O chef Rodrigo Oliveira, que comanda o restaurante Mocotó, em São Paulo, deu a largada para uma ação que pode virar tendência no circuito gastronômico da cidade: um menu completo especial (petisco, entrada, prato principal, sobremesa e drink não alcoólico) com baixíssimo teor de gordura e açúcar, a fim de adequar a gastronomia sertaneja à restrita dieta alimentar de pessoas com síndrome da quilomicronemia familiar (SQF), uma doença rara.



"Esse menu é prova de que nossa culinária também pode ser leve, saudável, inclusiva e agradar paladares exigentes", diz o chef Rodrigo Oliveira

(foto: Arquivo Pessoal)
"Eu me desafio a todo momento e esse menu é prova de que nossa culinária também pode ser leve, saudável, inclusiva e agradar paladares exigentes", conta Rodrigo, que ainda alterou o nome do tradicional estabelecimento, instalado há 49 anos na Vila Medeiros, na zona Norte da capital paulistana, para Mocotó SQF, pela campanha Comer sem medo.

A iniciativa tem por objetivo gerar conhecimento sobre a doença, bem como a necessidade do diagnóstico precoce e os cuidados adequados. A síndrome de quilomicronemia familiar é uma doença hereditária que eleva muito os níveis de triglicerídeos no sangue, causando, entre outras complicações, crises de pancreatite e, dependendo da gravidade, pode ser letal.

"Comer é um ato social e deveria ser prazeroso. Para quem tem SQF, isso pode se tornar desafiador e até angustiante. Queremos garantir que essas pessoas tenham longevidade e mais qualidade de vida", explica Rogério Silva, vice-presidente e gerente geral da PTC Therapeutics no Brasil, biofarmacêutica global, parceira do Mocotó na campanha.



Também foi lançado o livro Descobrindo novos sabores: receitas práticas e regionais especialmente adaptadas para SQF, em colaboração com nutricionistas. A edição traz opções de pratos com baixo teor de gorduras, fáceis de serem desenvolvidos mesmo por quem não tem muita experiência na cozinha.

A SQF

A SQF é uma doença rara e hereditária de modo recessivo, ou seja, a pessoa afetada precisa herdar de ambos os pais os genes alterados para desenvolvê-la. Sendo assim, se pai e mãe carregam o gene alterado, cada filho do casal tem 25% de chance de ser afetado pela doença.

Estima-se que a doença afeta entre uma e duas a cada 1 milhão de pessoas no mundo e ainda não há dados oficiais de prevalência no Brasil, informa a cardiologista pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP) e professora do setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Maria Cristina Izar.



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A cardiologista Maria Cristina Izar explica que a doença pode ser mais frequente quando acontece o casamento entre consanguíneos

(foto: Arquivo Pessoal)
A doença se caracteriza por uma falha no gene responsável pela produção da enzima lipoproteína lipase (LPL), ou por falhas em outros genes associados à função da LPL, que tem o papel de metabolizar os triglicérides. Com isso, ocorre um acúmulo de quilomícrons, que são partículas de gordura que transportam os triglicérides pelo sistema sanguíneo.

"É um erro inato do metabolismo, mas pode ser também relacionada a defeitos em outros cofatores que participam da ativação da lipase. A doença pode ser mais frequente quando acontece o casamento entre consanguíneos, como entre primos", explica a especialista. Esse excesso de gordura eleva muito as taxas de triglicérides, desencadeando dores abdominais, pancreatites, alterações nos vasos da retina e hepáticas, diarreia, diminuição das plaquetas e lesões cutâneas, chamadas xantomas eruptivos.

"O paciente em geral tem baixa estatura, mas isso não é obrigatório, e tem um índice de massa normal. Pode ter deposição de gorduras nos tecidos, embaixo da pele, no dorso, no abdômen, na região glútea, em membros superiores e inferiores. Também pode ter alterações comportamentais e neurológicas não muito bem explicadas. Aumentos do fígado e do baço podem ocorrer, e a complicação mais grave é a pancreatite", ressalta Maria Cristina.



Além dos exames de sangue, explica a cardiologista, para se confirmar o diagnóstico é fundamental o teste genético. Existem medicamentos indicados para a doença, mas a principal estratégia de tratamento é manter uma alimentação equilibrada. O paciente deve se submeter a uma dieta muito restrita por toda a vida, normalmente de até 20 gramas de gordura por dia.

"A dieta é baseada em restrição de gorduras e carboidratos de rápida absorção, ingestão de grãos integrais, alimentos lácteos desnatados, carnes magras. Muitas vezes, é necessária a suplementação de vitaminas e ácidos graxos essenciais e, como a dieta pode levar a perda de peso, também a suplementação de triglicérides de cadeia média. Importante ainda evitar álcool e o tabagismo", acrescenta a médica.

Maria Cristina cita nova terapia para combate à SQF, que reduz em mais de 77% os níveis de triglicérides circulantes. "Mas deve estar associada à dieta balanceada, com acompanhamento de nutricionista", recomenda.

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