O aumento das infecções por Sars-CoV-2 na China, na sequência do fim da política de zero COVID, não levou ao surgimento de novas variantes, segundo um artigo publicado na revista The Lancet. Com a explosão de casos a partir de novembro, havia o temor de mutações genéticas resultarem em cepas mais resistentes. O estudo, financiado pela Academia Chinesa de Ciências e pelo Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento do país asiático, analisou o genoma de 413 infecções e constatou que mais de 90% das notificadas em Pequim foram causadas pelas subvariantes BA.5.2 ou BF.7 da ômicron.



Em 7 de dezembro, o governo da China suspendeu a rígida política de controle sanitário, em vigor desde o início da pandemia. Pouco depois, houve um aumento expressivo de casos: o vazamento de uma reunião da Comissão Nacional de Saúde indicou que, nos primeiros 20 dias do mês, 250 milhões de pessoas foram infectadas. Em todo o mundo, virologistas começaram a alertar que as condições para o surgimento de uma subvariante ou mesmo de uma cepa eram ideais. Afinal, com uma população de 1,4 bilhão, isolada durante mais de dois anos, faltava aos chineses a imunidade híbrida, conferida pela combinação de vacina com infecções.

Os autores do estudo publicado na The Lancet usaram amostras selecionadas aleatoriamente de moradores de Pequim, infectados entre meados de novembro e fim de dezembro. Desde o fim de 2019, órgãos governamentais de saúde pública realizam análises genômicas do coronavírus com a tecnologia de sequenciamento rápido em larga escala. Os dados são armazenados em um grande banco de dados nacional. Segundo os pesquisadores, embora coletados apenas na capital, os resultados representam um instantâneo de toda a China devido à diversidade dos habitantes da cidade e à circulação, no local, de cepas altamente transmissíveis.

A pesquisa revelou que todas as 413 sequências pertenciam a cepas de COVID-19 conhecidas e existentes. A dominante em Pequim após 14 de novembro foi a BF.7, responsável por 75,7% das infecções locais. Já a subvariante BA5.2 correspondia a 16,3% dos casos. No começo de janeiro, o Centro de Controle de Doenças da China informou os resultados preliminares do estudo à Organização Mundial da Saúde (OMS), que declarou publicamente a inexistência de novas versões do Sars-CoV-2 na China.



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"Dado o impacto que as variantes tiveram no curso da pandemia, era importante investigar se surgiram novas variantes após as recentes mudanças nas políticas de prevenção e controle da COVID-19 na China", disse, em nota, o principal autor do artigo, George Gao, do Instituto de Microbiologia da Academia Chinesa de Ciências. "Nossa análise sugere que duas subvariantes ômicron conhecidas - em vez de novas variantes - foram as principais responsáveis pelo atual aumento de casos em Pequim e, provavelmente, em todo o país. No entanto, com a circulação em larga escala da COVID-19 na China, é importante que continuemos monitorando a situação de perto para que quaisquer novas variantes que possam surgir sejam encontradas o mais cedo possível", disse.

Vigilância global


Para James Naismith, professor de biologia estrutural da Universidade de Oxford, que não participou do estudo, o monitoramento é necessário não apenas na China, mas em todo o mundo. "Novas variantes da COVID-19 continuam a surgir em todos os lugares", diz. "É preciso considerar duas questões-chave. Primeiro: com que eficácia uma nova variante evita a imunidade? Segundo: uma nova variante tem maior probabilidade de causar doenças graves?."

O especialista lembra que, até o momento, todas as cepas apresentam risco de doença grave em pessoas não vacinadas e vulneráveis. "Não há nenhuma lei da biologia que impeça novas variantes de serem mais brandas", diz. Naismith afirma, ainda, que na impossibilidade de se evitar o surgimento de cepas do Sars-CoV-2, a medida mais eficaz para evitar casos graves é investir em vacinação. "Vacine-se e fortaleça-se. Se você estiver infectado ou sintomático, isole-se em casa, se possível."



Em um comentário sobre o estudo publicado na The Lancet, Wolfgang Preiser e Tongai Maponga, da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, consideram os dados "bem-vindos e reconfortantes", mas recomendam cautela porque eles se referem a Pequim e não à China na totalidade. "O perfil epidemiológico molecular do Sars-CoV-2 em uma região de um país vasto e densamente povoado não pode ser extrapolado para todo o país. Em outras regiões da China, outras dinâmicas evolutivas podem se desenrolar, possivelmente incluindo espécies animais que podem ser infectadas por seres humanos e 'transmitir' um vírus ainda mais evoluído", alertam os especialistas, que não participaram da pesquisa.

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