Mabel Garcia

Mabel Garcia, cabeleireira e proprietária do salão Raízesse

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press


Ao inaugurar o salão Raízesse, especializado em cachos, em 2017, a cabeleireira Mabel Garcia não imaginava que daria tão certo. Ela ressalta que imediatamente se conectou com aquela menina de 6 anos que não era feliz com o cabelo alisado. “Meu cabelo não era íntegro.” Além de escutar frases como ‘por que você não arruma seu cabelo?’, ‘seu cabelo é ruim’, a cabeleireira lidava com as próprias dores, com a própria percepção e com o que falavam. 
 

"Quando a gente fala de não entrar na piscina, de não ir a uma festa, de não ter confiança de começar uma paquera... Por quê? Porque tem uma amiga de cabelo liso do seu lado e você acha que ela vai ser a preferida. Então, você vai descobrindo que vivia oprimida em relação à sua identidade a vida inteira"

Mabel Garcia, cabeleireira e proprietária do salão Raízesse


 
Foram tempos difíceis e que muitas brasileiras ainda vivenciam. “Quando a gente fala de não entrar na piscina, de não ir a uma festa, de não ter confiança de começar uma paquera... Por quê? Porque tem uma amiga de cabelo liso do seu lado e você acha que ela vai ser a preferida. Então, você vai descobrindo que vivia oprimida em relação à sua identidade a vida inteira.”
 
 
 
Quando as cacheadas começaram a se agrupar, Mabel diz que foi se curando e percebeu o poder dessas mulheres. “Gente, que poder é esse?”, questionava. “Toda cacheada tem uma história. E todas as histórias são muito parecidas, por isso todas se conectam. Quando a gente começa a conversar, parece que éramos amigas de infância.”
 

"Foi a melhor escolha que eu fiz. Descobri uma identidade que eu não conhecia e estou muito feliz"

Vitória Silva Santos Moreira, recepcionista e auxiliar de dentista

 
 
 Vitória Silva Santos Moreira

Vitória Silva Santos Moreira, recepcionista e auxiliar de dentista

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
 

ACOLHIDAS

A partir do momento em que entra no salão, a cliente é recebida pela equipe de profissionais, que escuta e esclarece as dúvidas com relação às madeixas. 
 
Algumas precisam de acolhimento; outras sentem necessidade de resgatar aquela menina da infância. E ainda há aquelas que já entenderam que deixar o cabelo natural é libertador. “Muitas precisam ser acolhidas para se encontrar, estão com medo de assumir os cabelos, mesmo se inspirando em outras mulheres. Às vezes, é importante colocar essa cliente no colo, ensinar, mostrar e fortalecê-la”, explica.
 
Para aquelas que já passaram pela transição capilar há mais tempo, o foco é investir na liberdade que os cabelos naturais proporcionam. “Essa cliente quer usar os produtos e escolher aqueles que dão um melhor acabamento e praticidade. Ela é extremamente consciente de si mesma, empoderada, curte seu visual e gosta de cortes mais modernos, já que está antenada com as tendências do mundo todo.” 

Depois da angústia, a descoberta da identidade


Durante as fases de cuidados com os cabelos – lavagem, corte, hidratação –, se for o desejo da cliente, ela pode optar por somente se ver ao final de todo o processo. É um momento especial, já que no Raízesse elas podem ficar de costas para o espelho e só “virar a cadeira” quando estiverem prontas. “O lance de virar a cadeira é uma escolha delas. Antes disso, sempre conversamos: existe um momento do atendimento, cerca de 20, 30 minutos, que falamos sobre expectativas e realidade, alinhamos o que a cliente espera e o que eu posso entregar, para que ela tome a decisão final”, conta Mabel. 
 

"Aqui encontrei motivação e me fizeram enxergar o quanto eu sou bonita. Estou mais confiante e amo mostrar meu cabelo para todo mundo"

Janaína Souza de Oliveira, assistente de marketing

 
 
Esse foi o caso da recepcionista e auxiliar de dentista Vitória Silva Santos Moreira, de 22 anos. Ela participou da “virada da cadeira” e o resultado foi cheio de emoção, levando Vitória às lágrimas. Ao contrário da maioria das clientes, ela conta que nunca teve vontade de ter cabelos cacheados, sempre mantendo-os lisos. “Minha mãe alisava meu cabelo desde os 6 anos. Não conhecia meu cabelo cacheado”, comenta.
 
