Beba café e viva mais. É o que diz um estudo publicado na revista da Sociedade Europeia de Cardiologia. Os benefícios para a saúde cardiovascular encontrados pelos autores não se limitam à cafeína: a versão descafeinada também foi associada à redução da incidência e morte por doenças como insuficiência cardíaca congestiva e acidente vascular cerebral (AVC). Segundo o estudo, que inclui dados de 449.563 pessoas acompanhadas por 12,5 anos, o consumo moderado da bebida, seja moída ou instantânea, pode ser aliado de um estilo de vida saudável.
O estudo, do Instituto Baker de Pesquisas sobre Diabetes e Coração de Melbourne, na Austrália, é observacional, ou seja, não aponta uma relação de causa e efeito. Porém, os autores destacam que a associação encontrada é forte e afirmam que ajustes estatísticos garantiram o papel específico da bebida no risco reduzido de doenças cardiovasculares e mortalidade precoce por todas as causas. "Os resultados sugerem que a ingestão leve a moderada de café moído, instantâneo e descafeinado deve ser considerada parte de um estilo de vida saudável", diz Peter Kistler, autor do estudo.
No início do estudo, nenhum dos participantes tinha arritmia ou outras enfermidades cardiovasculares. Eles preencheram um questionário perguntando quantas xícaras de café tomavam por dia e se costumavam ingerir a bebida instantânea, moída ou descafeinada. Os cientistas, então, os agruparam em seis categorias de consumo diário: nenhuma, menos de uma, uma, duas a três, quatro a cinco e mais de cinco xícaras. No total, 100.510 (22,4%) da amostra se declarou não bebedora, servindo como grupo de comparação. A variedade instantânea foi a mais citada (44,1%), seguida de moída (18,4%) e descafeinada (15,2%).
Os cientistas compararam os dados de bebedores e não bebedores quanto à incidência de arritmias, doenças cardiovasculares e morte, após ajuste para idade, sexo, etnia, obesidade, pressão alta, diabetes, apneia obstrutiva do sono, tabagismo e consumo de chá e álcool. Informações sobre a saúde dos participantes foram obtidas em prontuários médicos e registros de óbito ao longo de 12,5 anos.
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Durante o acompanhamento, 6,2% dos participantes morreram. A comparação entre os grupos de consumo mostrou que todos os tipos de café foram associados a uma redução na mortalidade por qualquer causa. A maior diminuição de risco foi observada entre aqueles que ingeriam duas a três xícaras por dia, comparadas às que não incluíam a bebida na rotina. Nesta dosagem, a probabilidade de óbito foi 14%, 27% e 11% menor, para preparações descafeinadas, moídas e instantâneas, respectivamente.
A doença cardiovascular foi diagnosticada em 9,6% dos participantes durante o acompanhamento. Todos os subtipos de café foram associados a uma redução na incidência dessas enfermidades. Novamente, o menor risco foi observado com duas a três xícaras por dia, que, em comparação com a abstinência da bebida, reduziu em 6%, 20% e 9% a chance de desenvolver problemas cardíacos.
Arritmias foram diagnosticadas em 6,7% dos participantes, sendo que café moído e instantâneo, mas não descafeinado, associaram-se a uma redução do problema, incluindo fibrilação atrial. Em comparação com os não bebedores, os riscos mais baixos foram observados com quatro a cinco xícaras por dia de café moído e duas a três xícaras de solúvel, com 17% e 12% de redução de probabilidade, respectivamente.
"Como o café pode acelerar a frequência cardíaca, algumas pessoas temem que a bebida desencadeie ou piore certos problemas cardiológicos. É daí que pode vir o conselho médico para parar de beber café", acredita Kistler. "Mas nossos dados sugerem que a ingestão diária de café não deve ser desencorajada, mas incluída como parte de uma dieta saudável para pessoas com e sem doenças cardíacas", diz.
O médico afirma que existem vários mecanismos que podem explicar as associações detectadas no estudo. "Existe toda uma gama de processos pelos quais o café pode reduzir a mortalidade e ter esses efeitos favoráveis nas doenças cardiovasculares. A cafeína é o constituinte mais conhecido do café, mas a bebida contém muito mais componentes biologicamente ativos. É provável que os compostos não cafeinados tenham sido responsáveis pelas relações positivas observadas entre o consumo de café, doenças cardiovasculares e sobrevivência", explica.
