Ser velha, velho, envelhecer, além das dificuldades fisiológicas inerentes à idade, traz um peso social, de um número, que só aumenta os obstáculos na vida de quem consegue se tornar velho ou velha. Tenho certeza de que, até aqui, muitos já se incomodaram com o uso do termo “velho”. Por que? O preconceito, o incômodo, a cobrança, o desajuste, a vontade ou a pressão no disfarçar a idade já começam pela nomeclatura: idoso, maduro, terceira idade, melhor idade, experiente, sênior, idade prateada... Nunca velha ou velho. Como se fosse uma ofensa.



Mesmo quem é defensor e luta contra o etarismo, a discriminação por idade contra indivíduos ou grupos etários com base em estereótipos, discriminação etária, discriminação generacional, não é natural sair por aí verbalizando ou ouvindo “sou velho”, “sou velha”. Evita-se a palavra como se fosse afronta, desacato, desfeita, desrespeito. As pessoas se sentem desconfortáveis no falar e no ouvir. É como Xuxa, que fará 60 anos no dia 27 de março, declarou em entrevista ao jornal O Globo há poucos dias: "Moramos num país onde “velha” vem como um negócio pesado. Colocam uma coisa ruim ao lado da experiência que a maturidade traz. Eu sou uma privilegiada, se você puser a minha história ao lado das de tantas outras mulheres. Não sofri preconceitos ao longo da minha carreira. E continuo trabalhando aos 60”.

E ser uma mulher velha, então, no Brasil, a carga é imensamente maior. O grau de cobrança para reverter o tempo ou, simplesmente, o apagamento e a invisibilidade da mulher a partir dos 40, 50, 60 anos são aterradores. E não só individualmente, mas socialmente e, claro, no ambiente profissional, do trabalho. Daí, o Brasil, que de líder nos anos 2018 e 2019, em 2022, caiu par ao segundo lugar do ranking internacional de realizações de cirurgias plásticas, segundo levantamento mais recente da Sociedade Internacional da Cirurgia Plástica (ISAPS), perdendo agora o posto para os Estados Unidos. De 1,5 milhão de procedimento por ano, o número foi para pouco mais de 1,3 milhão.

E as mulheres são as principais vítimas: 86,3% dos procedimentos cirúrgicos são feitos por elas e 13,7% por homens. E a preocupação com o envelhecimento começa cada vez mais cedo, às vezes, se inicia na adolescência. Cirurgias, intervenções, preenchimentos, botox, cremes anti-idade e, muitas vezes, procedimentos prescritos e adotados atrás de um discurso de aceitação, bem-estar, autocuidado, autoestima e que, na verdade, segue uma exigência de mercado e de uma sociedade em que o jovem é quem dita as regras.



A jornalista Glória Maria, que não revelava a idade, por vaidade ou não, a questão era que a atitude de esconder quantos anos tinha, era uma forma de se preservar de um número que, anunciado, involuntariamente, iria definir, tolir ou restringir o que realmente ela era. Em dezembro de 2021, no podcast "Mano a Mano", apresentado por Mano Brown, Glória Maria disse que 'nunca ninguém disse como eu tinha que viver e não vai ser por causa de idade, cada um dá a idade que quer porque essa preocupação não é minha, é do mundo'".

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É preciso parecer jovem

Criticada pela aparência do seu rosto, Madonna respondeu em sua rede social: 'Mais uma vez, estou presa no olhar do preconceito e misoginia que permeia o mundo em que vivemos. Um mundo que se recusa a celebrar mulheres com mais de 45 anos'

(foto: Frazer Harrison/AFP)

E se a mulher decide pelos procedimentos estéticos para se sentir melhor, mais jovem de acordo com seu desejo, também é massacrada tanto por homens quanto por outras mulheres. Críticas de descontrole, de não saber envelhecer. É atacada, que o diga Madonna, de 64 anos, ícone pop, que depois de aparecer para entrega de um prêmio Grammy, o Oscar da música, nos EUA, em 5 de fevereiro, recebeu uma avalanche de ofensas etaristas e sexistas por causa da aparência do seu rosto. Se Madonna é questionada, imagina uma mulher mortal? A Rainha do Pop rebateu as críticas em seu Instagram: ““(...) Mais uma vez, estou presa no olhar do preconceito e misoginia que permeia o mundo em que vivemos. Um mundo que se recusa a celebrar mulheres com mais de 45 anos e sente a necessidade de as castigarem se elas continuam fortes, trabalhadoras e aventureiras””.

