Nayomi Mbunga sempre quis morar em uma cidade grande. Ela ficou entusiasmada quando conseguiu um emprego na área de tecnologia em Toronto, no Canadá. A jovem de 24 anos cresceu na Irlanda e estava ansiosa para "conhecer pessoas em todas as fases da vida", segundo ela.
Mas foi difícil fazer amizades começando no emprego em janeiro de 2022, trabalhando à distância e isolada nos primeiros meses, devido aos casos de covid-19.
Mbunga gostava dos seus colegas, mas não tinha muita oportunidade de conhecê-los sem encontrá-los pessoalmente, o que foi impossível por meses depois que ela começou no emprego. Ela se dava bem com suas colegas de quarto e uma delas já era sua conhecida, mas queria expandir o seu círculo social.
Ela se perguntava como seria possível fazer amigos. Mbunga não praticava esportes e ela se sentia "esquisita" fazendo contato com estranhos que pareciam agradáveis no Instagram. Por isso, suas oportunidades de tentar fazer novas amizades limitavam-se ao trabalho remoto e à sua casa.
Ela também sentiu que estava sem prática de cultivar relacionamentos, apesar de ser muito sociável.
"Durante a pandemia, fiquei chocada ao ver como fiquei antissocial, como fiquei nervosa para falar com pessoas novas e me apresentar a elas", conta Mbunga.
Fazer amigos quando se é profissional em início de carreira é fundamental, especialmente para pessoas em uma cidade nova sem laços estabelecidos. Esses amigos incentivam as pessoas nas crises profissionais e em momentos pessoais. Em alguns casos, eles acabam ficando amigos para a vida inteira.
Fazer amigos na idade adulta pode já ser difícil por natureza, mas nunca houve tantas barreiras como agora, especialmente para os jovens da Geração Z – os nascidos entre 1995 e 2010.
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O trabalho sempre foi um local para fazer conexões, mas muitos desses jovens perderam essa oportunidade quando as empresas passaram a adotar modelos de trabalho híbrido, distribuído ou remoto.
Especialistas afirmam que, de forma geral, os círculos sociais diminuíram depois de dois anos de isolamento causados pela pandemia – e, em alguns casos, nem chegaram a ser estabelecidos. Isso significa que existem jovens buscando novas formas de fazer amigos.
Particularmente, os jovens da Geração Z, criados em meio às redes sociais, agora utilizam novas plataformas para estabelecer conexões fortes e sustentáveis, algo que as gerações anteriores não faziam. Simplesmente, os profissionais jovens estão ficando mais criativos com relação à forma em que eles conhecem as pessoas.
Em abril de 2022, Mbunga encontrou no TikTok um vídeo postado por Chloe Bow, uma funcionária pública que virou criadora de conteúdo. Ela falava honestamente sobre amizades.
Bow estava planejando eventos para um grupo criado por ela, chamado Toronto Girl Social. Mbunga a seguiu e se inscreveu para uma noite no cinema, apesar de estar nervosa.
"Quando fui ao evento, foi tão divertido, todas estavam exatamente no mesmo barco, todas estavam nervosas, todas vieram sozinhas, e isso meio que quebrou o gelo, de certa forma", relembra Mbunga. "Provavelmente foi a melhor coisa que eu fiz, porque conheci muitas pessoas ali."
'Nós nos enxergamos através dos amigos'
Entre a Geração Z, a covid-19 criou uma situação sem precedentes para a formação de amizades.
Para os que ainda estão na escola, os lockdowns da pandemia impuseram um período de isolamento e interrupção das atividades. E os que acabaram de entrar no mercado de trabalho também se viram isolados dos novos colegas que teriam conhecido em circunstâncias normais.
"Durante a pandemia, houve falta de consistência", afirma Joyce Chuinkam, gerente de pesquisas da agência de pesquisa de mercado Talk Shoppe, com sede em Los Angeles, nos Estados Unidos. Ela entrevistou millennials (nascidos entre 1981 e 1995) e jovens da Geração Z sobre suas amizades durante a pandemia.
