A ideia de que a vida pode ser controlada é uma ilusão – ninguém tem poder de evitar determinadas situações, e é assim: não só sucesso, mas não só fracasso, aponta a psicóloga, neuropsicóloga e palestrante Janusa Silvério. Quanto mais inteligência emocional, mais capacidade a pessoa tem para lidar com as adversidades, ensina. Importante é acolher o momento da crise, o que não quer dizer cair no conformismo, pontua.
"Esse processo da aceitação, que inclusive é um dos pilares do mindfulness (atenção plena), significa ter mais consciência da situação de dificuldade, e trabalhar esse momento com paciência, resiliência, autocompaixão e aprendizado. Reconhecer que o problema existe é fundamental; caso contrário, vira uma fuga. Mas é preciso pensar a vida além da crise", recomenda.
Ela salienta que o estresse e a ansiedade, grandes vilões na sociedade moderna, não são sinônimos, ainda que tenham uma relação direta. O estresse é mais proveniente de um esforço demasiado, de um acúmulo de tensões, enquanto a ansiedade é mais ligada a uma preocupação com o futuro. O que torna um ou outro patológico é a intensidade com que são sentidos e manifestados, já que, dentro de um equilíbrio, podem ser até produtivos.
"Uma ansiedade normal pode ser protetora e motivadora. Mas, excessiva, traz inúmeros prejuízos à saúde, física e psíquica, como dor de cabeça, problemas de pele, queda de cabelo, doenças crônicas, tristeza, choro fácil, baixa energia, alterações na libido, no apetite, no sono, desequilíbrios digestivos, irritabilidade, bruxismo, sudorese. São sintomas que precisam ser avaliados para saber se é ansiedade mesmo, porque também indicam outros distúrbios", pondera Janusa.
Importante é entender que nenhuma crise dura para sempre, é algo passageiro, reforça a psicóloga. "Uma emoção que sempre aflora em momentos de crise é a tristeza e, por mais que seja um sentimento que queremos evitar, podemos aprender com ela. Quando tristes, ficamos mais reclusos, e mais reclusos pensamos mais nas nossas questões internas. Dessa forma, criamos novas estratégias para novas mudanças. Fundamental entender que aquele momento não é o fim. Podemos sair da crise mais fortes e amadurecidos."
Outra forma harmoniosa de lidar com as dificuldades é, para Janusa, não perder a esperança, o otimismo e a fé. E, para quem gosta de reclamar, ela diz que esse é um hábito altamente nocivo que, além de não resolver nada, prejudica o cérebro, afasta as pessoas, e contamina o ambiente. "Estudos comprovam que o hábito de reclamar altera a estrutura cerebral, diminuindo o hipocampo, que é uma área responsável pelas emoções, memória e aprendizado. Uma maneira de ficar livre desse 'vício' é treinar a mente ao contrário, e exercitar a gratidão", reforça.
E, pensando que o homem é um ser biopsicossocial e espiritual, investindo nesses quatro eixos grandes mudanças tendem a acontecer. "O alívio dos problemas tem mais chance de acontecer se a pessoa decidir sair do piloto automático, dessa maneira de viver que só repete padrões equivocados", indica.
Bons relacionamentos Afinal, é possível transformar tempos de crise emocional em uma receita de vida para usar em outros momentos? "Tudo vai depender do aprendizado extraído no momento da crise. E o aprendizado é subjetivo", responde Janusa. Também ter relacionamentos sadios, bons e sinceros amigos ajuda a preservar a saúde mental, acrescenta a psicóloga. "São uma rede de apoio, nos tornam pessoas mais empáticas e não dão a sensação de bem-estar e prazer. É nas relações com os amigos que é estimulada a ocitocina, hormônio que faz parte do 'pacote dos neurotransmissores' e está relacionado com a felicidade", diz.
Janusa reforça que a emoção é algo natural e universal. Nojo, raiva, medo, tristeza e alegria são algumas delas, básicas, e surgem independentemente do desejo. "A questão principal é a forma como lidamos com cada uma delas. Aí que entra a razão, o que podemos chamar também de gestão das emoções. Não é problema senti-las, o equilíbrio ou não vem da maneira como são expressadas, colocadas para fora. O ponto-chave é o equilíbrio."
Obstáculos para nova trajetória profissional
"A vida pode dar muitas reviravoltas e nem sempre é fácil, principalmente para mulheres que escolhem viver de acordo com o que acreditam", diz a empresária no marketing médico Jessica Andrade de Paula , de 35 anos. O momento desafiador que experimentou tem a ver com as escolhas na carreira.
É de uma família de empreendedores – os pais têm uma pequena fábrica de calçados e, como toda pequena empresa no Brasil, enfrentaram dificuldades. Jessica graduou-se em administração e zo- otecnia em 2011 e, ainda na época da faculdade, trabalhou em uma multinacional, morou em outros estados, com a atuação voltada para o ramo de vendas. Mas, em determinado ponto, começou a sentir que aquele não era seu lugar.
