Menos de um ano após anunciar que Bruce Willis foi diagnosticado com afasia, a família do ator divulgou nesta quinta-feira (16) um diagnóstico mais específico: o artista, de 67 anos, tem um tipo de demência, hoje sem cura, chamado de demência frontotemporal (FTD, na sigla em inglês).





Segundo dois médicos entrevistados pela BBC News Brasil, a afasia — o comprometimento da linguagem, manifestado pela dificuldade de falar ou entender outras pessoas — é um primeiro sinal frequente da demência frontotemporal. A afasia pode ter várias causas, como um AVC ou uma infecção cerebral, mas quando relacionada a uma demência como a frontotemporal ou o Alzheimer e outros sinais, é caracterizada como afasia progressiva primária (APP).

De acordo com um estudo publicado em outubro de 2022 na revista científica Nature Communications, a FTD é responsável por 5 a 10% dos casos de demência. O tipo mais comum de demência é o Alzheimer.

O neurologista Gustavo Franklin explica que, como diz o nome, a demência frontotemporal afeta as regiões frontal e temporal do cérebro. Há uma variante da doença que se manifesta, como em Willis, nas dificuldades de linguagem (mais associada ao impacto na região temporal). Existe também uma variante marcada por alterações no comportamento (ligada à região frontal).





“No início do quadro, pode haver alterações no comportamento, como a expressão de linguagem mais sexual. A desinibição é muito característica”, diz Franklin, referindo-se à variante comportamental.

“E essas alterações comportamentais podem levar a diagnósticos errados, como ansiedade, depressão, bipolaridade e esquizofrenia. Já na linguagem, a pessoa é levada como desatenta, preguiçosa, ansiosa", completa o médico do Hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR).


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Coordenadora do setor de neurologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília (DF), a médica Thaís Augusta Martins esclarece que o diagnóstico dessa demência nunca ocorre em uma primeira consulta, mas ao longo do tempo. O diagnóstico clínico — ou seja, a partir do atendimento do próprio médico — é a principal forma de detecção da doença, mas ele pode ser complementado por exames de imagens, análise genética e testes cognitivos.





Inclusive, é essa combinação de informações que permite diferenciar o tipo de demência — por exemplo, a FTD do Alzheimer.

“Você vê que o diagnóstico (de Bruce Willis) só fechou de fato agora. E é realmente ao longo do tempo que a gente vai fechando o diagnóstico, com a evolução do quadro, podendo chegar ao nome e ao sobrenome da doença”, diz a médica, também diretora de assistência médica do Hospital Santa Lúcia.

Em uma nota assinada pelas cinco filhas de Willis, pela atual esposa, Emma Heming, e pela ex-esposa, Demi Moore, a família agradeceu pelo carinho dos fãs e anunciou o novo diagnóstico. “Infelizmente, desafios na comunicação são apenas um dos sintomas que Bruce enfrenta. Embora seja algo doloroso, é um alívio finalmente ter um diagnóstico claro”, diz a nota.

Em março de 2022, ao divulgar que o ator tinha afasia, a família anunciou também que ele se aposentaria da carreira de ator.

Fundo genético

Já foram descobertos vários genes associados à demência frontotemporal

(foto: Getty Images)

A doença é progressiva, o que significa que não é possível revertê-la e que o quadro tende a se agravar com o tempo. Apenas os sintomas podem ser tratados. “Não tem nenhum medicamento que mude a evolução natural da doença. A gente dá medicamentos para a parte comportamental e terapias multidisciplinares, como fisioterapia e fonoaudiologia", aponta Thaís Augusta Martins.





Frequentemente, a demência frontotemporal (FTD) se manifesta no período dito pré-senil, ou seja, antes dos 60 anos — mais precisamente entre os 45 e 65 anos. Essa é uma característica diferente do Alzheimer, que tende a aparecer mais tarde.


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O estudo publicado no ano passado na Nature Communications afirmou que, em cerca de 15% dos casos, a FTD é relacionada a uma mutação específica em um gene. De acordo com os médicos entrevistados pela reportagem, essa forma de demência tem um forte fundo genético — até mais que no Alzheimer. Por isso, uma mesma família pode ter mais de uma pessoa manifestando a FTD ao longo do tempo.


“Já foram descobertos inúmeros genes associados à demência frontotemporal. Nem sempre, no entanto, os genes determinantes são identificáveis — então a gente não preconiza a investigação (genética) para quem não tem casos na família", diz Franklin.





Para a família de quem tem este tipo de demência, Martins lembra de outro desafio: lidar com as alterações manifestadas por uma pessoa querida.

“O paciente começa a fazer coisas inapropriadas, a falar coisas inapropriadas em público. É um sofrimento para a família, é difícil de aceitar. A família fala: poxa, ele nunca falaria isso, ele nunca xingaria”, exemplifica a médica. “O paciente também vai ficando cada vez com menos fala, e a família sofre muito com isso também.”


A família de Willis, na nota divulgada nesta quinta-feira, escreveu esperar que a situação do ator ajude a conscientizar sobre a condição. “Hoje, não há tratamentos para a doença, uma realidade que esperamos que possa mudar nos próximos anos. Conforme a condição do Bruce avança, esperamos que qualquer atenção da mídia possa focar em jogar luz sobre essa doença, sobre a qual é preciso muito mais conscientização e pesquisas.”

“Bruce sempre acreditou em usar a voz dele no mundo para ajudar outras pessoas e a chamar a atenção para assuntos importantes, tanto no público quanto no privado”, escreveram as filhas, a esposa e a ex-esposa do ator.

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