Por outro lado, se um grupo de mulheres decide viver o envelhecimento sem passar por nenhum procedimento estético, invasivo ou não, elas também são criticadas. Ao deixar o cabelo branco, não se tornar escrava da tintura, é sinal de desmazelo, desleixo. Se as rugas ficam cada dia mais aparentes, é preciso dar um jeitinho para amenizá-las, camuflá-las. Se é um artista, há comentários sobre “não envelhece bem”, "desrespeito ao público", já que no universo dos famosos a aparência é tudo e não basta ser bonito ou bonita, é preciso parecer jovem.



A idade se coloca mais vísivel e doída para o universo feminino

Para a psicóloga Renata Feldman, correr contra o tempo para a mulher significa empreender uma árdua e exaustiva batalha para se realizar enquanto mãe, mulher e profissional

(foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)

Renata Feldman, psicóloga clínica humanista, escritora e palestrante, lembra aos mais desavisados que tanto a mulher quanto o homem, ambos têm idade, RG, data de aniversário: "Mas o famoso “peso da idade” parece recair mais sobre as mulheres do que para os homens. Seja pelas questões corporais e hormonais que acabam evidenciando e intensificando a passagem do tempo, seja pela sobrecarga de trabalho inerente aos múltiplos papeis assumidos (profissional, mãe, mulher, dona de casa), a idade costuma se colocar de forma mais visível e perceptível (muitas vezes doída) para o universo feminino".

Na análise da psicóloga, envelhecer é um processo árduo, inglório, porque carrega em si um doloroso conflito: "No seu íntimo, é como se muitas mulheres pensassem, dissessem, se rebelassem: “sei que vou envelhecer, é fato. Mas não quero, não gostaria, me recuso.” (Como se essa recusa – tão presente nos atuais procedimentos estéticos – fosse possível. Ela pode até atenuar a passagem do tempo, mas este é um senhor rigoroso, implacável. Nada detém a marcha do tempo.)"




Renata Feldman enfatiza que, especialmente para a mulher brasileira, tão aprisionada a uma cultura que valoriza o culto ao corpo e um elevado padrão estético, envelhecer significa perder: "Não só colágeno, mas também um olhar de aprovação do outro (e de si mesma). Para muitas mulheres, o envelhecimento está ligado à perda de viço, beleza, juventude, afeto, reconhecimento, desejo. Elas se cobram e fazem verdadeiros malabarismos para prorrogar ao máximo o envelhecimento, como se isso fosse possível. O envelhecimento é certo, ele vem. E traz dor e sofrimento para muitas mulheres".

Para a psicóloga, a mulher lutou muito (e ainda luta) para conquistar seu lugar ao sol: "Vem se descobrindo e se posicionando de várias maneiras, explorando seus potenciais e mostrando seu talento ao mundo. Glória Maria foi um exemplo e uma inspiração para muitas mulheres. E se ela escondeu a idade para se desvencilhar das amarras que nos aprisionam, este é um dado e um registro importante".

A passagem do tempo para a mulher vai além da idade

Conforme Renata Feldman, a mulher parece enxergar a passagem do tempo como algo muito além de um simples e festivo soprar de velas: "Cada década celebrada – especialmente a partir dos 30 anos – carrega um peso e um lugar diferenciado no seu coração, na sua psique. Há uma ansiedade, uma corrida contra o relógio biológico. Correr contra o tempo significa empreender uma árdua e, muitas vezes, exaustiva batalha para se realizar enquanto mãe, mulher, profissional. A inexorabilidade do tempo se impõe de forma contundente, explicitando o conflito entre corpo e mente". 






Quanto a declaração da Xuxa, à porta dos 60 anos, Renata Feldaman lembra que muitas pessoas perdem de vista a noção de naturalidade que acompanha o processo de envelhecer: "É algo natural, factual, inevitável: faz parte da vida. (Como dsse a dra. Ana Claudia Quintana Arantes em um workshop sobre como envelhecer bem, “só há um jeito de não envelhecer: morrendo antes”). A questão é a maneira como esse processo é enxergado e significado: repleto de estereótipos e com uma carga pejorativa que faz com que muitas mulheres se sintam reféns do seu próprio envelhecer. Felizes daquelas que descobrem a beleza da maturidade, e o quanto podem seguir o curso da vida sem se aprisionar a julgamentos e preconceitos tão nocivos e paralisantes". 

