A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a comercialização de pomadas para modelar e trançar cabelo depois da ocorrência de efeitos adversos graves, como queimaduras nos olhos e cegueira temporária. A medida, publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira (10/2), abrange todos os tipos e todas as marcas que têm essa função estética, e prevê que nenhum lote de produtos desse tipo seja vendido ou utilizado por consumidores e profissionais que trabalham no ramo da beleza.
As pomadas modeladoras são utilizadas para penteados, desde modelos para casamentos até tranças e o chamado baby hair. São produtos muito usados em cabelos crespos e cacheados para trazer definição, mas podem ser aplicados em qualquer tipo de cabelo.
Após tomar chuva, Jaqueline começou a sentir dor nos olhos e dificuldade para enxergar. Sua visão ficou completamente embaçada. A pomada havia escorrido para o seu olho direito, causando danos no tecido oftalmológico.
Jaqueline foi atendida na emergência no Ibol (Instituto Brasileiro de Oftalmologia) de Botafogo, no Rio de Janeiro, onde a médica aplicou um analgésico e uma pomada oftalmológica, além de um tampão no olho direito. Depois, a professora passou mais uma semana utilizando uma lente de contato terapêutica e dez dias aplicando colírios.
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"Tive condições de pagar o tratamento e em uma semana já tinha recuperado a visão, mas precisei utilizar o atendimento particular", relata. Ela diz que já notificou a Anvisa sobre o ocorrido e suspendeu o uso do produto. "Nunca se imaginou que pudesse ter esse risco, mas acho recomendável evitar o uso por enquanto. Não é um produto essencial para fazer as tranças."
A pomada utilizada por Jesus, Braids Fix, teve sua comercialização, distribuição, fabricação, uso e publicidades associadas proibidas após determinação da Anvisa.
Irritação nos olhos
Mais um caso recente ocorreu com uma mulher que reside em Recife. Thays Chen, de 27 anos, usou uma pomada modeladora no cabelo quando, ao ter contato com água da chuva, o produto escorreu e entrou em contato com seus olhos. Thays, então, ficou sem visão e foi levada ao hospital.
Assim como Thays, as amigas que usaram a pomada modeladora também começaram a sentir os olhos arderem, mas acreditaram que logo passaria. "Eu fiquei um tempo com a lente, mas depois tirei, fiquei sem nada e ainda ardia", contou.
Outro caso envolvendo cegueira temporária com o uso da pomada modeladora ocorreu com a influenciadora digital Bielle Elizabeth, de 29 anos. Ela usava pomadas modeladoras para fazer penteados em seu cabelo, até que teve os olhos gravemente feridos por um produto que decidiu testar.
Bielle conta que, enquanto filmava partes de um evento ocorrido no início do mês passado, suou e pegou um pouco de chuva, o que fez a pomada modeladora escorrer em seu rosto.
"Em determinado momento, com os olhos já ardendo, sentei em um local coberto com uma amiga e percebi que não estava enxergando", afirmou.
Como evitar problemas ao usar as pomadas?
A trancista Helo Silva diz que as pomadas são muito utilizadas porque, diferente de géis e outros modeladores - que tendem a ser muito úmidos -, deixam o cabelo mais consistente e fácil de modelar. "Facilita o trabalho e deixa o acabamento mais bonito."
Ela diz que sempre orienta suas clientes a tomar cuidado com os olhos e, em mais de dez anos trabalhando na área, nunca viu casos de queimaduras ou cegueira temporária.
"O primeiro cuidado é nosso, não pode colocar muito produto. A melhor opção é usar no cabelo seco e orientar a cliente para, quando lavar, colocar a cabeça para trás", afirma. A profissional também indica não entrar na praia ou na piscina antes da primeira lavagem.
As dicas são reforçadas pela dermatologista Fernanda Porphirio, especialista em Dermatologia e Estética pelo Hospital Mount Sinai em Nova York. "As pomadas não foram testadas oftalmologicamente, não têm autorização para esse uso", aponta.