Chuinkam observa que a escola e o trabalho, que tradicionalmente eram "experiências consistentemente compartilhadas" pelos jovens adultos nas gerações passadas, não serviam mais a este propósito.
"Muitas pessoas, e a Geração Z especificamente, que está entrando no mercado de trabalho, não tiveram necessariamente a experiência de poder fazer amigos da forma normal. Eles estão começando pela primeira vez em um novo emprego onde não conhecem ninguém", explica Miriam Kirmayer, psicóloga clínica e especialista em amizades de Montreal, no Canadá.
Pesquisas indicam o quanto a pandemia afetou o senso de conexão dos jovens da Geração Z.
Janice McCabe, professora de sociologia da Faculdade Dartmouth, nos Estados Unidos, estuda como as redes de amizades favorecem o sucesso. Em 2016, ela começou a realizar entrevistas com estudantes de três universidades de New Hampshire, nos Estados Unidos, para observar como essas novas amizades se desenvolveram ao longo da vida.
Depois de completar sua segunda onda de entrevistas em 2021, quando seus participantes estavam entrando no mercado de trabalho, ela observou como a pandemia havia prejudicado suas capacidades de manter amizades e fazer novos amigos.
"Fazer novos amigos era muito difícil , de forma que as redes estavam diminuindo em todos os setores", afirma ela.
Essa escassez de relacionamentos pode prejudicar o bem-estar de qualquer pessoa, mas o momento não poderia ser pior para a Geração Z. Eles estão enfrentando atualmente períodos de imensas mudanças de vida: formação na escola, mudança para novas cidades, início de novos empregos, entrada no mercado de trabalho – e, em muitos casos, todas ao mesmo tempo.
"Com todas essas mudanças, eles precisam ter uma comunidade nos seus novos espaços", afirma Chuinkam.
E ela acrescenta que eles precisam aprender com as novas experiências: "Fazer novos amigos ajuda – ser exposto a algo totalmente novo e diferente".
Mas, agora, isso está em falta. E encontrar essas amizades significativas que desafiam e expandem os horizontes dos jovens adultos é uma experiência fundamental que afeta o resto da vida da pessoa, segundo McCabe.
No início da idade adulta, as pessoas estão buscando uma sensação de identidade e os amigos podem ajudar alguém a se tornar uma pessoa melhor ou diferente, segundo explica McCabe.
"Nós nos vemos através dos nossos amigos, de forma que vemos e imaginamos o 'tipo de pessoa' que somos pensando e falando com nossos amigos", afirma ela.
Criatividade para fazer amigos
É claro que não é uma situação perdida para os jovens da Geração Z. Para muitos deles, a limitação das redes sociais tem sido uma grande preocupação e eles estão criando formas inovadoras para estabelecer o tipo de amizade que as gerações anteriores encontravam com mais facilidade em locais como os escritórios.
Segundo a pesquisa da Talk Shoppe, Chuinkam concluiu que a Geração Z é mais aberta que os millennials para fazer novos amigos online, por meio de aplicativos de amizade como o Bumble BFF e grupos do Facebook. Mas os aplicativos podem ser assustadores, pois muitas vezes eles possibilitam encontros pessoais, exercendo pressão similar à de um primeiro encontro, segundo os participantes do estudo.
A Geração Z sente que sua "possibilidade de fazer amigos é maior" se eles se conhecerem nos grupos do Facebook, afirma Chuinkam. Esses grupos costumam desenvolver-se em torno de hobbies em comum e também apresentam uma "forma mais confortável de conhecer pessoas" do que a experiência pessoal de um aplicativo.
Embora muitos estejam abertos para essas estratégias, os meios existentes de formar conexão não funcionam para todos os jovens da Geração Z. Alguns criaram seus próprios aplicativos ou centrais online para fazer novos amigos em um ambiente social desafiador.
Durante o ano letivo de 2020, por exemplo, Jamie Lee era aluna da Universidade Columbia em Nova York, nos Estados Unidos. Ela estudava de forma remota e procurava formas de fazer conexões autênticas com seus colegas online.
