Durante os nove meses da gravidez e depois que o bebê nasce, período conhecido como puerpério (até o 45º dia após o parto), a nova mãe experimenta transformações. Corpo e mente precisam se adaptar a mudanças extremas e, neste momento, é muito comum que a mulher apresente oscilações de humor. Nada mais natural, mas existem alguns sinais aos quais deve-se ter atenção, caso indiquem distúrbios psíquicos e emocionais mais sérios.
Mais do que as alterações fisiológicas e anatômicas inerentes à gestação, a mãe se vê diante da responsabilidade de cuidar das necessidades de um recém-nascido, adequando-se a uma outra rotina, que pode ser sobrecarregada. O cansaço extremo, a insegurança, o isolamento dos primeiros dias, alterações no sono, possíveis dificuldades no processo de aleitamento e, principalmente, a gangorra hormonal, associadas às sensações trazidas pela vivência da maternidade em si, estão entre os fatores que contribuem para o surgimento de alguns desequilíbrios.
Oito em cada 10 mulheres podem desenvolver o chamado ‘baby blues’, um estágio caracterizado por humor deprimido que pode ser revertido, espontaneamente, em até duas semanas. Há outras que chegam a ter depressão. Transtorno psicótico mais severo, a psicose puerperal provoca um afastamento da realidade, com perturbações mentais de extrema intensidade.
Enquanto no baby blues a remissão, na maioria das vezes, é espontânea, na depressão pós-parto e na psicose puerperal é necessário apoio psicológico de profissionais e, por vezes, tratamentos medicamentosos. São quadros de saúde mental que, se não receberem a devida atenção, podem acarretar prejuízos graves na consolidação do vínculo afetivo entre mãe e bebê, inseguranças em relação ao cuidado com a criança, o que impacta diretamente em seu bem-estar.
No blues puerperal, geralmente as manifestações são falta de ânimo, de confiança, de energia, de prazer na realização das coisas e na rotina. Também pode haver insônia, choro fácil, irritabilidade, aceleração do pensamento e falta de concentração, misturados a um cansaço e sentimento de incompreensão, ensina a psiquiatra Jaqueline Bifano. Mas tudo isso deve regredir em até duas semanas.
"O baby blues é uma reação em que a paciente se vê com muita fragilidade e instabilidade emocional. Existe um quadro de disforia, com alterações de humor, com momentos de alegria seguidos de tristeza. É marcado por certa melancolia e pela sensação de incapacidade ou medo de não saber ou não conseguir cuidar do bebê", diz Jaqueline. E não se trata de uma doença, já que acomete a maioria das mulheres. "O baby blues é benigno, porque, apesar de estar ligado às adaptações do pós-parto na mulher, regride sozinho e não é necessário um tratamento."
Quando os sintomas continuam além disso, a mulher pode estar enfrentando um quadro depressivo, que afeta entre cerca de 15% a 20% das puérperas, informa a psiquiatra. A condição começa em algum momento do primeiro ano pós-parto e ocorre com mais frequência entre a quarta e a oitava semanas após o parto. "É uma condição de profunda tristeza, desespero e falta de esperança, que pode acarretar algumas consequências ligadas ao vínculo da mãe com o bebê, no aspecto afetivo. Sua principal causa tem a ver com o desequilíbrio de hormônios que ocorrem com o término da gravidez."
As depressões acontecem por causa da queda brusca de hormônios, que ocorre quando a placenta é expelida, esclarece a especialista. "Com a queda dos hormônios, o organismo pode ter um aumento da enzima monoaminoxidase no cérebro. Essa enzima quebra os neurotransmissores serotonina, dopamina e noradrenalina, que, além de responsáveis por transmitir os sinais entre as células nervosas, também influenciam o humor. Existem fatores biológicos envolvidos nas alterações psiquiátricas do pós-parto, mas também há fatores psicológicos e sociais importantes", reforça.
Mulheres com histórico de depressão têm 50% mais chances de desenvolver a doença no período pós-parto. A genética também gera predisposição. Problemas conjugais, falta de interação social e casos de violência doméstica podem funcionar como gatilho. O diagnóstico passa pela observação de sinais como: humor deprimido, na maior parte do dia, diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades, perda ou ganho de peso, insônia ou hipersonia, fadiga ou perda de energia, agitação ou retardo psicomotor, pensamentos recorrentes de morte e dificuldade de concentração.
PODEM DURAR ANOS Os episódios de depressão pós-parto duram, em média, de 3 a 6 meses, mas podem seguir por meses ou até anos. Para esses quadros, Jaqueline esclarece que o tratamento é realizado com psicoterapia (a mais indicada é a terapia cognitiva comportamental) e/ou medicamentos. Os antidepressivos são recomendados para episódios mais intensos se a mulher recusar a psicoterapia, se esta for ineficaz ou se não estiver disponível. "O encaminhamento psiquiátrico pode ser necessário para pacientes que não respondem ao tratamento psicoterápico e necessitam de tratamento medicamentoso. Uma avaliação psiquiátrica urgente é necessária se houver risco de a mulher causar danos a si mesma ou à criança", indica.
Por sua vez, a psicose puerperal é o transtorno psiquiátrico mais grave e menos frequente que pode acometer a mãe após o nascimento do bebê. Nessas situações, as mulheres apresentam instabilidade emocional, confusão mental, desconfiança, nervosismo, delírios, alucinações, choro excessivo, estado de humor maníaco (pensar e falar extremamente rápido) e desorganização do comportamento, explica Jaqueline.
Pode ter relação com o transtorno bipolar e oscila entre a indiferença e a agressão, entre outros sintomas. "A psicose puerperal em pacientes bipolares aumenta 100 vezes. A condição afeta milhares de mulheres a cada ano. Os graves episódios começam dias ou semanas após o parto e afetam humor, pensamento e comportamento da mãe", esclarece a psiquiatra.
Muitas vezes, a puérpera pode não ser capaz de reconhecer seu bebê como filho ou como um bebê. Considerada uma emergência médica, se não devidamente tratada a psicose puerperal pode levar ao suicídio e/ou ao infanticídio. Não há dados concretos sobre sua prevalência no Brasil, mas alguns estudos apontam que a incidência dessa psicose seja de um caso em cada 1 mil partos.
"O tratamento em pacientes seriamente deprimidas, com ideias suicidas e quadros de catatonia (dificuldades motoras e mudanças na reatividade ao ambiente que podem ocorrer na depressão, esquizofrenia e transtorno bipolar) geralmente requer a internação hospitalar ou mesmo domiciliar, pelos riscos envolvidos à mãe e ao bebê."