O acidente vascular cerebral (AVC) foi tema do CB.Saúde — parceria entre Correio e TV Brasília, nesta quinta-feira (23/2). À jornalista Carmen Souza, o neurocirurgião e especialista em AVC Victor Hugo Espíndola comentou sobre a letalidade da doença e a importância na rapidez para o diagnóstico e o tratamento. Segundo o médico, uma a cada quatro pessoas sofrem a doença. Além disso, o AVC está cada vez mais comum entre os jovens.
O que é o AVC?
O AVC é o acidente vascular cerebral. Todo mundo conhece como derrame. É a doença que mais mata e incapacita no Brasil e no mundo. Uma em cada quatro pessoas estão sujeitas a ter um AVC (25% da população). Então, a gente vive um problema de saúde pública e podemos distingui-lo em dois tipos: o isquêmico e o hemorrágico. O isquêmico é o mais comum, responsável por mais de 80% dos casos. É quando o paciente apresenta uma obstrução da artéria que leva sangue para determinadas regiões do cérebro. Quando essa artéria que leva o sangue é obstruída, aquele tecido arterial que fica sem sangue sofre o que resulta em um AVC isquêmico. No hemorrágico, o paciente tem uma ruptura da artéria, seja por um pico hipertensivo, seja por um aneurisma cerebral que rompe. E ele atinge cerca de 20% dos casos.
Ouvindo a sua explicação, me vem a leitura de que o hemorrágico é mais letal que o isquêmico.
Ele tende a ser mais grave. O que faz o AVC ser grave é o tanto de tecido cerebral que ele acometeu. Podemos ter um AVC hemorrágico pequeno e um AVC isquêmico grande e, nesse caso, o isquêmico vai ser mais grave por ter pego mais cérebro. Mas, se pegarmos as mesmas proporções, o hemorrágico tende a ser grave por machucar mais o cérebro.
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Quais são os sintomas de um AVC?
Na menor suspeita de que o paciente esteja tendo um AVC é preciso correr para o hospital. Não podemos perder tempo. Os principais sintomas separamos pela anacronia de SAMU. O S é de sorriso — pede para a pessoa sorrir e se ela apresentar um sorriso torto é um dos sintomas. O A é de abraço — pede para o paciente levantar o braço e ver se tem um diferença de força, porque um dos principais sintomas é essa falta de simetria de força de um lado do corpo para o outro. O M é de música — é comum que acometa a fala, então, deve-se pedir para o paciente falar ou cantar algo e observar se fala está enrolada ou se não consegue se expressar. E o U é de urgência — é ideal que o paciente vá o mais rápido possível para o hospital.
Essa janela entre o surgimento dos sintomas e o atendimento é estratégica para o que vai acontecer no prognóstico da pessoa que teve o AVC?
Exatamente. O AVC tem um dos melhores tratamentos que existem na medicina. O prognóstico é diretamente ligado ao tempo. Para o AVC isquêmico, temos dois tratamentos. O primeiro é uma medicação que precisa ser aplicada com até quatro horas e meia do inicio dos sintomas. Então, o paciente que chega depois dessa janela perde essa opção de tratamento. O outro tratamento é por meio de um cateterismo e, mesmo assim, o ideal é que seja feito com até oito horas do começo dos sintomas. Então, é preciso agir rápido.
Quais são as principais sequelas do derrame?
Quando o derrame não mata e, muitas vezes, não é bem tratado, deixa sequelas que mudam a vida do paciente e de toda a sua família. Para saber o grau da sequela, é preciso saber como foi o AVC e qual a extensão. O nosso cérebro é topografado e temos a área da fala, motora, sensibilidade, memória. Então, dependendo do lugar de onde teve o AVC, vai ter uma sequela especifica. Dividimos a jornada do AVC em três partes: chegada, reconhecimento e tratamento.
Como funciona o tratamento?
A reabilitação é de extrema importância, sobretudo no primeiro ano pós-AVC, quando o paciente tem maior potencial de recuperação. Só falamos de sequelas definitivas depois do segundo ano pós-AVC. Nesse primeiro ano, o paciente tem que passar por uma equipe multidisciplinar com fisioterapeutas, psicólogos e fonoaudiólogos. Não é um processo fácil e serão dias ruins e bons, mas é muito necessário. Muitos desses pacientes se recuperam totalmente depois dos tratamentos.
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A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que o número de jovens que sofreu AVC aumentou de 10%, antes da pandemia, para 18%, em 2022. Os atendimentos no seu consultório mostram essa tendência?