Olhar mais para dentro do que para fora: a grande descoberta

Renata Feldman recomenda a busca pela autoestima, autocuidado, autenticidade e aceitação: "Quando as mulheres descobrem que podem – e devem – olhar muito mais para dentro do que para fora, se libertando de padrões que tentam enquadrá-las a todo custo, elas se veem livres para serem quem elas verdadeiramente são. E assim não se apagam, não se permitem viver um processo de “invisibilidade” perante o mundo e a si mesma".

Para a psicóloga, a melhor forma de enfrentar o etarismo é tomando consciência dele e de suas armadilhas; é se conhecer, saber quem se é de verdade e não dar permissão para que o preconceito tome espaço: "Há “mulheres que correm com os lobos”, numa citação à clássica obra de Clarissa Pinkola Estés, e há mulheres que se tornam cativas de suas dores, pressões, fragilidades, conflitos. É uma questão de escolha, seguir ou ficar. Voar ou se aprisionar. Voemos, pois".



Em dezembro de 2021, no podcast "Mano a Mano", Glória Maria disse que 'nunca ninguém disse como eu tinha que viver e não vai ser por causa de idade'

(foto: Ramon Vasconcelos/Globo TV/AFP))

Brasil: país que envelhece e não respeita os velhos

A cobrança incessante e o não direito da mulher envelhecer (o homem também, claro) anda na contramão de um Brasil que em 2050 terá um em cada três brasileiros velhos.  O país, que já foi conhecido como uma nação de jovens, vê sua população envelhecer rapidamente. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) o número de pessoas com idade superior a 60 anos chegará a 2 bilhões de pessoas até 2050, o que representará um quinto da população mundial. Conforme dados do Ministério da Saúde, o Brasil, em 2016, tinha a quinta maior população velha do mundo, e, em 2030, o número de velhos ultrapassará o total de crianças entre zero e 14 anos. Num período de oito décadas, a expectativa de vida dos brasileiros saltou dos 45 para os 75 anos.

O que diz a medicina

Simone de Paula Pessoa Lima, médica geriatra da empresa especializada em home care, Saúde no Lar,

(foto: Jordana Nesio/Divulgação)
Simone de Paula Pessoa Lima, médica geriatra da empresa especializada em home care, Saúde no Lar, explica que o  envelhecimento e a longevidade vão ser determinados por uma série de fatores, tais como fatores biológicos, questões psicológicas, genética, estilo de vida, ambiental, outros: "Desde sempre as mulheres foram cobradas a cumprir papéis sociais, tais como casar e ter filhos. Isso faz parecer que elas teriam de correr para realizar tais funções antes de envelhecer. Hoje em dia, as coisas – ainda bem – estão diferentes. Elas estão mais livres para tais papéis se quiserem, mas se não, podem simplesmente adiar ou, então, não os cumprir. Mas, independentemente disso, as mulheres sempre foram mais cuidadosas que os homens e acabam se preocupando mais com a saúde".

A geriatra conta que o cérebro encolhe com a idade: "Já os hormônios femininos e masculinos fazem com que os dois sexos tenham muitas mudanças à medida que envelhecem (nas mulheres, o climatério é o nome dado ao período em que há um declínio dos hormônios sexuais, que resultam na menopausa, e nos homens, de forma mais gradual e menos intensa, os níveis de testosterona diminuem mais lentamente). Fato é que o envelhecimento é algo único e individualizado e é um processo. Ele não ocorre aos 60 anos, mas sim, ao longo da vida e deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar de saúde para que ocorra com qualidade de vida".



O envelhecimento da mulher brasileira

Para Simone de Paula Pessoa Lima, a idade para a mulher se torna um sofrimento por vários motivos: "Perde-se fisicamente e há uma invisibilidade que ocorre de forma precoce. Mulheres, dependendo do parâmetro que estão sendo analisadas, já respondem a brincadeiras como ‘está ficando velha, hein?’. Nossa sociedade, infelizmente, culturalmente falando, é patriarcal e entende a mulher como sendo ‘curvas’ , malhação e cheia de formas. Quando não atende mais a esses padrões, é como se o tempo tivesse passado.
Não é à toa que a busca por procedimentos estéticos é algo cada vez maior e mais precoce nesse público, à medida que envelhece. O objetivo é, de alguma forma, tentar minimizar os efeitos do tempo e atingir o padrão estipulado pela sociedade." 

