
A maior parte das mulheres agredidas são negras (65,6%), com idade entre 16 e 24 anos (30,3%)
Adnilson Kundy/PixabaySALVADOR, BA (FOLHAPRESS) - Estudos e especialistas apontam que mulheres vítimas de violência têm mais risco de desenvolver transtornos mentais como ansiedade, depressão e estresse pós-traumáticos. São robustas as evidências do impacto da violência na saúde mental da mulher e trabalhos científicos indicam que serviços de saúde mental tenham papel mais proeminente na prevenção e tratamento dos casos de violência.
Para Valeska Zanello, professora do Departamento de Psicologia Clínica da UnB (Universidade de Brasília) e uma das autoras do estudo, a compreensão da saúde mental predominantemente "biologicista" apaga a importância que questões sociais, como a violência de gênero, têm no desenvolvimento de doenças como ansiedade e depressão. "Os profissionais da área precisam ampliar a escuta e pensar a participação da violência na conformação de alguns sintomas", afirma Zanello.
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No país, todas as formas de violência contra a mulher cresceram em 2022 segundo dados da pesquisa "Visível e Invisível: A vitimização das Mulheres no Brasil". O levantamento foi feito entre 9 a 13 de janeiro de 2023 pelo Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Participaram 2017 pessoas de 126 municípios.
Mulheres negras são mais agredidas
A pesquisa apontou que 28,9% das brasileiras sofreram algum tipo de violência em 2022. A maior parte das mulheres agredidas são negras (65,6%), com idade entre 16 e 24 anos (30,3%). A maior parte dos casos (53,8%) ocorreram em casa e 31,3% dos agressores eram ex-parceiros amorosos. São 76,5% aquelas que destacaram como ponto relevante para coibir a violência a aplicação de punição mais severa e 72,4% as que mencionaram ser importante ter "alguém para conversar, como um psicólogo ou outro especialista em saúde mental".
Zanello aponta que o crescimento da violência contra a mulher no país é um fator de risco para a piora da saúde mental das vítimas. "A causalidade não é direta, mas a violência traz e piora muito o sofrimento de quem a sofre", afirma.
Estudo publicado em 2017 por pesquisadoras estrangeiras na revista científica The Lancet Psychiatry aponta que a violência contra a mulher também precisa ser percebida como uma questão de saúde mental e ser adequadamente tratada por profissionais da área, pois podem desempenhar um importante papel preventivo.
O estudo destaca o maior risco de desenvolver transtorno mental entre mulheres que já foram vítimas de violência. A pesquisa também salienta a importância de que profissionais de saúde mental aprendam como tratar casos sem culpabilizar as vítimas ou intensificar condições de vulnerabilidade, muitas vezes associadas a questões econômicas e de gênero.
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Já um outro trabalho feito em 2010 por pesquisadores da Universidade de Kentucky aponta que é robusta na literatura acadêmica as evidências de que a violência contra a mulher piora a saúde mental das vítimas.
O estudo destaca que mulheres que sofreram violência de parceiros apresentam mais casos de ansiedade e depressão do que mulheres que não foram violentadas. No caso da violência sexual, muitas das vítimas apresentam sintomas como medo, agitação e retraimento social. Nesses casos, o que é mais diagnosticado é o transtorno de estresse pós-traumático.
Quanto aos efeitos da violência psicológica, os pesquisadores apontam que a depressão era até o momento de realização da pesquisa a variável mais estudada, com evidências da sua relação com casos de agressão. Também foram encontrados "resultados mistos para o impacto do abuso psicológico na auto-estima" e que sintomas como culpa, vergonha e estresse precisavam ser mais investigados.
Ana Paula Guljor, psiquiatra e presidente da Abrasme (Associação Brasileira de Saúde Mental), afirma que a violência deve ser tratada como uma questão coletiva a ser endereçada por políticas públicas que levem em consideração a saúde mental e outras questões, como a autonomia e independência econômica da mulher.
A relação entre violência e adoecimento mental é também perceptível nas estudantes, docentes, servidoras e terceirizadas da UFPB (Universidade Federal da Paraíba) atendidas pelo CoMu (Comitê de Políticas de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra as Mulheres na UFPB). Segundo Lis Lemos, coordenadora do Comitê, é comum observar em estudantes vítimas de violência diminuição no rendimento acadêmico, baixa participação em projetos de extensão e pesquisa e aumento da ausência em aulas.
De acordo com Lemos, 38% das mulheres atendidas pelo Comitê entre janeiro de 2021 e novembro de 2022 afirmaram estar sob acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, 26% usavam medicamentos e 4,7% pensaram em suicídio ou tentaram se matar. Dados do Comitê revelam que, para o mesmo período, 97,8% das mulheres atendidas na universidade sofreram mais de um tipo de violência. A violência psicológica foi a de maior incidência, ocorrendo em 91% dos casos.
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