O Bem Viver compartilha com o leitor o depoimento de três mães que tiveram bebês prematuros e acreditam que o leite materno teve papel importante na evolução de seus filhos. É um “remédio” a mais, fundamental, diante de tantos outros cuidados frente a um começo de vida tão frágil.
Leite materno e complementação
Fabiana Schoqui P. P Machado, jornalista, parto prematuro dos gêmeos Alice e Lucca
“Meu parto foi prematuro porque tive gêmeos. Alice e Lucca nasceram de 35 semanas. Não é regra, mas é muito comum que o parto de gêmeos antecipe e eu já imaginava que isso pudesse acontecer. Tanto que escolhemos um hospital com UTI neonatal referência. As crianças nasceram de parto cesárea e ficaram 12 dias na UTI neonatal, antes de virem para casa. Nasceram perfeitos, mas abaixo do peso: a Alice com 1,880 kg e o Lucca com 2,100 kg. Enquanto estavam na UTI, eu ia todos os dias, passava o dia inteiro no hospital e só passava em casa para dormir. Tirava leite no aparelho que o hospital concedia e dávamos para eles na UTI. Junto do meu leite eles também tomavam um complemento. Com isso, reagiram bem, foram bebês que cresceram, ganharam peso e evoluíram bem e saudáveis. Consegui amamentar no peito até os cinco meses, mas não exclusivamente, então alternava com fórmula. Para mim, foi uma grande vitória. Queria ter conseguido mais tempo, mas infelizmente não deu e acho que a amamentação foi essencial para eles. Eles evoluíram superbem, tanto na fala, quanto na locomoção, inclusive, na escola. Como são de junho, são os mais novos da sala e acompanham a turma do colégio, sem nenhum atraso ou motivo de preocupação.”
Mais frágeis e dependentes
Karina Souza, enfermeira obstetrícia pela Saúde no Lar
“Exterogestação é um termo criado pelo antropólogo Ashley Montagu para se referir ao período de três meses após o nascimento do bebê. Segundo ele, os humanos estão entre as espécies cujos filhos estão menos desenvolvidos ao nascer. Aparentemente, nós, humanos, precisaríamos de um quarto trimestre de gestação para nos adaptarmos melhor à vida extra-útero. Partindo deste pressuposto, podemos concluir que os bebês que nascem prematuros, antes de completar 37 semanas de gestação, nascem ainda muito mais frágeis e dependentes do que um bebê que nasce a termo, tanto física quanto emocionalmente. O bebê prematuro necessita de atenção e cuidados redobrados. O ganho de peso e a manutenção de temperatura são pontos importantes que devem ser promovidos e estimulados. Visando este objetivo, o método canguru é muitíssimo indicado. Ele consiste em um contato pele a pele precoce e progressivo entre mãe, pai e bebê até se atingir a posição canguru, que os mantêm aquecidos, cria laços, ajuda a ganhar peso e desenvolver os sistemas motor e cognitivo.”
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Primeiras horas são cruciais
Josiane Policarpo, fotógrafa, parto prematuro do Theo
“Tenho 36 anos, meu filho, Theo, está com 4 anos e 4 meses. Meu primeiro filho, Arthur, nasceu de 22 semanas e 5 dias, entrei em trabalho de parto e não sabia. Quando cheguei ao hospital, já estava com 8cm de dilatação e o Arthur acabou não sobrevivendo. Minha médica detectou que eu tinha insuficiência istmocervical (IIC), uma abertura indolor do colo do útero, que resulta no parto do bebê durante o segundo trimestre de gestação. Na segunda gestação, ao engravidar do Theo, por causa da incompetência do colo, tive que fazer uma cerclagem uterina, um procedimento que costura o colo do útero, e segui em repouso relativo em casa. Mas acabei sendo internada com 24 semanas e 2 dias. Mesmo deitada e em repouso absoluto, com 28 semanas, minha bolsa rompeu e ele nasceu no dia seguinte, em uma cesárea de risco. Foi feita toda a assistência para o Theo. Inclusive, ainda na sala de parto, a enfermeira me orientou sobre a importância do aleitamento nas primeiras horas de vida, principalmente por ser um neném prematuro. Com a orientação dela, conseguimos tirar o leite por ordenha natural. Recebeu colostro via sonda, na sala de parto, com cinco minutos de nascido. Theo nasceu em 28 semanas e 6 dias e foi entubado logo em seguida. Foram 70 dias na UTI. Como no hospital não tinha banco de leite, tínhamos que ordenhar manualmente, ao lado da incubadora. Colocávamos nos potinhos para guardar e depois na sonda para ele se alimentar. Theo veio para o meu colo, alimentar no seio materno quando atingiu 1,500kg. Sua alimentação nunca foi 100% exclusivamente leite materno, mas 90% do leite que ele tomou, desde que ele nasceu até os 8 meses de idade. E com certeza isso fez muita diferença no desenvolvimento afetivo e neurocognitivo do Theo. No início, ele apresentou atraso de falar, mas hoje, com 4 anos, já igualou. O vínculo da amamentação e as vitaminas foram de extrema relevância para a parte neurocognitiva e neurológica também. Ele não tem nenhum atraso neuropsicomotor, desenvolveu super bem a neurológica. Hoje, fala fluente, com as partes comportamentais, receptivas e expressivas e motoras boas.”
76 dias de internação
“Tive parto prematuro por causa do descolamento da placenta. Minha filha, Raquel, está com 3 anos e 9 meses. Foi uma surpresa total. Passei por uma gravidez habitual sem intercorrências. Era meu segundo filho (primeiro a termo). Inicialmente, sentia muita tristeza, só chorava. Não entendia o motivo de um ser tão pequeno estar passando por tudo aquilo e tinha muito medo de ela não sobreviver ou ter sequelas. Ter um prematuro extremo é uma montanha russa. Alguns dias só temos notícias ruins e desanimamos, outros temos boas notícias. O importante era o saldo positivo. E ao longo dos dias a esperança de que tudo ia ficar bem era cada vez maior. Raquel nasceu de 26 semanas, 990g. Foram 61 dias de UTI neonatal. Entubada por 55 dias. Total 76 dias de internação. Diversas infecções. Teve alta respirando em ar ambiente. Precisou de fisioterapia respiratória e motora por 1 ano. Evoluiu bem, respirando normalmente. Quanto à amamentação, desde o primeiro dia ordenhava leite materno que ela recebia por sonda nasogástrica. Ela também recebeu nutrição venosa parenteral nos primeiros dias e complemento de fórmula pela sonda nos horários em que eu não ficava na UTI (0h a 3h). Quando ela foi extubada e retirada o CEPAP começamos a introduzir a amamentação. Teve alta hospitalar em amamentação exclusiva que conseguimos até 6 meses. Até hoje a Raquel tem sequelas pulmonares leves e faz acompanhamento com pneumologista e fisioterapia respiratória, se necessário, nas crises. E endocrinológico de baixa estatura. O restante do desenvolvimento é normal para a idade.”