A impotência sexual atormenta os homens velhos

Já os homens não têm tanta cobrança corporal: "O medo com o envelhecimento gira em torno da impotência sexual, aposentadoria e o receio de depender de outras pessoas. O da mulher é algo mais profundo e maior. Ela reflete mais sobre seus papéis.  Passa a ser julgada pela roupa que está usando, por pintar – ou não – seus cabelos. Com relação ao profissional, o medo tem relação com a troca. Vivemos em uma sociedade em que a cultura, em grande parte das empresas, expressa-se no sentido de trocar funcionários mais velhos por outros mais novos por entender que eles vão render e produzir mais e ainda, ganhar menos. Ou seja, a experiência, os valores e conhecimento acabam sendo deixados de lado", destaca a geriatra.

Envelhecimento saudável 

Quanto a saúde em si, a médica geriatra destaca a existência de alguns pilares para um envelhecimento realmente saudável. Entre eles:
  • Uma boa nutrição, ofertando ao idoso alimentos com nutrientes, vitaminas e outros compostos que ajudem o bom funcionamento do organismo
  • Um acompanhamento profissional regular para descobrir precocemente algum problema, se existe ou não algum déficit
  • Atividade física, que também é importantíssima, pois além de reduzir o risco de doenças crônicas, melhora o humor, a mobilidade, o convívio social e ajuda a manter o peso corporal e aumentar a massa magra
  • Manter uma rede de convívio não só com familiares e entes queridos, mas com amigos e amigas, o que ajuda consideravelmente na melhora do humor e o faz mais independente.
"Apesar da visão do idoso ter mudado e viver tempos de mais liberdade, de mais felicidade, de menos etiquetas e rótulos, ainda assim, ele enfrenta, mesmo que de forma mais branda, o etarismo. 
Devemos continuar batendo em teclas que digam respeito não só ao acolhimento e inserção social. Mais do que isso, é necessário fazer com que as pessoas entendam que o envelhecer faz parte da vida e que é um processo. Desde criança nós envelhecemos e ele acontece em todo momento da vida", lembra Simone de Paula Pessoa Lima.



Conforme a geriatra, é importante ainda "criar projetos de vida  significativos e que ultrapassem barreiras relacionadas à idade, beleza ou corpo físico fazem com que o envelhecer seja mais tranquilo". 

Qual especialidade médica acionar? 

Geriatra ou gerontólogo? Qual procurar e em qual idade? Simone Lima ensina que o geriatra é uma especialidade médica que estudou mais sobre o processo de envelhecimento. Já o gerontólogo são todos os profissionais que estudaram mais sobre o processo de envelhecimento: "Não existe uma hora certa. No Brasil, a pessoa é considerada idosa a partir dos 60 anos. Mas nada impede que o indivíduo que não tenha um bom acompanhamento clínico e que queira fazer uma prevenção, comece a fazer acompanhamento com o geriatra. É ele quem busca a promoção da saúde, por meio da atenção à qualidade de vida como um todo, atentando para cuidados especiais físicos, emocionais e psíquicos do paciente que está em processo de envelhecimento".

A médica lembra que esse acompanhamento é fundamental para prevenir e tratar doenças típicas da velhice: "Quanto mais cuidado, menor o risco de problemas severos. Além disso, o especialista pode também fornecer cuidados paliativos àqueles que tenham doenças sem possibilidade de cura".

Vale registrar, conforme a geriatra, que a gerontologia é o estudo do envelhecimento em aspectos biológicos, psicológicos e sociais e é uma área que se dedica a questões multidimensionais do envelhecimento e da velhice, com o intuito de prevenir e intervir na vida do idoso para garantir mais qualidade de vida a esse público."Ele pode ter formação em áreas como a psicologia, assistência social, terapia ocupacional, nutrição, direito, dentre outros. 





E sobre o "desabafo" da Xuxa, que ganhou destaque nas redes sociais e virou o assunto do momento, a médica geriatra diz que "ela tem razão. Pecisamos de uma mudança social e cultural e isso demanda tempo. Muita coisa mudou e melhorou, mas ainda existe. As pessoas estão envelhecendo e o mundo ainda considera que envelhecer é ficar dependente, doente. Já está na hora de dissociar isso. O idoso não pode ser associado a um fardo, a doenças ou incapacidade. Temos idosos com 90 anos e que não são incapazes. 
É necessário fazer com que as pessoas reconheçam a diversidade e a experiência do idoso. Trabalhar com ações que combatam esse preconceito tanto na mídia como na sociedade como um todo. Além de conscientizar a população sobre o etarismo e suas consequências.
Estereótipos baseados na idade, sejam eles profissionais, físicos ou sociais, podem causar efeitos muito negativos", alerta a geriatra.

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