Mas, em 2021, ela desenvolveu alopecia – problema que leva à queda de cabelo – e dermatite no couro cabeludo em decorrência de crises de ansiedade. “Meu cabelo caía e minha cabeça ficava muito ferida. Então, tive que parar com os produtos químicos que usava e, inclusive, diminuir o uso de chapinha e secador porque fazia mal para o couro cabeludo.”  
 
No início do ano passado, Vitória diz que a situação piorou: eram mais feridas e o cabelo caiu ainda mais. “Eu decidi não mais usar química, mas continuava escovando e pranchando o cabelo, porque não sabia lidar com as duas texturas (liso e cacheado). No entanto, não imaginava viver sem escova. Queria só ter um pouco mais de saúde nos fios e depois voltar a fazer química novamente”, conta.

Durante nove meses sem química, as escovas ficavam boas somente na hora. A raiz ficava volumosa e, com isso, ela resolveu “assumir” o cabelo. “Percebi que meu cabelo não queria mais ser alisado, não quer mais receber química. Aí comecei a tratar meu psicológico”, diz. 
 
No início de outubro, ela trançou os fios, pensando em manter o cabelo natural por baixo das tranças, mas ela ficou apenas cinco dias com elas, porque o problema dermatológico retornou. “No dia em que retirei as tranças, cortei acima do ombro, em casa mesmo, para conseguir usar as duas texturas. Mas eu odiei, me senti horrorosa, ficou muito feio.”

ANGÚSTIA

De 23 de outubro a 3 de novembro de 2022, ou seja, no dia em que cortou o cabelo com a Mabel, Vitória não saiu mais de casa. “Estava completamente arrasada. Já tinha conhecimento do trabalho dela, minha prima tratava com ela e foi aí que conseguiram me agendar.” 
 
Ao chegar ao Raízesse, Vitória admite que estava tensa. “Quando cheguei na recepção, eu já comecei a chorar. As meninas me receberam muito bem. Foi aí que a Mabel começou o atendimento e eu expliquei a ela que se fosse para mudar, eu iria cortar tudo. Mas como eu não conhecia a estrutura do meu cabelo, se iria ficar cacheado, crespo, tinha muito medo.” 
 
Hoje, Vitória se diz apaixonada por si mesma, grata e liberta. “Foi a melhor escolha que eu fiz. Descobri uma identidade que eu não conhecia e estou muito feliz.” 

Elogios e histórias emocionantes


A assistente de marketing Janaína Souza de Oliveira, de 28, trabalha no salão, mas também foi fisgada pelo amor aos cachos. Na adolescência, ela diz que se lembra muito bem quando, na festa de seus 15 anos, sua mãe lhe deu um presente especial: uma escova progressiva. “Desde então, sempre fiz botox, progressiva, e sempre me vi de cabelo grande e liso.”
 
Janaína Souza de Oliveira

Janaína Souza de Oliveira, assistente de marketing

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
Na escola, Janaína acrescenta que as colegas tinham cabelos naturais, mas alinhados. “O meu não era e eu ficava muito irritada com isso. Lembro-me de que via um lançamento, progressiva a laser, eu fazia; escova japonesa, fazia. Não me sentia bonita, porque tinha dificuldades com meu visual”, afirma.
 
Depois de formada, ela foi trabalhar em uma agência que prestava serviços para o salão Raízesse, que, anteriormente, se chamava MAB Cachos. Ao encontrar-se com a proprietária, Mabel, em algumas reuniões, Janaína acabou sendo contratada. “O Raízesse veio como um presente na minha vida. Eu desabrochei.” 
 
Se antes a assistente de marketing andava com os cabelos impecáveis – lisos e alinhados – esperando um elogio que nunca veio, depois que passou pela transição para o cacheado ela fica muito feliz com os comentários das pessoas. “Entrei no salão de cabelo liso. Passado um tempo, as meninas comentavam das minhas pontas e que eu deveria deixar o cabelo natural. Aos poucos, a Mabel foi cortando as pontas e, de repente, comecei a me desapegar de todos os padrões que eu tinha de beleza”, explica.
 
Janaína também está extremamente feliz no trabalho. “Eu me emociono com a história de cada mulher, sinto a história delas. A Mabel transformou a minha carreira e a minha vida. Aqui encontrei motivação e me fizeram enxergar o quanto eu sou bonita. Estou mais confiante e amo mostrar meu cabelo para todo mundo.”