No verão daquele ano, ela lançou a versão beta do que seria conhecido como seu aplicativo, o Flox. Nele, grupos de amigos podiam inscrever-se para encontrar outros grupos de amigos.
Para Lee, esta pareceu ser uma forma mais autêntica para que a Geração Z fizesse amigos, como ela disse ao website de notícias sobre tecnologia TechCrunch, já que as pessoas tendem a ser mais autênticas perto dos amigos que elas já têm.
Conhecer novas pessoas como um grupo permitiria que elas fossem elas mesmas e retiraria parte do nervoso do processo de fazer amigos.
Um cenário mais específico levou Marissa Meizz, de Nova York, a criar sua própria central online para encontrar amigos, chamada No More Lonely Friends ("Não mais amigos solitários"), que agora tem alcance nacional.
O grupo surgiu no verão de 2021, quando a jovem, então com 23 anos de idade, encontrou um vídeo no TikTok no qual um estranho a alertou que seus amigos estavam planejando deliberadamente dar uma festa sem que ela soubesse.
Para encontrar novos – e melhores – amigos como membro da Geração Z, Meizz usou a internet para convidar pessoas estranhas para suas reuniões. Ela agora está tentando expandir o serviço, com um formulário online que as pessoas podem assinar para comparecer aos seus eventos no exterior.
Reforçar círculos já existentes
Por mais importante que seja a internet, o fascínio de conhecer alguém pessoalmente não desapareceu para todos os jovens.
Depois que Pranav Iyer, com 23 anos, formou-se na faculdade na Filadélfia, nos Estados Unidos, em 2020, ele se mudou para uma cidade no oeste do Estado americano de Maryland para trabalhar em um laboratório. Mas o emprego era totalmente remoto.
"Acho que não me sentia realmente próximo de ninguém... talvez uma vez por semana, nós tivéssemos uma reunião comigo e mais duas outras pessoas do laboratório, mas era isso", ele conta. "Na maior parte da semana, era apenas eu sentado em frente ao meu computador."
Em vez de concentrar-se em fazer novos amigos onde morava, Iyer escolheu outra estratégia. Ele fazia viagens regulares para a Filadélfia, para reforçar os círculos sociais que ele já havia formado na faculdade.
O trabalho remoto o impedia de fazer novos amigos no laboratório, mas também permitiu que ele trabalhasse onde quisesse, de forma que podia ficar na Filadélfia por longos períodos.
Por fim, como a Geração Z não teve a "experiência de fazer novos amigos no trabalho, a quem eles realmente pudessem recorrer e impulsionar para manter a sensação de estarem socialmente conectados", segundo Kirmayer, os jovens estão fundamentalmente mudando suas estratégias sobre a forma e a aparência das suas conexões.
Essas mudanças também alteraram toda a ideia tradicional de que o trabalho funciona como "central de amizade e conexão social".
Chuinkam destaca que a Geração Z também está mais disposta a descentralizar essa "central", graças ao seu conforto com os métodos online de conhecer novas pessoas e à sua capacidade de trabalhar remotamente e visitar seus amigos, em vez de fazer com que os amigos venham até eles.
Sim, eles podem estar enfrentando uma época difícil devido à pandemia – mas, se existe alguém realmente disposto a cultivar essas amizades em um mundo em mutação, são eles.
Quanto a Nayomi Mbunga, ela está entusiasmada com os diferentes tipos de pessoas que conseguiu conhecer no Toronto Girl Social, expandindo seu mundo bem além das colegas de quarto e do seu trabalho.
"É algo muito novo para mim ficar ao lado de tantas pessoas, literalmente... todas com históricos diferentes", ela conta, descrevendo as mulheres que conheceu no grupo. Uma delas havia acabado de se mudar da Ucrânia para Toronto e outra, da Índia. Algumas estão na faculdade e outras são casadas e têm filhos.
"Nunca estive em uma situação onde conheci tantas pessoas diferentes, todas ao mesmo tempo... estou adorando esta parte", afirma Mbunga.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.