SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "A COVID-19 está aqui conosco para ficar." A fala é de Maria Van Kerkhove, líder técnica do programa de emergência da COVID-19 da OMS (Organização Mundial da Saúde), em um vídeo publicado em 20 de dezembro de 2022.





 

Com o início do quarto ano da humanidade lidando com a doença, uma pergunta que perdura é o que significa viver com a infecção. Van Kerkhove menciona o trabalho da OMS na tentativa de integrar a COVID e outras doenças a sistemas conjuntos de vigilância e de controle.

Ponto parecido é reiterado por Flávio Fonseca, presidente da SBV (Sociedade Brasileira de Virologia). Ele afirma que já existem iniciativas para sequenciamento genômico que compartilham as informações do Sars-CoV-2, vírus que causa a COVID-19.

 

Mas Fonseca considera que é necessário um processo mais bem estruturado. Ao fazer isso, seria mais fácil acompanhar o alastramento do vírus, identificar novas variantes, os riscos que elas possam trazer para novos picos de infecção e ainda controlar mais rápido sua disseminação.





 

 

 

Um melhor rastreamento também é útil para atualização das vacinas, aspecto que Fonseca encara como algo que será rotineiro na convivência da humanidade com a COVID-19. "Precisa de uma liderança global, papel que recai sob a OMS, que possa regular laboratórios que são referências continentais", afirma.

 

Um exemplo que já é encabeçado pela OMS é o Sistema Global de Vigilância e Resposta à Influenza (GISRS, na sigla em inglês). O modelo é formado 'por uma rede de laboratórios que monitoram o vírus da influenza. As informações colhidas por eles são utilizadas anualmente na atualização das vacinas contra a gripe.


Para além da influenza, centros que fazem parte da rede do GISRS foram utilizados durante a pandemia da COVID-19. Além disso, é do interesse da OMS que o sistema faça parte de uma abordagem para vírus respiratórios -não só a influenza- que tenham potencial de causar emergências de saúde.





"A OMS está comprometida a trabalhar com países para expandir o escopo do GISRS além da gripe para outros novos vírus respiratórios", afirmou Tedros Adnahom, em vídeo promocional da organização de outubro de 2022.

Mas o estágio em que se encontram esses planos da organização não é nítido. A reportagem questionou a OMS sobre a ampliação do GISRS para outras doenças, e se isso poderia resultar em efeitos de longo prazo na convivência da humanidade com o Sars-CoV-2. Até a publicação desta reportagem, no entanto, não houve respostas.


NOVO INSTRUMENTO, REFORMA NO QUE JÁ EXISTE


Deisy Ventura, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, afirma que um sistema de vigilância para a COVID-19 semelhante ao que existe no caso da influenza é importante, mas não suficiente. Antes disso, ela enxerga a reforma do Regulamento Sanitário Internacional (RSI) como essencial para lidar de forma mais eficaz contra crises na saúde global.





O RSI data de 2005 e dá conta de ações que devem ser tomadas frente a crises de saúde com potencial global -a pandemia de COVID-19 é um exemplo. Ventura explica que o documento atual já expressa uma série de pontos adotáveis em relação a problemas mundiais de saúde, como controle de fronteira, estruturas laboratoriais e notificação em cenários de risco.

Porém, na prática, não funciona tão bem assim. Muitos países não contam com capacidades suficientes considerando as prerrogativas do RSI. Outras nações até têm essa estrutura, mas não a utilizam da forma como deveriam. "O sistema está aí. Não tem nenhuma roda para inventar. O que tem que fazer é dar poder para que esse sistema funcione", afirma Ventura.


Para ela, uma oportunidade de um RSI mais robusto é o grupo instituído para inclusão de emendas ao regulamento. A previsão é de que debates sejam feitos durante todo o ano de 2023 e, em maio de 2024, ocorra a aprovação do novo regulamento.





É por meio dessas alterações que Ventura vê um potencial de desenvolver ações que consigam responder a adversidades na saúde global, como novos surtos da COVID-19.


"Só o desenvolvimento de capacidade nacional em determinados países já evitaria que os surtos ganhassem proporção. Então, se você conseguisse desenvolver naqueles Estados a capacidade de detecção, de controle e de resposta rápida, você já evita que aquele surto se propague", afirma.


Ação parecida é um instrumento que definirá medidas de prevenção, de preparação e de resposta a pandemias. O grupo que trabalha no documento foi estabelecido em dezembro de 2021 pela Assembleia Mundial da Saúde, órgão máximo da OMS. A previsão para o instrumento é parecida com a reforma do RSI: deliberações em 2023, com finalização em maio de 2024.

Jarbas Barbosa, que assumirá a direção da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) a partir de fevereiro de 2023, afirma que é necessária a participação ativa dos países sobre o novo acordo. "Há medidas factíveis que precisam ser acordadas."






Um exemplo é a desigualdade no acesso a vacinas. Barbosa explica que uma das razões para ainda enfrentarmos a crise sanitária da COVID-19 é o fato de alguns países terem baixíssimas taxas de imunização. "Não adianta um país rico se vacinar completamente, porque se pode ter uma nova variante aparecendo num país em que a vacinação é baixa", afirma.


Ele menciona que, no caso de uma pandemia de influenza, já existem regras que devem ser aplicadas. Em situações assim, fabricantes de vacinas precisam repartir a sua produção: uma porção destinada à venda direta a países e a outra precisa ser doada à OMS ou ser comercializada a preços acessíveis. Transferência de tecnologias também deve ser adotada.


O dilema é que, por enquanto, esse princípio é aplicável somente a pandemia de influenza. Com o novo instrumento em debate, a expectativa é que isso seja destinado a todas outras pandemias.


Se isso fosse aplicado para o caso da COVID, seria uma possibilidade no controle da doença, já que superaria os desfalques de vacinação em países pobres. Além disso, Barbosa diz que testagem ampla e comunicação adequada do que fazer em caso de resultados positivos são medidas necessárias na convivência com o Sars-CoV-2.

"É possível reduzir o impacto que a COVID tem na vida das sociedades", conclui.

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