"Depois de começar minha primeira pós-graduação, em marketing, chutei o balde e decidi mudar de área e empreender. Comecei do zero. Trabalhando sozinha, montei um portfólio e fui literalmente bater de porta em porta nas empresas na rua", lembra. Para Jessica, foi uma época desgastante – era difícil ser ouvida por pessoas que não a conheciam. Até os clientes começarem a aparecer e as coisas fluírem realmente, ela experimentou dificuldades.
"Me sentia inútil, sem perspectivas, sentia vergonha dos outros, da família em especial. Chorava escondido, era muito maltratada pelas pessoas que me recebiam nas empresas, o que me fazia às vezes duvidar de mim, da minha capacidade. Pedi para meu esposo me acompanhar em algumas visitas e, quando ele estava e fazíamos reuniões com empresários do gênero masculino, alguns se dirigiam somente ao meu esposo, o que reforçava minha insegurança", relata.
O ano era 2015. Jessica se lembra das noites maldormidas. Mais tarde, foi diagnosticada com ansiedade e depressão, e só cinco anos depois começou a tomar medicação. Rezava muito e diz que o apoio do marido foi fundamental para aliviar os problemas. "Ele me colocava pra cima, me ajudava a enxergar as coisas com olhos mais felizes. Isso me ajudou muito."
Quando esteve no médico, em 2020, o especialista explicou que sua ansiedade era tamanha que já interferia no sono, na alimentação e na vida social. "Tentamos alguns fitoterápicos, mas não resolveu. Então, iniciei o tratamento com medicamentos e terapia."
Tudo melhorou com o tempo, e a empresa própria, a Andrapa Soluções, que atua na área do marketing médico, prosperou. "É claro que não é tudo mil maravilhas. Devido ao estresse, desenvolvi um bruxismo alarmante, ainda faço uso de medicação. Não é fácil, e a responsabilidade é grande. Ainda assim, sinto que estou no lugar certo, amo o dinamismo e os desafios diários", conta.
Para Jessica, não foi fácil iniciar a nova trajetória profissional e começar do zero, mas acreditar que poderia fazer a diferença na vida das pessoas com seu trabalho, ela diz, fez com que se mantivesse resiliente. "Desde então, não parei mais, me especializei ainda mais na área comercial e marketing. Sou muito grata por tudo que construímos até aqui", agradece.
Seis passos para lidar com as crises*
1) Analise suas emoções
É preciso compreender de forma racional as circunstâncias em que a crise se passa. Esse é o primeiro passo. Dica: para isso, reflita sobre a crise para distinguir emoções da razão. Se precisar, anote ou procure alguém de confiança para compartilhar o que sente
2) Foque no autoconhecimento
Parece clichê, mas quem passa por uma crise deve reconhecer os próprios sentimentos e buscar práticas que aliviam a dor. Dica: tente se lembrar de outras situações vividas que conseguiu superar, preencha a mente com qualidades e afirmações positivas sobre si mesmo, pense bem antes de tomar uma decisão e busque ajuda profissional
3) Faça amizade com o tempo
A máxima de que o tempo cura tudo é um sinônimo de amadurecimento. Faça uma análise da crise sofrida, pondere se outras pessoas da mesma idade ou momento de vida geralmente passam por isso. Dica: ouça ou leia histórias de amadurecimento psicológico e superação para se fortalecer no outro. Tente não se cobrar tanto e converse com pessoas mais experientes, aprenda a ouvir queixas e críticas de forma construtiva, menos com a emoção e mais com a razão
4) Reveja sua relação com o próximo
Se alguém específico foi a causa da sua crise emocional, essa orientação é indispensável. Dica: procure refletir se ainda existe algum sentimento de rancor pela pessoa que feriu você, o quanto ainda a machuca e que lições podem ser tiradas dessa experiência – escreva se achar melhor
5) Viva mais leve (promova a paz)
Hábitos simples podem fazer a diferença. Dica: desconecte-se das redes sociais por algumas horas ou dias, tente não pensar nos problemas e afazeres por alguns instantes, respire e inspire devagar por cinco vezes, escolha uma lembrança, imagem ou objeto que lhe traga paz e foque nela antes de se reconectar
6) Monte a sua receita emocional
Pratique todas as dicas acima e seja criativo, adapte-se à sua realidade e veja o que funciona melhor para você. Assim, poderá montar própria receita para seguir quando surgir outra instabilidade
Fonte: Marcela Bezerra Dias, psicóloga e psicopedagoga
* A proposta de Marcela com a receita emocional não é substituir a necessidade de tratamento psicológico. A quem passa por momentos dolorosos, ela orienta unir as abordagens: buscar um psicólogo ou psiquiatra e, juntamente com o acompanhamento profissional, colocar em prática o passo a passo, na intenção de acelerar o processo de alívio psíquico ou de cura
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