em Luto do Instituto de Psicologia 4 Estações, em São Paulo.
Melancolia é "normal"
Embora não atinja todas as pessoas, o sentimento de melancolia pode ocorrer nesta época e tem a ver com fim de ciclos.
Isso ocorre, principalmente, pela dificuldade enfrentada ao vivenciar fins e terminar algo pendente. "A pessoa pensa que chegou mais um ano e não atingiu aquilo que queria e tem aquela sensação de que não é mais possível fazer algo. Mais um ano se passou", diz Tinoco.
Segundo a especialista, a sensação também é bem comum em aniversários, que trazem ideia de tempo passado e aproximação com a morte.
Rafaela Cardoso de Mattos, psicóloga da Vibe Saúde e com pós-graduação pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP-USP), também chama atenção para as relações laborais que potencializam esses sentimentos neste último mês.
"Há uma sobrecarga de muitas conclusões e prazos no trabalho. Também notamos que não atingimos as metas que havíamos estipulado no início", diz.
Lutos e traumas aumentam essa sensação
Sentimentos de melancolia e tristeza podem se intensificar se um indivíduo está vivendo processos de luto. Geralmente, datas comemorativas são gatilhos e, consequentemente, podem deixar as pessoas mais emotivas.
"Hoje não se pensa mais em um tempo adequado para o luto ser resolvido, pessoas que já estão bem há muitos anos podem ter lembranças, ficam momentaneamente mais tristes e com um aspecto mais saudosista e de tempo limitado", afirma Heyde.
Pessoas que durante a infância e adolescência estavam em ambientes mais conflituosos têm uma tendência maior a ficarem com o holiday blues, mesmo que ela seja apenas uma espectadora do conflito.
Isso é provocado pelo condicionamento que acontece naturalmente em nossos processos psíquicos e por terem memórias traumáticas de anos anteriores.
Dessa forma, se reunir, trocar presentes e festejar pode trazer ainda mais sofrimento."Estamos falando de adultos que não conseguiram elaborar e celebrar. Porque têm adultos que passaram a vida e a infância assim", diz Tinoco.
Pessoas depressivas estão mais expostas
Quem tem depressão tende a ter mais dificuldade em seguir com encontros e comemorações, principalmente em dezembro.
Falar da vida pessoal, ter que lidar e fazer resoluções podem piorar o quadro de quem está em tratamento ou até não apresenta sintomas da doença nos últimos anos.
"Quem tem depressão tem uma tendência muito aumentada em dar significados negativos aos eventos, e portanto tem uma chance aumentada de ter o holiday blues, bem como de ter piora do quadro depressivo. Neste caso, além do desconforto tem a perda da funcionalidade em geral e o sofrimento é muito maior", diz o psiquiatra.
Nos transtornos de humor, principalmente os de depressão persistente e transtorno bipolar, é comum ter uma sazonalidade. No hemisfério norte isso é amplificado pela redução da luminosidade, pelo fato destas datas serem no auge do inverno, o que causa a depressão sazonal.
Porém, a sazonalidade não está restrita a este aspecto, tanto por motivos biológicos, como por motivos biográficos, destaca o psiquiatra da PUC Paraná.
Um indivíduo que tem depressão também pode apresentar uma piora do quadro no fim do ano por não conseguir se divertir nesses momentos, fenômeno que é conhecido como anedonia.
Ele também pode apresentar uma tendência em ter memórias negativas dos anos anteriores ou simplesmente sentir-se triste sem um gatilho aparente.
COVID potencializou sensação de tristeza
Passados três anos desde os primeiros casos de COVID-19 no mundo, ainda há muitas pessoas que tendem a sentir-se mais tristes devido às consequências da doença.
A infecção causou um aumento da mortalidade e prejudicou o ritual de despedida antes e depois do falecimento de um ente querido, aumentando o índice de luto duradouro. Por causa do isolamento, a rede de suporte que, geralmente, daria apoio a quem perdeu alguém próximo, também ficou limitada.
De certa maneira, memórias ligadas à doença aumentam a melancolia nas pessoas, já que muitas não irão celebrar com familiares ou estavam, justamente, passando por um momento delicado no ano anterior.
"Foi um momento de muito estresse. Faz também com que as pessoas estejam mais carregadas, mais deprimidas e não tenham motivos que queiram celebrar. Tem pessoas que foram afetadas e que ainda podem estar sofrendo as perdas e o luto durante esse período", afirma Tinoco.
Tem como tratar?
Mesmo não sendo considerada uma doença, essa tristeza de fim de ano pode ser tratada e merece atenção. Quando os sentimentos começam a interferir na rotina e prejudica pessoas do convívio, é recomendado o acompanhamento com profissionais de saúde como psicoterapeutas.
Se houver comprometimento da funcionalidade ou os sentimentos forem mais graves, é necessário avaliar se não está com um quadro depressivo, que necessita de uma abordagem clínica, podendo ser usado algum medicamento.
Em relação ao holiday blues "puro", o trabalho é mais de buscar significados diferentes para esses eventos, de criar estratégias de enfrentamento para dar vazão aos sentimentos negativos e evitar comportamentos compensatórios não saudáveis, como abuso de substâncias ou isolamento social.