Segundo a médica nutróloga Marcella Garcez, professora e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia, já foram descritos cientificamente mais de 20 compostos do café com efeitos na saúde. Ela destaca, porém, que as respostas ao mais famoso deles, a cafeína, podem variar em cada organismo. "Algumas pessoas são sensíveis à cafeína, apresentando problemas de digestão e gástricos, alterações de ritmo cardíaco e pressão arterial, agitação emocional e distúrbios do sono, situações em que o café tradicional deve ser deixado de lado", diz. "Para esses casos, o consumo do café descafeinado é interessante. Ele não faz mal para quem não quer ou não pode ingerir cafeína, e a sua produção de café não retira outros compostos que são essenciais para o sabor e aroma do café normal", explica.
Duane Mellor, nutricionista e professor da Escola de Medicina da Universidade Aston, na Inglaterra, destaca que é preciso considerar que os dados do estudo referem-se ao café puro. "Temos de lembrar que uma simples xícara de café, talvez com um pouco de leite, é muito diferente de um grande café com leite aromatizado com calda e creme adicionado. Portanto, o consumo moderado de café pode estar associado a um menor risco de doença cardíaca, mas é como ele é consumido que é importante."
Evidências fortalecidas
"O café é quimicamente complexo, contém inúmeros componentes bioativos, e os níveis desses diferem dependendo de como ele é feito. O artigo aumenta o corpo de evidências de estudos observacionais que associam o consumo moderado de café à cardioproteção, o que parece promissor. No entanto, com pesquisas observacionais como essa, você não pode ter certeza de qual direção a relação segue. Por exemplo, o café torna as pessoas saudáveis ou as inerentemente mais saudáveis consomem café? Ensaios clínicos randomizados são necessários para entender completamente a relação entre café e saúde antes que recomendações possam ser feitas."
Charlotte Mills, professora de ciências nutricionais da Universidade de Reading, no Reino Unido
Menos acúmulo de gordura no fígado
O consumo de café parece ter outro benefício à saúde, além da proteção cardiovascular. Um estudo da Universidade de Coimbra publicado recentemente na revista Nutrients mostra que a cafeína, os polifenóis e outras substâncias naturais encontradas no café podem ajudar a reduzir a gravidade da doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) entre os obesos com diabetes tipo 2.
DHGNA é um termo que agrega distúrbios hepáticos causados pelo acúmulo de gordura no fígado. Estes podem levar à fibrose e progredir para cirrose, além de câncer no órgão. A condição não é o resultado do consumo excessivo de álcool, mas está geralmente associada a um estilo de vida pouco saudável, com sedentarismo e dieta rica em calorias.
No estudo, os participantes que mais consumiam café tinham fígados mais saudáveis, e aqueles com níveis mais altos de cafeína eram menos propensos a sofrer de fibrose hepática. Os pesquisadores sugerem que, para pacientes de diabetes 2 com excesso de peso, uma maior ingestão da bebida está associada à menor gravidade da doença hepática gordurosa não alcoólica.
Estresse oxidativo
Os pesquisadores entrevistaram 156 participantes obesos limítrofes, na meia idade, sobre a ingestão de café. Desses, 98 tinham diabetes 2 e forneceram amostras de urina coletadas ao longo de 24 horas. O material foi usado para medir metabólitos da cafeína — os produtos naturais do corpo que decompõem a bebida. A metodologia é considerada mais precisa que pedir para as pessoas autorrelatarem níveis de consumo.
Segundo os pesquisadores, a ingestão de cafeína está associada à diminuição da fibrose hepática na DHGNA e a outras condições crônicas do fígado. Já se sugeriu que outros componentes do café, incluindo polifenóis, reduzem o estresse oxidativo no órgão, reduzindo o risco de fibrose e melhorando a homeostase da glicose em pessoas saudáveis com sobrepeso. Todos esses fatores também podem aliviar a gravidade da diabetes 2.
"Devido a mudanças na dieta e estilo de vida moderno, há um aumento nas taxas de obesidade e incidência de diabetes 2 e DHGNA, que podem evoluir para condições mais graves e irreversíveis, sobrecarregando os sistemas de saúde", disse, em nota, o autor correspondente do estudo, John Griffith Jones, do Centro de Neurociência e Biologia Celular da Universidade de Coimbra. "Nossa pesquisa é a primeira a observar que quantidades cumulativas mais altas de metabólitos de cafeína na urina estão associadas a uma gravidade reduzida da doença hepática gordurosa não alcoólica em pessoas com excesso de peso e diabetes 2."