Vem sofrendo uma transformação, essa incidência do AVC. Vemos, cada vez mais, um aumento significativo em mulheres e jovens. Antigamente, o AVC era tido como uma doença de idosos e hoje não. Vemos pessoas jovens cada vez mais sendo acometidas. A pandemia pode ter influenciado nisso pela questão tanto do estresse — sabemos que tem uma relação entre estresse, ansiedade e AVC — mas também porque as pessoas deixaram de ir ao médico para controlar os principais fatores de risco como pressão, diabetes, além disto muitos tiveram um ganho de peso. Durante a pandemia também houve um aumento no sedentarismo, então, teve, sim, essa relação. Nos jovens vemos o aumento do AVC ligado ao estilo de vida, relacionado a ansiedade e estresse. Eles estão cada vez mais sedentários fazendo menos atividade física, usando cigarros, e o tabagismo é um grande vilão para qualquer doença cardiovascular. Têm muitos estudos que mostram como são prejudiciais e estão relacionados ao AVC, principalmente em jovens.
Alguns estudos sinalizaram que pacientes com covid têm mais predisposição a ter um AVC, é verdade?
A COVID é um doença trombogênica, ou seja, predispõe à criação de coágulos, e isso pode acontecer em qualquer parte do corpo, seja na artéria, seja nas veias, inclusive do cérebro.
No começo da pandemia, com o surgimento das vacinas, umas das fake news mais disseminadas foi a de que a vacina poderia estar ligada a maior ocorrência de AVC. Esse cenário foi observado?
Não, de maneira estatística foi muito pelo contrário. A vacina foi o que nos salvou da pandemia. Claro que todo medicamento tem seu potencial para efeitos adversos, qualquer medicação é assim. Mas, se pegarmos no espectro, não dá para comparar os malefícios com os benefícios. Tivemos casos isolados, mas, de modo geral, o beneficio é bem maior e não foi nada diferente das outras imunizações.
Pensando em estilo de vida, tem relação o uso de álcool com a maior vulnerabilidade para o derrame?
O álcool em excesso é um fator de risco porque, muitas vezes, é acompanhado de outros fatores. O álcool em si, a longo prazo, aumenta a taxa de hipertensão, diabetes, mas, muitas vezes, aquela pessoa que faz o consumo exagerado também não tem um estilo de vida muito saudável, nem uma boa alimentação. Então, o conjunto de coisas aumenta o risco de o paciente ter o AVC.
Tem alguma dieta que ajude a prevenir o AVC?
Sim. Costumo dizer que 80% dos casos podem ser prevenidos com um bom estilo de vida. A alimentação tem se mostrado cada vez mais importante no impacto da nossa saúde. Com uma dieta com comida de verdade, como arroz, feijão, legumes, evitando industrializados, conservantes e os fast foods, influencia a saúde como um todo. Esses alimentos rápidos trazem praticidade para o dia a dia, mas não para nossa saúde. Uma dieta saudável influência diretamente a nossa saúde.
Em relação à prática de exercícios, a recomendação da OMS dos 150 minutos por semana é o suficiente?
É o suficiente para começar. Não adianta começar e não manter. A constância é uma coisa importante quando falamos em execício físico. Não adianta a pessoa sedentária, que nunca fez nada, querer virar atleta, pois ela não vai conseguir sustentar isso a longo prazo. Tem que começar aos poucos e manter a constância. Há inúmeros estudos que mostram que a atividade física previne diversas doenças. Se tem algo que sabemos, é que faz bem.
Sobre o efeitos a longo prazo do AVC, a expectativa de vida sofre uma redução de cinco anos?
Isso está relacionado principalmente a casos mais graves, em que esses pacientes ficam acamados e não têm aquela mobilidade. Muitas vezes, são pacientes que fizeram toracotomia, que usam sondas de alimentação ou no canal urinário. Essas complicações são porta de entrada para infecções. Esses pacientes são suscetíveis a complicações e, consequentemente, a expectativa de vida é reduzida.
MITO OU VERDADE
Crianças podem ter derrame?
Sim. Todo mundo é suscetível a ter um AVC. A única coisa que sabemos é que as causas variam de acordo com a idade. Por exemplo, não podemos falar que a criança vai ter o AVC por conta da pressão alta, obesidade ou tabagismo. Provavelmente, é por ter alguma doença que aumente a probabilidade de formação de trombos.
Existe relação entre a mudança de temperatura e o aumento do risco ?
Sim. Normalmente em períodos mais frios a incidência do AVC aumenta. Isso ocorre porque as artérias encolhem gerando um aumento na pressão arterial. Se a pessoa tem algum fator de risco, como uma placa de gordura, à medida que a artéria diminui, a placa bloqueia essa artéria.
Tomar água pode reduzir o risco de AVC?
Sim. Em casos de desidratação severa aumenta a produção de trombos, então, a possibilidade do AVC aumenta.
É possível ter um AVC dormindo?
Sim. É muito comum. E esse é o pior para tratar pela dificuldade de saber exatamente o horário em que a pessoa teve o AVC. Ela já acorda com os sintomas clássicos e temos essa complicação em tratá-la.
O jovem que tem AVC é parecido com o que tem infarto, tem maior risco de letalidade?
Sim. Muitas vezes, esses jovens não têm uma circulação bem estabelecida. Apesar disso, quando são tratados, recuperam-se mais rapidamente.