Passados 10 meses da infecção por COVID-19, a imunidade natural é semelhante à de pessoas que tomaram duas doses das vacinas de mRNA. Porém, os autores da maior análise, até agora, a avaliar a duração da proteção contra o Sars-CoV-2 destacam que a vacinação ainda é a melhor abordagem, porque previne hospitalização e doença grave, algo que o contágio, sozinho, não faz. Publicado na revista The Lancet, o artigo baseia-se em 65 estudos produzidos em 19 países, incluindo o Brasil, e se refere às cepas original, alfa, delta e ômicron - até a subvariante BA.1.



O conjunto de informações analisado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, avalia o nível de proteção por desfecho (infecção, doença sintomática e enfermidade grave) conforme a variante e o tempo desde o contágio. Os resultados mostram que uma pessoa que teve covid tem risco de hospitalização ou morte até 88% menor durante 10 meses caso seja novamente contaminada pelo Sars-CoV-2, em comparação aos que jamais tiveram contato com o vírus. Pessoas vacinadas foram excluídas da análise.

Segundo os autores, desde janeiro de 2021, estudos e revisões relataram a eficácia da infecção prévia na redução de riscos de um novo contágio, além de acompanharem a diminuição da imunidade. Porém, eles afirmam que nenhuma pesquisa avaliou de forma abrangente o tempo de proteção após o contato natural com o vírus, nem como isso ocorreu contra diferentes variantes.

A análise de 21 estudos sobre o tempo de proteção desde a infecção de uma variante pré-ômicron estimou que a imunidade natural foi de 85% durante um mês, caindo para 79% em 10 meses, quando a estirpe dominante ainda era a delta. Já quando o paciente teve COVID antes da ômicron, a reinfecção contra a subvariante BA.1 dessa cepa foi menor: 74% em 30 dias e 36% em 10 meses.



Quanto ao desfecho de gravidade (hospitalização e morte), 90% continuavam protegidos em 10 meses quando infectados pelas estirpes ancestral, alfa e delta. O índice foi semelhante para a ômicron BA.1: 88%. Outros seis estudos que avaliaram especificamente as sublinhagens BA.2, BA.4 e BA.5 demonstraram uma redução significativa da imunidade quando o primeiro contato do paciente com o vírus foi antes da emergência da ômicron.

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"A imunidade de variante cruzada mais fraca com a ômicron e suas sublinhagens reflete as mutações que fazem o vírus escapar da imunidade acumulada mais facilmente do que outras cepas", escreveu Hasan Nassereldine, um dos autores. "Os dados limitados que temos sobre a proteção da imunidade natural da variante ômicron e suas subvariantes ressaltam a importância da avaliação contínua, principalmente porque se estima que elas tenham infectado 46% da população global entre novembro de 2021 e junho de 2022. Pesquisas adicionais também são necessárias para avaliar a imunidade natural de variantes emergentes e a proteção fornecida por combinações de vacinação e infecção natural", complementou.

Mais riscos

Em um comunicado à imprensa, outros autores da pesquisa ressaltaram que os resultados do estudo não desencorajam a vacinação, pois é a única maneira de proteger de morte e doença grave quem nunca teve contato com o vírus. "A vacinação é a maneira mais segura de adquirir imunidade. A proteção natural deve ser ponderada, considerando os riscos de doença grave e morte associados à infecção inicial", afirmou o principal autor, Stephen Lim, do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde da Universidade de Washington.



"As vacinas continuam a ser importantes para todos, a fim de proteger as populações de alto risco, como aqueles com mais de 60 anos e os com comorbidades", disse a coautora Caroline Stein. "Isso também inclui populações que não foram infectadas anteriormente e grupos não vacinados, bem como aqueles que foram infectados ou receberam sua última dose de vacina há mais de seis meses. Os tomadores de decisão devem considerar a imunidade natural e a situação de vacinação para obter uma imagem completa do perfil de imunidade de um indivíduo."

Paul Griffin, professor de doenças infecciosas na Universidade de Queensland, na Austrália, que não participou do estudo, concorda com os colegas norte-americanos. "A diferença óbvia a ter em mente entre a proteção da vacinação e a fornecida pela infecção é que a infecção traz consigo o risco de doença, incluindo quadros graves, enquanto a vacinação, não. Também é importante considerar que alguns dos desafios que enfrentamos com a longevidade da proteção da vacinação, como a diminuição ao longo do tempo e a evasão imunológica, também se aplicam àquela gerada pela infecção", afirma.

Griffin destaca a importância de se continuar monitorando a imunidade porque, segundo ele, "a situação da COVID-19 continua mudando em um ritmo rápido". Embora considere o trabalho publicado na The Lancet o melhor, até agora, a analisar a proteção da infecção natural, o médico ressalta que os dados referem-se até a subvariante BA.1.

Os pesquisadores também observam algumas limitações do estudo, alertando que o número de artigos sobre as subvariantes da ômicron são escassos. Além disso, afirmam que algumas informações, como a gravidade da infecção anterior e as internações hospitalares, foram medidas de forma diferente ou estavam incompletas, o que pode influenciar a estimativa de proteção.

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