Porphirio diz que muitos cosméticos têm em sua composição o álcool propilenoglicol, que em altas taxas pode causar danos oftalmológicos. "É possível que esses produtos tenham excedido a concentração permitida pela Anvisa."
Porphirio destaca que as pomadas em geral não são necessariamente danosas, mas sim algum componente que está sendo usado por algumas marcas. Ao usá-las, a dermatologista indica uma série de cuidados:
- Consultar o site da Anvisa para checar se o produto tem autorização;
- Atentar-se às orientações de uso no rótulo e não utilizar o produto para outros fins;
- Evitar atividades que façam suar muito ou molhem os fios;
- Lavar as mãos após o uso do produto;
- Respeitar a data de validade;
- Não utilizar o produto em caso de alteração de cheiro, cor ou consistência;
- Se houver contato com os olhos, lavar abundantemente com soro fisiológico imediatamente
O Conselho Regional de Química do Rio de Janeiro também lançou uma cartilha com orientações para o uso dos cosméticos.
A trancista Lu Safro opta por evitar o uso das pomadas enquanto as incertezas sobre os riscos permanecem, e prefere outros produtos mais tradicionais.
"A explosão de uso de pomada para trançar cabelo é de quatro anos para cá. Vem de uma referência muito estadunidense, é algo que elas usam muito lá", relata. Ela diz que as pomadas já existem no mercado há muito tempo, mas eram mais utilizadas em outros penteados.
"Por uma necessidade de mercado, muitas empresas pequenas passaram a produzir esses produtos, que acabam chegando sem fiscalização", comenta.
A trancista afirma que também nunca teve problemas. "Acho que os casos que temos visto vêm mais do uso doméstico do que profissional," opina. Em casa, muitas vezes o produto é usado de maneira inadequada.
"As pessoas usam até mesmo nas sobrancelhas, o que não é recomendado", afirma Safro. Muitos também utilizam as pomadas para fazer o baby hair, o que a trancista também não aconselha.
Apesar disso, ela destaca que a responsabilidade não é de quem está usando os produtos, mas sim das marcas. "Um produto usado no cabelo não deveria ter efeitos tão graves", diz.
Enquanto as pomadas ainda estão em investigação, a recomendação de especialistas é reforçar os cuidados e priorizar outros tipos de produtos, sempre verificados pela Anvisa.
Produtos proibidos pela Anvisa
Desde os primeiros casos de queimadura e cegueira temporária, a Anvisa tomou medidas de fiscalização em relação a mais de 80 produtos. Não existe determinação para recolhimento dos produtos, mas o uso e a venda devem ser interrompidos imediatamente.
A agência indica que inclusive as pomadas adquiridas antes da proibição não sejam utilizadas. A proibição acontece depois que o Ministério da Saúde avaliou os riscos relacionados aos produtos, com a constatação de "efeitos indejesáveis graves".
Entre os problemas, casos de perda temporária da visão, forte ardência nos olhos, lacrimejamento intenso, coceira, vermelhidão, inchaço ocular e dor de cabeça. Os efeitos são relatados principalmente depois que pessoas que usaram os produtos entraram no mar, pisicna, ou até tomaram chuva.
O número de ocorrências é alto, em diversas regiões do país e com várias marcas envolvidas. A Anvisa recomendou ainda que, no momento do surgimento dos sintomas, os casos sejam notificados, o que pode ser feito pela internet.
Está prevista para a próxima semana reunião técnica com o setor produtivo para debater sobrea a regularização dos produtos.
Em sua resolução, a Anvisa publicou uma série de orientação aos consumidores:
Consumidores
- Não usar ou comprar esses produtos;
- Se usou recentemente, lavar os cabelos com cuidado, inclinando a cabeça para trás, para que o produto não entre em contato com os olhos;
- Em caso de contato com os olhos, lavar imediatamente com água em abundância;
- Em caso de efeito indesejado, notificar o caso à Anvisa pela internet.
Profissionais, salões e comércio
- Não usar os produtos em nenhum cliente;
- Não vender os produtos enquanto a medida estiver em vigor;
- O produto deve ficar separado e não deve ser exposto ao consumo ou uso.